Dos 27 tribunais de contas dos estados, há investigações por corrupção em vinte. Cerca de 80% de todos os conselheiros atualmente no cargo são políticos, ou parentes de políticos, ou indicados por políticos. Por lei, quem nomeia os sete membros de cada TCE é o governador do estado, cujas contas vão ser fiscalizadas por eles; o mesmo governador tem ainda o direito de escolher um dos sete, e a Assembleia Legislativa, outros quatro. Sobram dois para representar o papel de “técnicos”. Descobriu-se, na recente e tumultuada operação sobre corrupção nos frigoríficos, que a maioria dos chefões que mandam nas áreas de vigilância do Ministério da Agricultura também é nomeada por políticos ─ não entendem nada de segurança sanitária, mas entendem tudo de multas e de fiscais. Roubou-se tanto nos Correios, nos últimos anos, que o governo não tem mais dinheiro para manter as suas operações; é um caso raro de monopólio que vai à falência. E o resto da ladroagem? Fundos de pensão das empresas estatais? Petrobras? Tudo que acaba em “bras”?
O que está dito aí acima, como se vê, é um balanço resumidíssimo do Brasil de hoje. Um balanço mais robusto exigiria, provavelmente, a prosa de um ministro do Tribunal Superior Eleitoral, como aquele que ainda outro dia escreveu 1 032 páginas para dizer se houve alguma coisa errada nas doações de dinheiro para a chapa vencedora das eleições presidenciais de 2014. É algo claramente acima das capacidades desta revista ─ e além dos limites de tolerância dos seus leitores. Fique-se, portanto, no resumo do resumo.
E, diante dessa situação de calamidade permanente, universal e progressiva, qual é a proposta que os políticos, partidos e outros donos do Brasil apresentam para curar as doenças atuais do país? Querem dar mais dinheiro público aos políticos. Parece um insulto, e é um insulto. Também é um esforço em favor do que a Justiça chama de “crime continuado”. Não existe, como sabe uma criança com 10 anos, absolutamente nenhuma razão para justificar uma coisa dessas; é impossível, de qualquer ponto de vista lógico, citar um único benefício que qualquer cidadão brasileiro poderia obter com o “financiamento público” da campanha eleitoral, como se apresenta essa aberração – salvo os próprios políticos, é claro. Bem poucos, entre todos eles, estão hoje (e estarão muito menos amanhã) a uma distância segura do camburão da Polícia Federal. O resultado é que estão obcecados por Curitiba, Bangu, Papuda e outros locais “premium” do sistema penitenciário nacional ─ e acham que a melhor maneira de não acabar indo para lá é meter ainda mais a mão no Erário, enquanto estão soltos, para ver se conseguem eleger-se no ano que vem e manter o direito à impunidade que a “imunidade parlamentar” lhes assegura. É isso. O resto é hipocrisia com teor de pureza de 100%.
Temos, assim, que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal preparam uma extorsão legal para obrigar o contribuinte a tirar do bolso 4 bilhões de reais, nos cálculos mais modestos, e entregar esse dinheiro aos candidatos às eleições de 2018. Como as doações das empresas estão legalmente proibidas, os políticos querem que a população pague diretamente as despesas das suas campanhas eleitorais. É o “financiamento público da campanha”. No mundo da conversa, essa sempre foi uma tese sagrada do PT e dos partidos de “esquerda”; pagar os custos dos candidatos com dinheiro do Erário evitaria, imaginem só, a “influência do poder econômico” nas eleições brasileiras. No mundo das coisas práticas, essas piedosas considerações jamais impediram o PT e o seu entorno de ser os maiores tomadores de dinheiro privado (empreiteiras de obras, bancos, grandes grupos, “campeões nacionais” etc.) nas épocas de eleição e adjacências. Para ficar no exemplo mais recente, a funesta eleição presidencial de 2014, a candidata oficial, Dilma Rousseff, foi capaz de gastar 300 milhões de reais em sua campanha. Cabe na cabeça de alguém que um candidato precise gastar 300 milhões para se eleger?
Os demais partidos e políticos, naturalmente, não poderiam estar mais de acordo com o PT e aliados nesse assunto ─ nada como um cofre público aberto para unir esquerda e direita no Brasil. Na verdade, todos já estavam de olho na massa, com ou sem proibição das “doações particulares”; mais dinheiro “do governo” é um sonho permanente. Mas agora o financiamento público virou necessidade de sobrevivência para a classe política. Em muitos casos, é a parte mais importante na busca do habeas-corpus preventivo que, acima de qualquer outra coisa, um mandato parlamentar passou a significar no Brasil de hoje. Pelos planos em discussão, o público será chamado a pagar ─ além do “fundo partidário” e da compensação dada às empresas de comunicação por causa do horário eleitoral obrigatório, gastos que já paga ─ um outro fundo, novo em folha, que servirá exclusivamente para as eleições. E fazer campanhas mais baratas? É a única solução que todos consideram “impossível”. O resultado final é o seguinte: o contribuinte, que já é roubado nos leitos hospitalares, nos esgotos, na segurança e em todos os demais serviços públicos que paga e não recebe, será roubado agora para pagar as despesas dos políticos que o roubam. Para piorar de vez, querem impor a votação em “lista fechada” – uma trapaça pela qual os votos não serão mais dados a um candidato escolhido pelo eleitor, mas a um bloco de políticos que cada partido terá o direito de nomear. Imaginem-se os gigantes que vão parar nas tais listas – sim, são esses mesmos em que o leitor está pensando.
É a nossa grande “reforma política”.
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