Parecia uma reunião de alguma organização política clandestina, prestes a ser destruída por forças poderosas. Nada disso, era o governo de uma república por nome Brasil que fazia uma reunião de ministros de Estado para discutir um plano de desenvolvimento. Aconteceu há menos de dois meses, e a reunião, secreta, acabou divulgada pelos meios de comunicação.
Para os historiadores e demais dedicados às Ciências Humanas, um maná, caído do céu. Acessar um documento deste tipo depois de 40 ou 50 anos é uma raridade. Em dois meses? Não há precedentes na história. Transcrição e autenticidade asseguradas por peritos e controlada pela Justiça. As pessoas pronunciando-se com franqueza desembestada e não para o "distinto público". Por mais que se dê um desconto, pois estavam "entre eles", e não seriam capazes de dizer o que disseram em público. E um outro desconto para a venerável instituição do puxa-saquismo, visível na competição para ver quem era o mais agressivo e o mais cafajeste (aspectos enaltecidos pelo chefe), estavam ali os que governam o país, sem meias-tintas, uma transparência absoluta, quase desumana. Expostos. Expondo-se.
Enquanto a sociedade move-se preocupada face aos sinais de um processo autoritário em curso, a democracia em risco, as instituições balançando, ameaçadas pela intolerância dos governantes. Num contexto de manifestos que se divulgam nas mídias, congregando milhares de assinaturas em defesa das liberdades e de passeatas que já se esboçam, prometendo resistência a aventuras desejosas de reinstaurar ditaduras no país, a nação descobre, pasma, que são "eles" que se sentem cercados, ameaçados. São "eles" que se acham imprensados, vigiados, tolhidos, mal informados, perigando irem para a cadeia, para o trabalho compulsório, para o exílio, para a morte.
Estranhos e perigosos governantes: perseguem e se julgam perseguidos. Querem controlar e temem ser controlados. Reprimir e se acham reprimidos. Desejam prender e arrebentar, como dizia em época não tão remota, um esquecido general, porém, se declaram na iminência de serem presos e arrebentados. Imaginam matar, contudo, deliram como ameaçados de morte. Cercam e se sentem cercados.
A isso se chama paranoia em psicanálise. E não há como escapar da assombrosa conclusão de que estamos sob regência de um governo paranoico, que será capaz de tudo para evitar ou impedir o pleno funcionamento da democracia neste país.
Em meados dos anos 1950, Raimundo Magalhães Júnior lançou um livro divertido: “O império em chinelos”. Um apanhado das críticas ferinas desferidas pelos humoristas e caricaturistas da época. Na capa, o imperador Pedro II caía de bunda do trono, as pernas para o alto. Um livro bem-humorado.
Na reunião de 22 de abril passado, o governo brasileiro apareceu em cuecas, não em chinelos, e o quadro que se desenhou não é nem um pouco engraçado. É crítico e assustador e requer cuidado, decisão e coragem, mas...vai passar.
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