Por isso, vale a pena assistir à série “Guerras do Brasil.doc”, de Luiz Bolognesi, disponível na Netflix. É um documentário dividido em cinco episódios que conta momentos cruciais da história da formação do país. O primeiro episódio relata como se deu a conquista do território pelos portugueses. Trata-se de um trabalho acadêmico, repleto de dados, mas sem o ritmo do cinema. Mesmo assim, a ocupação portuguesa foi tão intensa e dramática que em alguns momentos o documentário ganha vigor de thriller. Os outros quatro episódios retratam a Guerra de Palmares, a Guerra do Paraguai, a Revolução de 30 e as guerras do crime organizado nos presídios do país.
Mas vamos ficar apenas no primeiro episódio, que até hoje é problema não resolvido no Brasil. Segundo o documentário, calcula-se que em 1500 viviam aqui entre 8 milhões e 40 milhões de índios, alguma coisa como um pouco mais do que um Paraguai ou um pouco menos do que uma Argentina. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, 896 mil brasileiros se declararam indígenas. A distância entre esses números não deixa dúvida, eles foram dizimados. O que ocorreu no Brasil e em toda a América do Sul, onde viviam mais de 80 milhões de almas na época do Descobrimento, foi um holocausto. O maior da história.
A chegada dos portugueses à costa brasileira, segundo depoimento do líder indígena e ambientalista Ailton Krenak, não foi uma ocupação. Não houve um desembarque, nas palavras dele. Marinheiros portugueses chegaram doentes e famélicos e foram salvos pelos nativos que os receberam, abrigaram e alimentaram. Por serem povos muitas vezes nômades, que percorriam vastos territórios, os nativos das Américas eram receptivos e sabiam conviver em harmonia com etnias distintas. O que hoje se chamaria de ingenuidade, naquela época era um modo de vida. Os portugueses, por aqui, e os espanhóis, ao sul e a oeste, tinham outra personalidade e orientação diversa.
Aos poucos, os brancos primeiro escravizaram e depois eliminaram qualquer chance de convivência com os índios que não fosse pela força do chicote, da espada e do fogo. Num determinado momento da história, havia mais escravos indígenas do que negros no Brasil. Todos trabalhando para agricultores brancos que ocuparam a orla do país e aos poucos foram entrando pelo território em busca de mais terras agricultáveis.
Somente em 1910, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) pelo Marechal Rondon, o Estado brasileiro abriu mão de usar os poderes que detinha para subjugar aqueles povos e estabeleceu um mecanismo para a sua proteção. O SPI foi sucedido pela Fundação Nacional do Índio, a Funai, em 1967, que funciona até hoje como uma instância de proteção e reparação dos indígenas remanescentes. Com altos e baixos, o SPI cumpria, e a Funai cumpre missão importante na preservação dos que sobreviveram, de suas culturas e de sua história.
E a coisa caminhava assim até a chegada de Jair Bolsonaro. O primeiro ato do presidente, ao remodelar o Ministério, foi devolver os índios ao controle dos agricultores brancos, transferindo a demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura. A ideia prosperou até maio, quando foi barrada pelo Congresso. Bolsonaro a restabeleceu por MP, que acabou provisoriamente suspensa pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso. Em agosto, a questão vai a plenário. O STF irá então decidir se índio é mesmo questão agrícola.
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