Com aspecto de mauricinho do Itaim Bibi (São Paulo) ou do Leblon (Rio), poderia passar por bom moço, daqueles criados por avó. Mas atua como vilão de gibi. A caneta é a principal arma que usa para derrubar florestas, matar animais, dizimar povos indígenas. Mas, quando abre a boca, também avaliza e terceiriza a destruição. Ele não precisa se gabar da comparação, mas o sangue frio com que desempenha suas tarefas remete ao conceito “banalidade do mal”, criado pela filósofa Hannah Arendt para mostrar como o dia a dia do horror nazista era tocado por burocratas. Salles, porém, tem certo orgulho do que faz. É um pústula vaidoso.
Na semana que passou, ele lustrou um pouco mais sua biografia de vilão. À frente do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), revogou duas resoluções (302 e 303) que protegiam áreas de restingas e manguezais, biomas ricos em biodiversidade. Isso só foi possível porque, em maio de 2019, o governo arrasou o Conama, reduzindo o número de conselheiros de 96 para 23 e fazendo do órgão um cumpridor de ordens.
E a quem o governo serve? Madeireiros, garimpeiros, grileiros, construtores irregulares, lobistas de cassinos... Os principais clientes dos atos contra restingas e manguezais foram os interessados em erguer condomínios e hotéis nessas áreas e nas próximas a reservatórios de águas. É o esquema Milícia Imóveis, que a família Bolsonaro conhece bem da Zona Oeste carioca, transformado em política federal.
A juíza federal Maria Amelia Almeida Senos de Carvalho suspendeu as revogações. Mas na sexta (2) o desembargador Marcelo Pereira da Silva derrubou a liminar da juíza. Escreveu que não vê danos ao meio ambiente nas decisões do Conama.
Salles não peca pela omissão. Desde o início do governo, vem desmontando as redes de combate a crimes ambientais. Agora que Ibama e ICMBio estão em frangalhos, ameaça fundir os dois, embaralhando (e dificultando) suas missões. Confraterniza com a ala mais selvagem do agronegócio, como os pecuaristas que tocam fogo na Amazônia e no Pantanal. Anistia desmatadores. É íntimo de garimpeiros, tendo carregado alguns para Brasília num avião da Força Aérea Brasileira.
Homem de palavra, está levando a cabo o que disse na reunião ministerial de 22 de abril: a pandemia era a janela de oportunidade para fazer “passar a boiada”, as alterações nas regras ambientais para que o imoral vire legal. Na reunião do Conama ele tocou o gado.
Já se fala – de novo, pois Bolsonaro pensou nisso antes de tomar posse – em fazer do Meio Ambiente uma subpasta da Agricultura. Seria uma tentativa de malocar as maldades do governo na área, sinalizando para o mundo que as decisões não estão nas mãos de piromaníacos como Salles, mas nas da ministra Tereza Cristina e dos (sempre eles) militares. Sonha-se, portanto, com mais mentiras, como as que o presidente e o vice Hamilton Mourão dizem com frequência, arrotando “tolerância zero” e duvidando de satélites e cientistas.
Talvez não exista vilania grátis. Salles é investigado por enriquecimento ilícito durante o período em que foi secretário no governo de Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo. Ele, que informara um patrimônio de R$ 1,4 milhão em 2012, declarou em 2018 ter R$ 8,8 milhões. O Ministério Público quer entender de que forma se deu tamanha prosperidade. Como dito, trata-se de alguém que faz as coisas acontecerem com rapidez.
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