Para o secretário do Tesouro, Scott Bessent, o tarifaço é apenas o começo da reordenação da ordem econômica que Trump quer estabelecer. Em mais de uma ocasião, Bessent repetiu que “o sistema de comércio internacional consiste numa rede de relacionamentos militares, econômicos e políticos. Não se pode considerar um único aspecto isoladamente. É assim que o presidente Trump vê o mundo, com interconexões que podem ser reordenadas para promover o interesse do povo americano”.
Bessent e o chefe do Conselho de Assessoria Econômica da Casa Branca, Stephen Miran, já deixaram claro que o caos tarifário é uma forma de criar alavancagem a ser usada na implementação do resto do plano para reindustrializar os EUA e preservar o dólar como moeda de reserva. A agenda Maga (Make America Great Again) parece incluir esferas de influência geoeconômica (unindo comércio e segurança), isolamento da China ao máximo, desmonte do multilateralismo (FMI, OMC) etc.
Antes de chegar à Casa Branca, Miran escreveu que seria “mais fácil imaginar que, após uma série de tarifas punitivas, parceiros comerciais como a Europa e a China se tornem mais receptivos a algum tipo de acordo monetário em troca de uma redução das tarifas”.
Ou seja, se “o dólar fosse capaz de se enfraquecer para equilibrar o comércio, não teríamos muito trabalho para equilibrar os déficits comerciais e não teríamos muitos dos problemas que as tarifas e outras políticas visam solucionar, porque seríamos mais competitivos no cenário global e não tão enganados por outros países”.
Em conversa com a coluna, o professor de competitividade Stéphane Garelli, do IMD, uma das principais escolas de negócios do mundo, sediada na Suíça, prevê que a próxima etapa para Trump será justamente arrancar um acordo para desvalorizar o dólar.
O professor observa que tudo é questão de preço na esfera Trump. O presidente dos EUA age como um comerciante que vende direitos de acesso. Primeiro, aos mais de 300 milhões de consumidores americanos. Para entrar nesse mercado, é preciso pagar mais tarifas ou fazer investimentos diretos no país. Em seguida, o acesso à tecnologia americana, que deve, também, ser paga por investimentos.
E terceiro, o dólar, com uma espécie de acordo tipo Plaza (pelo acordo de 1985 alguns países se comprometeram a intervir no mercado de câmbio para desvalorizar a moeda americana). Seria um “Acordo Mar-a-Lago” induzindo bancos centrais a vender dólar para baixar sua cotação, turbinar exportações dos EUA e reduzir o déficit.
Para Garelli, parceiros como China e Europa, embora sejam muito céticos, acabarão negociando, dependendo das condições oferecidas por Washington. Para a maior parte, talvez aceitem vender um pouco de suas reservas para o dólar não se apreciar muito e atenuar uma grande obsessão de Trump.
A etapa seguinte será sobre o sistema de defesa, na interpretação de Garelli sobre a estratégia de Trump. Para ter acesso à proteção militar americana, parceiros deveriam comprar títulos do Tesouro ilimitados com taxas de juros zero. Isso permitiria aos EUA financiar o sistema de segurança que ele coloca à disposição.
Para negociações, um problema é a imprevisibilidade e a falta de confiabilidade de Trump.
No momento, a equipe trumpista espera que, com o plano tarifário bem-executado para reduzir o déficit comercial americano, o governo terá dinheiro e poderá diminuir os impostos. Mas isso, diz Garelli, só funciona se a demanda mundial continuar a mesma, o que está longe de ser garantido.
Como nota o professor, o banho de sangue recente nos mercados financeiros ilustra o ceticismo de muitos investidores sobre a prometida “era de ouro” para os EUA. Em 1930, tarifas elevadas, como as de Trump, transformaram uma recessão em depressão e desordem que foi seguida por extremismo político e caminho para a guerra.
Após a Segunda Guerra Mundial foram cerca de 50 anos para se negociar corte efetivo de tarifas de importação em acordo global. Em uma canetada, Trump jogou tudo isso para o espaço. E quer fazer agora baixa de alíquota em discussões bilaterais intimidatórias. Os trumpistas não negociam; procuram impor, na base do pegar ou largar.
Para Garelli, a verdadeira pressão sobre Trump virá do interior dos EUA. Nota que alguns grandes CEOs começam a reagir ao tarifaço, considerado um pouco excessivo. E. Trump é também reputado por fazer reviravoltas de última hora em suas políticas.
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