A crise é um exército invasor formado por problemas que não chegam metendo o pé na porta. De longe, bem de longe, ela vem tocando trombeta - "Cuidado! Olha que estou chegando!". Os técnicos responsáveis advertem. Jornalistas zelosos repercutem. Indicadores piscam luzes vermelhas nos painéis. No entanto, para grande parte daqueles a quem está atribuída competência para decidir sobre o gasto público, e para a maioria da população, responsabilidade fiscal é tema tão indigesto quanto conversa sobre cinto apertado na mesa do almoço familiar.
Tenho bem presente as chacotas que a oposição ao governo Yeda Crusius lançava sobre o Déficit Zero que ela pretendeu, com imenso sacrifício político, emplacar como marca de seu governo. O que era meritório foi levado ao purgatório. O que era simplesmente responsabilidade foi retoricamente exorcizado como perversão neoliberal, patologia da consciência social, maldade pura. Quanto é sensível a opinião pública às fanfarronadas dos maus políticos! Quanta credibilidade é atribuída aos garganteios da tal "vontade política", presumível toque de Midas capaz de transformar conversa fiada em recurso público!
Não há como desconhecer: em 2010, o Rio Grande do Sul elegeu Tarso Genro malgrado seu discurso a favor da irresponsabilidade fiscal, que ele levou às últimas consequências, legando a seu sucessor um rombo de R$ 5,4 bilhões. E note-se, o somatório dos aumentos de vencimentos por ele concedidos para viger depois de seu governo, entre 2015 e 2018 representa um impacto adicional de R$ 7,5 bilhões ao gasto público.
Clamam aos céus por justiça os desníveis remuneratórios existentes nos quadros de pessoal do Estado. Necessárias garantias funcionais resguardam desnecessários privilégios. É agressivamente desarmônico o tratamento entre a situação do Executivo e a dos poderes independentes (cujo pessoal ganha muito mais, em dia e recebe aumento). Mas a causa da crise vai muito além disso. Muito além!
Ela enfiou o pé na porta e o caos se instala. Seria desesperador imaginar que isso sirva, mais uma vez, para mobilizar esperanças na direção dos discursos demagógicos, da tal "vontade política", ou de algum pote de ouro no fim do arco íris.
Percival Puggina
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