Mesmo com o rápido “arranjo”, bem ao estilo do partido dos atuais donos do poder – onde a questão moral, aptidão e competência técnica e política, para o cargo, são o que menos importam – , o Palácio do Planalto confirmou para o posto a também parlamentar petebista Cristiane Brasil. Filha do presidente nacional do partido, detonador e condenado do Mensalão, Roberto Jefferson, que foi às lágrimas com o “resgate”, ao adiantar que a data da posse da herdeira dileta está marcada para a semana que vem.
A começar pelo sobrenome da nova escolhida, para comandar a pasta do Trabalho, tudo isso parece uma imensa e irônica encenação de tragicomédia anunciada. Antes do correr da cortina, para de novo esconder o palco do distinto público, no entanto, foi passado unguento nas pisaduras, mas o calo de sangue vai ficar incomodando muita gente pisoteada, ainda por um bom tempo. Já se sabe, (por denúncia do próprio convidado da primeira hora, do presidente da República, para ocupar o lugar deixado vago, de repente, pelo também deputado petebista Ronaldo Nogueira, na última quarta-feira, (27) do ano que passou – causando novos estragos no trôpego, e cada vez mais suspeito e metido em encrencas, ocupante atual do Pal&aacu te;cio do Jaburu, Michel Temer e sua tropa de comando do PMDB e outros penduricalhos partidários.
Para o rodado jornalista, estes episódios recuperam, das profundezas da memória, a inevitável recordação de uma história que meu saudoso pai costumava contar sobre coronéis oligarcas, patriarcas do velho estilo, ou com tinturas de modernidade, em seus diferentes modos de exercer poder político no Nordeste.
“Mi viejo”, – para usar expressão tão cara aos portenhos em seus tangos e escritos poéticos de referência respeitosa à figura paterna (que muito me agrada) – um honrado servidor público nascido nas barrancas do São Francisco, o rio da minha aldeia, até morrer defendeu, preservou, praticou e tentou sempre passar adiante ensinamentos sobre o valor da política feita com ética e honradez, principalmente quanto ao efetivo cumprimento dos compromissos de princípios e de gestão administrativa. Ele tinha rejeição congênita tanto a corruptos e corruptores, quanto ao mandonismo, no exercício de cargos ou funções em todos os escalões governamentais: federal, estaduais ou municipais.
Ficava mais indignado ainda com aqueles oligarcas com tinturas intelectuais, “metidos a sebo”, principalmente àqueles com assentos, também, na ABL: da Bahia ao Maranhão.
“O tipo que, diante de uma oferta de recursos para a construção de uma boa escola, um ginásio, um colégio, em seu estado e sua comunidade; ou frente à possibilidade de vingança imediata contra uma diretora escolar, que ele julgava contrariar seus interesses eleitorais e de aliados de partido, não pensava duas vezes: preferia mandar demitir a professora”, contava meu falecido pai. Na mesa das refeições com a família reunida em volta da mesa, ou nas rodas de conversas políticas de que tanto gostava de participar.
Ao ouvir um caso como este – cada vez mais comum nos temerários tempos que correm a caminho da implacável corrida pelo voto, que se anuncia neste ano de eleições majoritárias, a começar pela presidência da República, os irônicos franceses, seguramente diriam: “Amaldiçoado seja aquele que pensar mal destas coisas”.
Qualquer levantamento jornalístico rápido, feito com critério e isenção profissional, vai revelar que a deputada – sobre cujo nome recaiu a nova batida do martelo, do presidente da República, para pasta importante de seu ministério em desmoronamento, não é bem o que se poderia chamar de ilibada figura para o exercício de um posto de comando no mais alto escalão do poder público. É, para dizer o mínimo, parlamentar de atuação polêmica e complicada, com dúvidas no currículo que certamente cobrarão mais esclarecimentos à sociedade. E não só quanto às já sabidas suspeitas de receber propinas das empreiteiras OAS e Odebrecht, na Lava Jato, mas, também, em caso de relação trabalhista, no qual, segundo revelado pela G1/ O Globo, a an unciada futura ministra do Trabalho foi condenada.
Além disso, Cristiane Brasil não é unanimidade,em seu próprio partido, para ocupar o cargo que lhe caiu no colo depois da conversa de seu pai com o soturno mandatário atual . O El Pais revela, em sua edição brasileira, que três de quatro deputados do PTB ouvidos pela reportagem, disseram que a indicação dela não tem o aval da bancada, ao contrário de Pedro Fernandes, o desafeto do clã Sarney, no Maranhão. “Nem sequer fomos consultados”, afirmou um dos ouvidos por El Pais. A um grupo de repórteres que o esperava na saída da conversa com Temer, ainda tentando conter o pranto emocionado, o pai de Cristiane e chefe do PTB, explicou que o nome de sua filha não foi uma indicação: “Eu não indiquei. O nome dela surgiu”. É por coisas assim que nas barrancas do rio da minha aldeia se costuma dizer: “O tempo passa, e quanto mais passa o tempo e as coisas mudam, mais o Brasil fica mais parecido com o que sempre foi”. É por aí.
Para completar o sentido dessas palavras faltava Sarney. E sua insaciável fome de poder e de mandonismo, em décadas de presença déspota, evidente na vida de seu estado, do Nordeste e do País. Não falta mais: ele ressurgiu, neste episódio do veto ao adversário político, não na condição de simples “conselheiro de Temer” (como tem sido qualificado em alguns círculos do PMDB e da imprensa ), mas como poderosa eminência parda do governo em desalinho. Se disse, em conversas e em manchetes, que ele jogou a toalha e abandonou a política desde que desistiu de concorrer a mais um mandato em 2014. Acredite quem quiser.
Mas o fato, pra valer, é que ele segue atuante, e com sobras de mando, como acaba de demonstrar. Não aos gritos e ameaças barulhentas à moda dos velhos e superados coronéis nordestinos. Mas nas sombras palacianas, em silêncio e sutilmente. Um texto de 2014, publicado na Carta Capital, alias, traz uma definição que ainda hoje segue perfeita e atual: Sarney comporta-se (no mando) como um lorde inglês durante a ocupação da Índia”. Nada mais a acrescentar. Só a conferir.
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