sábado, 9 de dezembro de 2023

O sofrimento “intolerável” de Gaza

Não há que ter medo das palavras: o sofrimento humano em Gaza é “intolerável”. O que a presidente do Comité Internacional da Cruz Vermelha, Mirjana Spoljaric Egger, nos veio recordar é o óbvio: é inaceitável que os civis não tenham um local seguro para onde irem, que o cerco militar não permita assistência humanitária e que a população esteja condenada a morrer de fome, de falta de cuidados médicos ou num bombardeio ditado por inteligência artificial.

Sem locais seguros para se refugiar, a população de Gaza continua encurralada, obrigada a fugir de um lado para o outro, sem poder confiar nas indicações israelitas. A entrada dos tanques na Faixa de Gaza levou a uma fuga desesperada para o sul da região, junto à fronteira com o Egipto, mais uma vez sem garantias de protecção.

O governo israelita comprometeu-se a eliminar o Hamas, um objectivo inatingível, que pode traduzir-se pela eliminação da sua hierarquia. Mas qual é o preço que Israel está disposto a pagar por isso? Eliminar o Hamas não pode confundir-se com a eliminação da população de Gaza.


Nesta guerra, fala-se de “danos colaterais” como se os mesmos fossem inevitáveis. O bombardeio de duas escolas, nesta segunda-feira, onde se abrigavam habitantes deslocados, terá feito, pelo menos, 50 mortos. A confirmar-se, não há argumento militar que o justifique. O desejo de criar estragos tem-se sobreposto ao dever de precisão.

O secretário da Defesa dos EUA disse, lucidamente, que Telavive pode sofrer uma “derrota estratégica” se não limitar ao mínimo as baixas civis desta guerra porque, mesmo que a vença e atinja os seus objectivos, corre o risco de uma condenação generalizada. E Recep Tayyip Erdogan já deu um passo em frente, ao chamar a Benjamin Netanyahu o “assassino de Gaza” e ao falar em nome do povo muçulmano. De resto, Ancara já alertou para as “consequências graves” que podem resultar da tentativa israelita de capturar membros do Hamas em território turco.

Não será fácil a Netanyahu agir internamente em todas as frentes. O primeiro-ministro de Israel vai ter de responder a vários processos judiciais, nos quais está indiciado pela prática de corrupção, gerir a pressão para que se demita, por isto e pela alegada negligência ao desvalorizar os planos do Hamas para 7 de Outubro, enfrentar uma crescente onda de protestos para continuar a negociar o resgate dos reféns ainda nas mãos do Hamas e atingir os objectivos militares a que se propôs. Acossado por este lado e acossado pelo outro; por aliados e por uma base de apoio que tudo fará para levar esta guerra às últimas consequências, mesmo que o sofrimento que implique torne tudo isto ainda mais intolerável.

A Europa, que começou por passar um cheque em branco a Netanyahu após a barbaridade do Hamas, exibindo a sua indiferença perante qual seria a reacção israelita, começa agora a evidenciar sinais de maior sensatez. A presidente do Parlamento Europeu chamou a atenção, em Lisboa, para a necessidade de protecção de todos os civis no conflito e disse que a forma como Israel respondeu aos ataques do Hamas “importa”.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, avisou que uma operação militar para eliminar o Hamas pode demorar uma década, pelo que é favorável a um reatamento do cessar-fogo, e Josep Borrell, o alto representante para a Política Externa e de Segurança da União Europeia, defendeu que a solução para o conflito entre Israel e o Hamas só pode ser política, pelo que pediu ao Irão que use a sua influência para impedir “uma nova escalada na região”.

Mas é possível uma solução política com os actuais intervenientes, que nunca estiveram disponíveis para outra solução que não fosse de cariz militar? Veremos até onde irão os tanques israelitas, se irão ocupar o território e o que virá a seguir. São demasiadas incógnitas para provocar esperança.

A única esperança possível, neste momento, é persuadir as duas partes a suspenderem os combates, a retomarem negociações e a trocarem mais prisioneiros por reféns. Uma tarefa, essencialmente, para os EUA, a Casa Branca admitiu que estava a fazer um “esforço imenso” nesse sentido. Falta saber se serão ouvidos.

Dois meses depois do início da guerra, e quase 16 mil mortos depois, as conversações para um eventual cessar-fogo não podem ser interrompidas de forma irremediável, sob pena de o mesmo se prolongar até ao colapso total de Gaza.

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