sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Mais médicos sem cubanos

O governo de Cuba anunciou o rompimento unilateral da cooperação do país no programa Mais Médicos. A atitude intempestiva é consequência natural do caráter eminentemente ideológico da participação de Cuba no programa desde o seu início, durante o governo da petista Dilma Rousseff. Parece destinada exclusivamente a causar problemas na área de saúde pública para o próximo presidente, Jair Bolsonaro – que diversas vezes se declarou adversário do regime cubano e ameaçou encerrar a participação de Cuba no Mais Médicos.


A disposição da ditadura cubana de criar contratempos para Bolsonaro ficou patente na nota oficial em que anunciou o fim da colaboração no Mais Médicos. No texto, depois de denunciar “o golpe de Estado legislativo-judicial contra a presidenta (sic) Dilma Rousseff”, Havana afirma que “o povo brasileiro (...) poderá compreender sobre quem cai a responsabilidade de que nossos médicos não possam continuar oferecendo sua ajuda solidária nesse país”.

Ou seja, sem que qualquer decisão tenha sido tomada pelo futuro governo a respeito do programa nem sobre a participação cubana – pois, afinal, o presidente eleito só tomará posse no dia 1.º de janeiro –, a ditadura de Cuba mandou retirar os cerca de 10 mil médicos cubanos hoje em atividade no País. Pode-se imaginar as dificuldades que a saída repentina de tantos profissionais vai causar aos cidadãos atendidos no Mais Médicos, especialmente em áreas remotas do País, com previsíveis efeitos danosos para a imagem do futuro governo – para deleite dos petistas, cuja relação fraternal com a ditadura cubana é de todos suficientemente conhecida.

Como se sabe, o programa Mais Médicos foi criado em 2013 pela presidente Dilma Rousseff como resposta às grandes manifestações daquele ano por melhores serviços públicos. Do modo atabalhoado como foi concebido, o programa não atraiu o interesse dos médicos brasileiros, e então o governo petista, docemente constrangido, recorreu aos companheiros cubanos para obter a necessária mão de obra.

A exportação de médicos tornou-se há tempos uma das principais atividades comerciais de Cuba. Os profissionais enviados a vários países não recebem o salário integral que lhes é devido, já que uma das imposições da ditadura cubana é que a maior parte desses vencimentos vá para os cofres do regime. Ademais, os médicos cubanos não têm o direito de ir para onde quiserem nem podem se exprimir livremente, submetidos que estão à vigilância de agentes castristas.

Mesmo diante desse flagrante desrespeito a direitos que os petistas alardeiam defender, o governo de Dilma não perdia a oportunidade de agradecer pela “solidariedade” de Cuba, inclusive durante sua campanha à reeleição, em 2014.

A despeito da propaganda petista, contudo, a “solidariedade” cubana sempre foi mera fachada para edulcorar a tirania que vigora na ilha dos Castros. Assim que os primeiros médicos cubanos conseguiram na Justiça brasileira o direito de aqui permanecer, o regime, em represália, suspendeu o envio de centenas de profissionais de saúde. Considerou inadmissível que esses médicos buscassem seus direitos – tanto trabalhistas como humanos.

Depois do impeachment de Dilma, o governo tratou de mudar o perfil do Mais Médicos, promovendo a troca paulatina dos médicos cubanos por brasileiros, medida que amenizava o viés ideológico que tanto marcou o programa. A súbita decisão de Cuba de retirar todos os seus médicos de uma vez mostra o tamanho da irresponsabilidade do governo petista quando submeteu um programa social aos humores e interesses estratégicos de um regime ditatorial estrangeiro.

Tudo isso serve para relembrar que o Mais Médicos – remendo emergencial feito por um governo em apuros – só existe e se tornou essencial porque o Estado brasileiro falhou e continua a falhar miseravelmente em oferecer saúde pública com um mínimo de qualidade para boa parte dos cidadãos. A manutenção dessa situação deveria envergonhar brasileiros de qualquer ideologia.

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