Pego o ônibus, sábado de manhã. Todos sentados, pequeno milagre. Observo meus companheiros de viagem, vício de quem tem prazer de extrair conhecimento das situações mais banais e cotidianas. Na frente da roleta, bem vestidos e cuidadosos, silentes idosos desviam o olhar que lhes dirijo na esperança de trocar um respeitoso “bom dia”, talvez pela admiração que tenho por eles ou por me saber quase chegando lá.
Olhos se desviam para a janela, misto talvez do constrangimento de exercer o direito à passagem gratuita ou a falta de rapidez e agilidade na contramão de quem sobe. Mudos e silenciosos, absortos em pensamentos ou na paisagem urbana tão hostil. Passo a roleta e me deparo com uma fauna de seres de distintas tribos. Senhorinhas sensualmente vestidas, com caras de frequentadoras de shopping, repassam velozmente suas mensagens na tela do celular. Escapa de uma delas um sorriso matreiro, sedutor, e maliciosamente imagino o pior ou o melhor para quem capta sua mensagem.
Silêncio no ar. Mais ao fundo, um adolescente vestido de… adolescente, com retumbantes fones de ouvido, batuca na poltrona os graves que invadem espaço alheio. Ah, meu caro, não serei eu o “tiozão” chato a mostrar pesquisa que mostra que 71% dos adolescentes de 13 a 18 anos já estão com algum tipo de surdez irreversível, algumas graves. Papo ruim, né?!
Sentada num canto, uma bela jovem que nada vê, nada ouve, nada fala, absorta numa longa conversa sonora no WhatsApp, nervosa, roendo a unha. Estico meu ouvido e verifico ser algo ligado a Enem. Autista ficou, do início ao fim do meu trajeto. Dou uma repassada e veja uma senhora olhando a tela de seu smartphone, hipnotizada com as fofocas de um site de famosos.
Outros usam fones de ouvidos mais discretos. Faço um teste besta: tento estabelecer uma troca de olhares com meus companheiros de viagem. Não sou visto. Simulo um ataque de tosse. Continuo invisível. Pergunto ao trocador onde é a praça da Liberdade. É nesse momento que uma simpática idosa me diz que ela descerá lá e volta a olhar a janela.
Estou só. Se meu coração parasse sem dor e eu infartasse como se dormisse, só me notariam no ponto final, ou quando recolhessem o veículo na garagem. Mas valeu a experiência, pois senti saudade do meu avô Zé Cocão, que tirava o chapéu para todos na Afonso Pena, que conversava com a geral na esquina dos aposentados, que observava a natureza me ensinando coisas que escola e faculdade nunca me legaram.
A arte de observar, tempo para aprender, a curiosidade como matéria prima da sabedoria. Tudo passa: o fax, o telefone fixo, a máquina de escrever, o computador, mas conhecimento fruto da sabedoria é eterno! Daí esse prazer de ver, ouvir, cheirar, tocar, degustar esse mundão de Deus que me circunda. Tela um dia abraçará a gente? Seria um choque para mim! Mas como esse mundo anda carente de um cafuné…
Eduardo Aquino
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