domingo, 23 de abril de 2017

Tristeza e alegria

Parece que, quanto mais se aprofunda na descoberta de “outro mundo selvagem e corrupto” atrás daquele oficial da política bem-comportada, mais os ânimos brasileiros se entusiasmam. Não de todos, mas quem tem um olho em terra de cegos enxerga que, com a demolição do império do mal, disfarçado nos colarinhos brancos e nas gravatas coloridas, um novo sistema pode e deve surgir. Erguer-se-á das cinzas de Sodoma e Gomorra para despertar o impávido colosso, gigante adormecido em berço esplêndido, que desde sempre anseia com ordem alcançar um progresso que lhe foi profetizado. E, se o papa é argentino, ao se assistir aos jornais nacionais, confirma-se que Deus é mesmo brasileiro.

Se faz mal ouvir e ver Marcelo Odebrecht explicar uma verdade que parecia destinada aos túmulos dos cemitérios, ao mesmo tempo mostra uma luz no fim do túnel.

Como o Mestre disse: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Para os delatores, a verdade franqueia uma vida fora das grades de Curitiba, mas, para o povo, as delações representam a demolição da ruína de um sistema perverso, permitindo que dos escombros possa surgir outro, civilizado e sustentável.


A corrupção, presume-se, não terá por um bom tempo mais tapete estendido, não será mais a intransponível fórmula de relação do público com o privado. Vale lembrar que das revelações o marco histórico da corrupção coincide com o início das Operações Estruturadas, em 2003, exigindo o 16º andar inteiro do prédio-sede da Odebrecht em São Paulo. Com três diretores e dezenas de auxiliares distribuídos em vários países, possibilitando movimentação de bilhões de dólares, sem qualquer restrição ou investigação ao longo de 12 anos, ou até a Lava Jato prender o presidente da empreiteira.

Lamenta-se que o mesmo Coaf e outros órgãos federais com acesso às movimentações financeiras de todo o país – o mesmo Coaf que foi capaz de detectar e denunciar formiguinhas como o caseiro da chácara da corrupção frequentada por Antonio Palocci – não tenham visto nada de atípico nas dezenas de bilhões movimentadas pela Odebrecht entre 2003 e 2015. Em 12 anos não enxergaram nada de irregular. Não só na Odebrecht, mas nas dezenas de empreiteiras que “a cada milhão de propina ganhavam outros quatro”, como declarado pelos delatores. Nesse contexto as obras eram apenas pretexto.

O frenesi na orgia do ganho fácil se multiplicou exponencialmente, fugiu do controle, tomando conta de tudo que estava ao alcance. E pensar que nem mesmo com esse rio amazônico de dinheiro alguns beneficiados eram capazes de cuidar de suas despesas caseiras e colocavam nas contas das empreiteiras até pedalinhos com cabeça de cisne.

Embriagados pela overdose de poder, entraram num choque de realidade com a verdade surgindo, nua e crua, indefensável. As investigações que se seguirão confirmarão, provavelmente, quase tudo. A Odebrecht tem memórias e registros contábeis do que se passou com os bilhões distribuídos.

Embora sinta-se neste momento a tristeza deixada pelo estrago, a alegria começa a tomar conta de quem vê nesse processo um momento libertador de um sistema monstruoso que distorceu o Brasil e o mergulhou numa crise das mais graves do planeta. Além da Odebrecht, outras empresas e ainda o setor financeiro (os bancos) que se alimentavam do Brasil seguirão o mesmo caminho da delação.

O final será um sistema depurado. Disso um novo Brasil pode nascer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário