terça-feira, 16 de novembro de 2021

Inflação é ruim, mas é pior no Brasil

Confrontada com uma inesperada e acelerada taxa de inflação, a sociedade brasileira vê-se diante de uma grande incógnita: até quando e até quanto vai o atual processo de aumento dos preços?

A pergunta é difícil de responder, pois a única certeza que se tem hoje é de que o preço a pagar implica sacrificar o PIB de 2022. Não à toa, as previsões de crescimento para o ano que vem caíram para abaixo da marca de 2% e isso deveria acender um sinal de atenção, pois deixa no ar a incerteza sobre a reação do governo diante de uma provável queda de popularidade em um ano de eleições.

Ou seja, do ponto de vista político institucional o horizonte de curto e de médio prazos revela-se absolutamente nebuloso. Do ponto de vista econômico, as mais pessimistas previsões poderão ser atenuadas pela melhoria das condições que têm afetado os preços da energia e o fornecimento de matérias-primas que atrapalham o processo produtivo.


É claro que muito do que se vive é resultado da pandemia, um fenômeno desconhecido há muitas gerações, com efeitos econômicos imprevisíveis. Não era plausível imaginar no auge da proliferação do covid-19 que de uma hora para outra, ainda em meio a um quadro de casos de contaminação, aqueles níveis de inflação tão baixos capturados até o início deste ano iriam galgar patamares cada vez mais altos com a rapidez que temos visto. Em apenas dez meses, o IPCA em doze meses pulou de 4,56% para 10,67% (o mesmo índice, curiosamente, colhido no final de 2015, quando a deterioração política levou ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff).

O governo faz questão de enfatizar que a inflação não ressurgiu apenas no Brasil. De fato, ela está presente em vários países. Em alguns tem quebrado recordes, como é o caso dos Estados Unidos, onde o IPC subiu 6,2% em outubro, o maior nível em trinta e um anos. As características da economia brasileira, no entanto, fazem com que aqui a inflação tenha consequências piores.

Primeiro, deve ser destacada a questão da indexação, pois muitos preços ainda sofrem reajuste par e passo com a inflação passada. Depois do Plano Real, que acabou com a indexação formal dos salários (cerca de 60% dos preços) os contratos indexados automaticamente diminuíram bastante, mas ainda são relevantes, a começar pelo orçamento público que usa a inflação para corrigir tanto a arrecadação como os gastos. Mensalidade escolar, aluguéis e salário mínimo são outros preços atrelados umbilicalmente ao comportamento dos índices de preços.

Segundo, ainda que a indexação formal esteja mais restrita, a economia continua a conviver com o efeito da inércia sobre os preços. Tem a ver com aquele raciocínio de que as margens de lucro precisam ser garantidas a qualquer custo, o que leva a repassar a variação inflacionária para os preços finais. Isso é comum no setor de serviços onde não podem ser substituídos através da importação, se bem que ao câmbio atual nem mesmo os produtos físicos têm a alternativa da concorrência com os importados.

O IPCA do setor de serviços tem subido consistentemente desde o início deste ano. No acumulado de doze meses, passou de 1,51% em janeiro para 4,92% em outubro, com alta significativa nos serviços mais intensivos em trabalho. Ainda que não indexados, alguns salários têm sido reajustados em linha com a inflação passada, muito embora isso ainda não represente o grosso das atividades sindicalizadas.

Essas peculiaridades dificultam os prognósticos para a inflação e a situação se agrava ainda mais quando se introduz o fator expectativa na equação, algo que tem a ver com a percepção dos indivíduos e do mercado com respeito às variáveis que influenciam na alta dos preços.

A conjugação de fatores que lidam também com o subjetivo em um quadro de tantas incertezas e um regime de câmbio flutuante não ajudam a tarefa do BC.

Edmar Bacha, um dos poucos economistas que melhor conhece as idiossincrasias brasileiras, considera que a identificação das expectativas para o manejo da política monetária é uma questão quase impossível de ser solucionada porque não se sabe como são formadas. Essa dificuldade transparece nas equações do Banco Central que usam o componente das expectativas correlacionado à inflação passada. O fato objetivo é que o futuro da inflação na era Bolsonaro está exclusivamente nas mãos do BC e Bacha não tem dúvidas de que a autoridade monetária conseguirá segurar a alta dos preços mesmo com a possibilidade de provocar recessão.

“A questão é a que custo isso será feito e se será politicamente sustentável”, enfatiza ele, que não está de todo pessimista porque a economia ainda não entrou em processo de dominância fiscal - quando o aumento dos juros impacta a dívida pública a ponto de restringir a atuação do BC. “Tem risco de entrar, mas ainda não há indicação disso”, complementa.

A péssima distribuição de renda do país representa uma situação característica da qual o Brasil talvez seja o representante máximo e explicita outro motivo que faz a inflação ter efeito pior no país em comparação com outros.

A massa de gente que sobrevive com renda baixa, equivalente a cinco vezes a população de Portugal, sofre mais com a inflação do que o pessoal das camadas mais altas de renda, como se sabe. Dado o nível da pobreza, o impacto é gigantesco, com reflexos negativos no próprio crescimento pela retração da capacidade de consumir. De acordo com o IPEA, a inflação acumulada em doze meses para quem tem renda de até R$ 1.808 por mês atingiu 11,4% em outubro. Nessa perspectiva, o auxílio família tende a virar pó rapidamente.

Por tudo isso, nada indica que a trajetória econômica em 2022 seja um passeio reconfortante.

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