Nas eleições de 2018, a aliança de Bolsonaro com Guedes, economista do livre mercado, contribuiu muito para persuadir empresários a apoiarem um ex-oficial do exército de extrema direita que nunca antes havia mostrado interesse pela economia liberal. Guedes prometeu uma reforma radical do inchado e ineficiente Estado brasileiro. Mas essa promessa resultou apenas em alguma economia no setor previdenciário, autonomia legal para o Banco Central e pequenas simplificações regulatórias. Agora o ímpeto por reformas deu lugar à corrida de Bolsonaro por dinheiro para comprar apoio político e popularidade.
Para evitar o impeachment por causa de sua má gestão da pandemia e dos crimes de sua família (o que eles negam), Bolsonaro se aliou ao Centrão, uma grande coalizão de conservadores congressistas. Quando a covid-19 atacou, o governo declarou “estado de calamidade”, permitindo-lhe oferecer grandes auxílios temporários, apesar do limite de gastos. Em 2020, a pobreza diminuiu no Brasil, contrariando a tendência regional, e a popularidade de Bolsonaro aumentou. Em março, o governo ganhou uma emenda constitucional de emergência, abrindo um buraco no teto de gastos, para permitir que pelo menos alguns pagamentos continuassem. Agora, a queda no índice de aprovação do presidente está reduzindo sua chance de um segundo mandato nas eleições do próximo ano.
Uma nova emenda constitucional abriria mais dois buracos. Permitiria ao governo atrasar pagamentos de precatórios judiciais (tais como as restituições de tributos cobrados em excesso). Além disso, exploraria a recente subida nos preços, indexando o orçamento à inflação anual de dezembro (provavelmente superior a 10%) em vez da de junho (8,4%). Essas mudanças dariam ao governo uma soma extra de R$ 100 bilhões (US $ 18,2 bilhões) para usar no próximo ano, avalia Marcos Mendes, ex-assessor econômico do Senado.
Parte desse dinheiro iria para o Auxílio Brasil, o reformulado programa de combate à pobreza que sucederá o Bolsa Família, o bem-sucedido esquema de combate à pobreza lançado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas trará mais complexidade e incerteza, observa Marcelo Neri, especialista em pobreza da Fundação Getúlio Vargas. O governo elevou a média do benefício permanente em 18%, para R$ 217 por mês. No entanto, Neri aponta que a inflação havia corroído 32% de seu valor real desde 2014. Bolsonaro também prometeu um bônus temporário, de modo que todas as 17 milhões de famílias no programa receberão pelo menos R$ 400 por mês, mas apenas até dezembro de 2022. Não por acaso, isso acontece logo após as eleições.
Outra grande parte do dinheiro extra iria para causas menos dignas, incluindo cerca de R$ 18 bilhões para financiar obscuras emendas orçamentárias que permitem a execução de contratos públicos superfaturados a congressistas em troca de seu apoio a Bolsonaro. Essas foram algumas inovações idealizadas pelo Centrão. Esta semana, a maioria do Supremo Tribunal Federal considerou essas cláusulas secretas como ilegais. Isso não impediu que a Câmara dos Deputados aprovasse a emenda constitucional. Não está claro se isso será aprovado no Senado.
De qualquer maneira, haverá custos. A derrota colocaria em dúvida o financiamento do Auxílio Brasil no futuro. Mas seria uma vitória de Pirro. Quatro dos mais antigos assessores de Guedes renunciaram no mês passado porque se opuseram à emenda (a versão oficial foi por “motivos pessoais”). A preocupação com a política fiscal é o “principal combustível da inflação”, diz Zeina Latif, economista de São Paulo. O objetivo do teto de gastos era travar o implacável aumento dos gastos públicos que satisfaz os privilegiados, já que não são redistributivos nem eficientes para superar os gargalos que freiam o crescimento. Esse enfraquecimento mostra que Bolsonaro não é ruim apenas para o meio ambiente, para os direitos humanos e para a democracia, mas também para a economia do Brasil.
The Economist
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