Se somadas as quantidades de sufrágios em branco e nulos, a conta beira os 40% e, em números absolutos, mostra que vários candidatos perderam para o não voto.
Pela relevância dos dados e das motivações implícitas, a recusa à participação ativa foi um dos assuntos mais comentados nos balanços dos chamados recados das urnas.
Rivalizou com o sucesso da centro-direita, o mau desempenho da esquerda, a força das emendas parlamentares na reeleição e a constatação de que Luiz Inácio da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) não mandam na vontade das pessoas, mais interessadas na administração das respectivas cidades do que na briga dos chefes das torcidas da política nacional.
A encomenda do TSE para se estudar a abstenção nos detalhes sem dúvida é muito útil, pois uma vez concluído o trabalho vai se poder abordar o assunto com precisão, sem chutes nem ilações que possam distorcer as conclusões.
Não é necessário, porém, ir às profundezas sociológicas das raízes do Brasil para se chegar a alguns dos porquês de parcela crescente do eleitorado fazer do voto obrigatório —regido por regras de 1965, na ditadura— quase uma letra morta, quando em outro tempo já foi preferência nacional.
A cada nova pesquisa sobre o tema, porém, o facultativo ganha terreno e já representa a maioria. Segundo levantamento do Datafolha de 2020, 56% são contrários à obrigatoriedade.
Outra consulta feita em agosto de 2024, na capital paulista, registrou índice de 52%. Agora em outubro 34% dos paulistanos disseram ao mesmo instituto que não teriam votado se não fossem obrigados. A abstenção segue o ritmo de crescimento; foi de 16,2% em 2000, quase metade do índice atual.
O que está havendo? Antes de falar sobre o descrédito na política e o comportamento dos partidos, vamos a outras hipóteses menos dramáticas para explicar: o aumento da população maior de 70 anos de idade, que não é obrigada a votar e a cada vez maior facilidade para se justificar ausência.
Sobre esse segundo ponto, um parêntese: por que tenho de dizer ao Estado onde estou no dia da votação ou lhe dar satisfação sobre uma decisão privada de não exercer um direito?
E aqui chegamos aos partidos e aos políticos que muitas vezes tampouco se obrigam a dar satisfações aos cidadãos. Assumem atitudes —notadamente nos períodos de entressafra eleitoral— de total indiferença ao que lhes diz a sociedade.
Acontece, por exemplo, quando aprovam fundo eleitoral de R$ 5 bilhões, anistiam as próprias dívidas e se articulam para afrouxar a Lei da Ficha Limpa aprovada na pressão por um projeto de iniciativa popular. Isso para citar casos mais recentes. Ao longo da história (só da redemocratização) há uma coleção deles.
Cada vez mais livres de cobranças, desobrigados de prestar contas sobre a folha corrida dos candidatos escolhidos para concorrer, montados numa dinheirama pública cujos eventuais ilícitos são objeto de anistia autoconcedida, as agremiações partidárias viraram ilhas voltadas para seus interesses.
Caso precisassem atuar como entidades de direito privado que são, indo à luta para amealhar recursos e empenhar esforços para conquistar o eleitorado, não tivessem a reserva de mercado do voto obrigatório provavelmente outros galos cantariam na política nacional.
O Brasil está na vanguarda no sistema eletrônico de votação e apuração. Não faz sentido nem combina com tais avanços que se mantenha na retaguarda na relação do Estado com o cidadão que, se estimulado, poderia se transformar num eleitor mais bem disposto a ir às urnas. Ou se ausentar sem precisar se justificar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário