Geralmente sisuda, principal meio da liderança chinesa para comunicar-se com o mundo, a agência estatal de notícias Xinhua, produziu um vídeo inteiramente dedicado à zoação das medidas de Trump. Começa com uma introdução dita em voz de desenho animado: “A hilariante lógica por trás das tarifas recíprocas dos EUA”. Em dois minutos, o vídeo demole com sarcasmo a fórmula que levou o governo americano a calcular as tarifas aplicadas sobre cada país, concluindo que até um estudante de escola primária faria melhor.
Wang Guan, conhecido apresentador da TV estatal que tem no currículo entrevistas com vários líderes mundiais, entre eles o presidente Lula, foi na mesma linha, questionando a competência dos responsáveis pelo tarifaço. “O homem que costumava levar cassinos à falência agora quer fazer o mesmo com o comércio global”, diz Wang em um vídeo publicado em sua conta pessoal. Para ele, o cálculo por trás da ofensiva tarifária de Trump “é uma estupidez”. Faz tanto sentido, afirma, quanto “dividir o valor de sua hipoteca pelo tamanho do seu sapato”.
Nas redes sociais chinesas, o tarifaço recebe milhões de visualizações e curtidas em vídeos que usam inteligência artificial para imaginar o futuro que aguarda os EUA se o país bloquear a importação de seus produtos mais populares, muitos deles produzidos na China. A cena fictícia é de americanos obesos e com ar deprimido na linha de montagem de fábricas da Apple, da Nike ou da Tesla, que no fim do vídeo acabam arruinadas por falta de mão de obra.
“Dia da Libertação, você nos prometeu as estrelas, mas as tarifas mataram os carros chineses baratos”, canta uma voz gerada por IA num vídeo produzido pela mídia oficial, em que consumidores americanos aparecem lutando contra a inflação e terminam com o prato vazio.
A tarefa dos chineses que se dispõem a caçoar de Trump é facilitada pela fartura de material de comediantes e influenciadores dos EUA como John Stewart achincalhando seu próprio presidente. Se fosse o oposto, seria quase impossível encontrar material cômico na China envolvendo a liderança do país e seus símbolos. Zombar do presidente ou outras figuras importantes é totalmente proibido, quem ousa fazê-lo, mesmo que de leve, paga um alto preço.
Em 2023 o comediante Li Haoshi foi preso depois de fazer piada durante um show de stand-up em Pequim sobre seus cachorros, em que citou um lema motivacional do Exército dito pelo presidente do país, Xi Jinping. A piada levou à prisão de Li e custou à empresa que o contratara multa de 14,7 milhões de yuans (algo em torno de R$ 12 milhões na cotação de hoje). “Jamais permitiremos que qualquer empresa ou indivíduo use a capital como palco para insultar a gloriosa imagem do Exército de Libertação do Povo”, rebateu o ministério da Cultura.
Embora hoje em dia na China Trump seja alvo sobretudo de chacota e desprezo nacionalista (ao menos em público), ele também atrai enorme interesse como fonte de entretenimento. Nesse sentido, um dos fenômenos atuais é Chen Rui, conhecido nas mídias sociais como o “Trump chinês” por sua imitação impecável do presidente americano. Com mais de um milhão de seguidores na China e cerca de 400 mil no Instagram, Ryan, como ele é chamado, posta vídeos diários, mas não sobre política. Usa o incrível talento de imitador para fazer vídeos do cotidiano, em que apresenta na voz de Trump sua cidade, Chongqing.
Outra polêmica com os EUA que incendiou as redes sociais chinesas e gerou uma onda de zombaria envolveu o vice de Trump, J.D. Vance. O estopim foi o comentário de Vance de que os EUA pegam “dinheiro emprestado de camponeses chineses para comprar coisas que esses camponeses fabricam”. Um porta-voz da diplomacia chinesa chamou o comentário de “lamentável, desrespeitoso e ignorante”. Internautas não deixaram escapar que Vance ficou conhecido graças ao livro de memórias de sua família de “caipiras”.
Em sua resposta à guerra comercial deflagrada por Trump, o governo chinês também recorreu a fogo amigo americano, postando um vídeo de um dos presidentes mais admirados pelos republicanos, Ronald Reagan. No discurso de 1987, Reagan faz uma crítica contundente à imposição de tarifas, afirmando que ela pode funcionar por um certo tempo, mas que no fim das contas é uma política suicida, que aniquila a prosperidade.
Durante a pandemia, começaram a circular nas redes sociais chinesas versões de antigas piadas russas críticas ao autoritarismo do período soviético, reaproveitadas para descrever situações absurdas criadas pela draconiana política de Covid zero. Reagan era conhecido por colecionar esse tipo de piada para contá-las em eventos públicos. Uma de suas favoritas era sobre uma conversa entre um americano e um russo, sobre liberdade de expressão.
“Um americano diz a um russo que os americanos têm liberdade de expressão e que ele poderia até ir à Casa Branca e gritar: Vá para o inferno, Ronald Reagan! O russo responde: Ah, nós também temos liberdade de expressão. Eu também posso ir ao Kremlin e gritar: "Vá para o inferno, Ronald Reagan!"
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