Uma delas fala de um sargento petista que teria sumido com as gravações de conversas entre o piloto e a torre de controle, mas o aeroporto de Paraty não dispõe de torres nem de operadores que falem com comandantes em voo. Outra especulação, na forma de um áudio narrado por um locutor que imita a voz de âncora de telejornal, diz que “há poucas horas atrás uma fonte anônima da Aeronáutica comunicou” isso e mais aquilo. Tenha dó. Um relato jornalístico que começa com o pleonasmo “há poucas horas atrás” não merece ser ouvido. Nesse caso, o falsificador se traiu pelo português ruim (o que é muito comum em contos do vigário que proliferam nas redes).
Assustam, e muito, os perfis falsos do magistrado morto, invencionices sobre sua vida privada e toda sorte de insinuações que inundam smartphones, e-mails e páginas no Facebook. Assustam não pela existência de falsários que vendem mentiras primárias como se fossem verdades jornalísticas, mas pelo gigantismo das multidões que adoram tudo isso. As notícias fictícias são campeãs de audiência. A humanidade interconectada não é vítima, mas fã ardorosa das mentiras e se delicia com o sabor apimentado das conspirações mirabolantes.
Os boatos – e especialmente os caluniosos – não são um mal do século XXI, o lado ruim das tecnologias digitais. As injúrias apócrifas circulam por aí desde que os humanos começaram a se comunicar por dois ou três grunhidos. Uma das mais deploráveis campanhas difamatórias da História foi o livro Os protocolos dos sábios do Sião, que correu a Europa com a força de uma peste para difundir o antissemitismo. Tudo ali era falso e, não obstante, arregimentou adeptos fanáticos, para os quais os problemas da civilização resultavam da ganância de usurários judeus.
Não é de hoje que os humanos acreditam em coisas do tipo. As razões dessa predisposição a aceitar narrativas sobre grandes conspirações vêm de longe. Elas simplificam tudo o que se passa a nossa volta e, por isso, são tão tentadoras. Algo deu errado? Ora, só deu errado porque conspiradores imundos urdiram suas perversidades contra nós. Os tiranos sabem disso e se aproveitam. A figura mais importante das tiranias não é o tirano, mas o inimigo escolhido pelo tirano, cuja figura ele usa para amedrontar seu povo encabrestado. Sem a figura do inimigo, sempre à espreita para subjugar, escravizar e matar, o tirano não tem razão para usurpar o poder. O inimigo pode ser qualquer um – o agiota judeu, o comunismo internacional, o imperialismo. O que importa é que o tirano convença os tiranizados que existe um inimigo conspirando contra o povo desprotegido.
Por isso o volume de gente que adora notícia falsa é tão assustador: onde sobram fantasias conspiratórias, sobram oportunidades para discursos autoritários. A fé cega nas conspirações parece levar conforto a quem não quer – e não sabe – pensar. As teorias conspiratórias são a melhor amiga da preguiça mental dos oprimidos. Como o que existe de ruim se deve à vileza do inimigo, o oprimido (que se sente seguro, protegido com a presença do opressor) não precisa lidar com as complexidades de cenários contraditórios ou ambíguos. Não precisa ser adulto. As miríades conspiratórias, como fábulas infantis, como nas historinhas da Gata Borralheira, dos Três Porquinhos ou da Chapeuzinho Vermelho, simplificam a realidade.
Tudo fácil, estupidamente fácil. O sujeito pode acreditar que um sargento do PT acobertou o complô que matou o ministro do Supremo para sabotar a Lava Jato, assim como pode acreditar que a Lava Jato é produto de uma conspiração da CIA para tomar posse dos campos de petróleo no pré-sal brasileiro. Existem até aqueles que acreditam nas duas doideiras ao mesmo tempo.
O sucesso generalizado das notícias falsas, e especialmente das notícias falsas sobre essas conspirações malucas, atesta a minoridade política da sociedade. Atesta, também, a miséria da imaginação.
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