O prazo final está à vista: 2 de outubro. Se nada for feito para mudar as regras das eleições até aquela data, a sociedade assistirá à maior reversão de expectativas dos últimos tempos. As razões são conhecidas: a política chegou ao fundo do poço. O eleitor dá as costas para a representação popular.
Um oceano de denúncias escancara as cataratas da corrupção. Bilhões, aqui, bilhões, acolá, com os Odebrecht relatando (e delatando), de maneira natural, como o Estado foi comprado e a propina era desviada, ou como a gestão do crime ganhou a pomposa nomenclatura de “departamento de operações estruturadas”.
Ante a radiografia da metástase, o eleitor espera divisar um novo horizonte, onde possa enxergar um país mais ético e menos imoral.
Esse horizonte só pode ser aberto com uma reforma política.
Há quem veja nela – e não são poucos – a panacéia para as mazelas da República. Afinal de contas, o voto distrital (misto, puro), o voto em lista, o final das coligações proporcionais e a cláusula de barreira, por si só, não melhorarão a qualidade da representação popular. Se forem considerados, isoladamente, esses fatores darão mínima contribuição.
A questão maior diz respeito aos costumes tradicionais da política: o grupismo e o familismo, o mandonismo dos caciques regionais, o retalhamento dos espaços da administração pública, os recursos do Estado surrupiados de maneira escandalosa, a pasteurização partidária.
A cláusula de barreira, é claro, ao proibir a formação de siglas sem expressão eleitoral, pode até conferir densidade doutrinária a quatro ou cinco grandes entes. Sozinha, porém, não será remédio eficaz para a moralização política.
A relação de causa e efeito na padronagem política não pode ser avaliada a partir de medidas pontuais e casuísticas, como parecem se configurar algumas ideias que balizam a Reforma Política.
O fato é que o tempo corre e as grandes questões do sistema político possuem uma raiz cultural. E, como se sabe, não se muda cultura por decreto, com imposição.
O fisiologismo, por exemplo, alimento predileto dos políticos, está fincado nas raízes mais profundas do que podemos chamar de modelo latino-americano de fazer política.
A lógica do modelo faz prevalecer o interesse individual sobre o ideal coletivo. Nesse caso, a política passa a ser um empreendimento do círculo de negócios. E a administração pública mais lembra a extensão do mandonismo feudal das velhas capitanias hereditárias.
Daí a conclusão de que a nossa modelagem democrática exibe feição de Primeiro Mundo, ao acolher o ideário da liberdade, da justiça, dos preceitos constitucionais e dos direitos individuais e sociais, mas, na prática, tem a índole do Terceiro Mundo.
Analisemos a representação política.
Costuma-se afirmar que o Congresso Nacional é o retrato apurado da comunidade nacional. Se os parlamentares tomam decisões erradas ou não dignificam o mandato, a culpa acaba sendo atribuída às massas que não sabem votar. Ora, isso é uma inverdade.
O que tem ocorrido é um deslizamento da democracia direta, a que é exercida pelo povo quando elege os representantes, por um complô organizado por interesses nem sempre consoantes com a vontade do eleitor. Afinal, não foi o eleitor que abriu os dutos da Petrobras ou autorizou os assaltos ao trem pagador do Estado.
Assim, os governos acabam sendo produto de acordos, barganhas e intermediações, deixando de refletir os resultados das urnas.
Os grupos de interesse, que se multiplicam por todos as esferas, assumem o lugar dos indivíduos como protagonistas da vida política.
O conceito de democracia ampliada da sociedade moderna é substituído pela prática da democracia restritiva, que se distancia do povo.
Não é sem razão, pois, que se acusa a democracia brasileira de estar esvaziada de conteúdo social.
Fechando o espetáculo de desvios e contrafações, vemos a formação da tríade que invadiu os espaços da administração pública: governantes/dirigentes de estatais, núcleos/partidos políticos e grupos de negócios privados.
O poder se concentra em protagonistas desses três territórios.
Por que a perversão prosperou?
Causas: a imensa tutela do Estado brasileiro, que acolhe os corpos da política e dos negócios; a força imperial do presidencialismo; a repartição da estrutura do Estado; o arrefecimento da força do Parlamento, que se torna refém do Executivo; a ausência de critérios racionais e de mérito na ocupação dos cargos públicos; o patrimonialismo, responsável pela apropriação da res publica pelo negócio privado.
Dentro dessa moldura, pontos isolados de uma reforma política poderão ser inconsequentes.
O governo Temer se desdobra para fazer as reformas essenciais para a retomada do desenvolvimento. Mas há grupos que resistem. Como em um cabo de guerra, há uma turma que puxa o cabo para os desvãos do passado.
As resistências às reformas são lideradas pelas corporações de ofício, que vivem às custas do Estado. As Centrais Sindicais, por exemplo. Com exceção de uma ou outra, querem a continuidade do imposto sindical obrigatório. Ou o Ministério Público do Trabalho, contrário a qualquer reforma na legislação trabalhista. Para esse grupo, quanto mais litígio na sociedade, mais poder terá a Justiça do Trabalho.
Em 2015, 1,2 milhão de processos correu pelas vias do Judiciário.
Em suma, reformar a cultura política significa reformar o cidadão. Cidadãos mais exigentes, cultos e preparados serão o oxigênio para a gestão mais racional de nossa democracia.
Até chegarmos a esse estágio civilizatório, teremos de conviver com partidos do faz de conta, administrações que mais se assemelham às capitanias hereditárias, tensões políticas constantes, justiça lenta e contingentes apinhados no balcão político das trocas.
Volto à questão do início deste artigo: o que fazer até 2 de outubro próximo para acenar às massas com algum pingo de esperança? Que o leitor tire suas conclusões.
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