Seis meses atrás, ao revisar a obra, ele achava que ainda era possível seguir até o fim, pela legitimidade de Michel Temer. “Foi eleito”, argumentou ao repórter Mario Sergio Conti. “Vice-presidente, mas foi eleito. Muita gente pode não ter consciência disso, mas é legal. Pode-se discutir o impeachment [de Dilma] e tal, mas Temer é legítimo ali na Presidência.”
Há 11 dias, depois de o Tribunal Superior Eleitoral absolver Dilma e Temer por excesso de provas em processo sobre crimes de abuso de poder econômico na eleição de 2014, Fernando Henrique registrou em nota à Agência Lupa: “Se tudo continuar como está, com a desconstrução contínua da autoridade [de Temer], pior ainda se houver tentativas de embaraçar as investigações em curso, não vejo mais como o PSDB possa continuar no governo. Preferiria atravessar a pinguela, mas, se ela continuar quebrando, será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular.”
Ontem, em artigo, notou que se desfazem “o apoio da sociedade” e o “consentimento popular ao governo”. Lembrou que esse aumento da “descrença popular” ocorre numa circunstância de esgotamento dos meios constitucionais para mudança de governo, e Temer, “ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário”.
Propôs uma saída honrosa: “O presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, emenda à Constituição que abra espaço para as modificações.”
Passaram-se apenas 15 meses desde o impeachment de Dilma, e, agora, o país está diante de uma inédita situação — a insustentável permanência de um presidente denunciado por corrupção no exercício da função. O enredo singular demonstra como é praticamente impossível aos melhores ficcionistas competir com a realidade política.
Se há um componente peculiar na cena brasileira, é o fracasso das gerações que ascenderam na política no ocaso da ditadura militar, dominaram o poder a partir da Constituinte de 1987, e só admitiram a renovação partidária oligárquica (49% dos deputados federais eleitos em 2014 tinham berço em dinastias políticas, segundo a ONG Transparência Brasil).
Da gênese à agonia, o governo Temer contém uma síntese desse histórico fiasco geracional. Conservadores, liberais e ex-comunistas, todos se mostraram incapazes de reconstruir as bases institucionais do país em harmonia com o capitalismo contemporâneo. O legado está aí: uma pinguela em ruína em direção à absoluta incerteza.
José Casado
Nenhum comentário:
Postar um comentário