Por mais esperada que fosse, a divulgação do real teor das delações dos executivos da Odebrecht deixou a opinião pública estupefata, horrorizada com a desfaçatez com que, por anos e anos, a cúpula política do país foi tão escandalosamente subornada.
Levará algum tempo até que o sentimento de indignação e perplexidade, que perpassa todos os segmentos da sociedade, possa ser canalizado para a superação do gigantesco desafio de reconstrução do sistema político que o país tem pela frente. E, no entanto, com a opinião pública ainda mal refeita do seu estado de choque, já se ouvem críticas à suposta reação exagerada da mídia aos fatos que as delações trouxeram à luz.
Para relativizar a importância do que foi revelado e tentar vender a ideia de que os danos não são tão sérios como tem sido propalado, já houve quem se apressasse em brandir, como evidência inequívoca dos exageros da mídia, que “só” 30% dos senadores, 45% dos governadores e 8% dos deputados federais foram, por enquanto, objeto de pedidos de inquérito!
Não bastasse a contundência desses percentuais, é bom lembrar que a lista completa inclui oito ministros de Estado, os presidentes do Senado e da Câmara, boa parte dos senadores mais proeminentes do país, parcela substancial das cúpulas dos maiores partidos, quatro dos principais pré-candidatos a presidente em 2018 e os governadores dos três maiores estados da Federação. Para não falar de vários ex-presidentes da República.
Não chega a bom destino quem não sabe de onde parte. Para que possa superar as colossais dificuldades políticas que vieram à tona com a divulgação das delações, é importante — e salutar — que o país consiga perceber, com toda a nitidez possível, as reais proporções do problema, sem se deixar levar pelo ilusionismo de visões escapistas.
Enxergar o problema como ele é, com a gravidade que lhe é inerente, não impede que se entenda que sua solução terá de ser eminentemente política. Quanto a isso não há o que se discutir. Inclusive porque não há outra solução possível.
Fácil não será. O que se teme é que um sistema político tão enfermo e disfuncional não consiga se reformar e assegurar bases sólidas para sua paulatina renovação. O temor não é infundado. Mas afigura-se bem menos preocupante do que aparenta ser, quando visto da perspectiva adequada.
É preciso ter em conta que, independentemente do que venha a ser a reação do Congresso e da classe política de uma forma geral, o país já mudou. E muito. Na esteira da Lava-Jato e operações similares, o Brasil passou por mudanças profundas. E não voltará a ser o que era.
Relações entre empresas e o governo mudaram de vez. Órgãos de controle mais atuantes, Justiça mais célere, mídia cada vez mais vigilante e opinião pública em estado permanente de alerta impedem, hoje, que o grau de promiscuidade revelado nas dantescas delações da Odebrecht volte a ser observado no futuro.
Em todos os níveis de governo, as relações entre empresários e agentes públicos passou a ser pautada, de lado a lado, por muito menos disposição a assumir riscos. A corrupção tornou-se incomparavelmente mais arriscada. E isso está fadado a ter desdobramentos de grande importância nas disputas eleitorais.
Ao mesmo tempo, a cabeça de boa parte dos eleitores também parece ter mudado. A intolerância com a corrupção tornou-se muito maior do que jamais foi.
É contra o pano de fundo dessa nova realidade que se deve avaliar em que medida o clamor por renovação da representação política encontrará espaço para se manifestar nas eleições de 2018.
É natural que parlamentares acossados pela Lava-Jato tentem “fazer o diabo” para assegurar a reeleição que lhes garantirá a manutenção da prerrogativa de foro especial. E é até possível que, com isso, consigam retardar, em alguma medida, a renovação da representação política que hoje se faz necessária. Mas não conseguirão detê-la. O avanço dessa renovação tornou-se inexorável. O País mudou.
Rogério Furquim Werneck
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