Certa vez escrevi que a vida de uma barata não valia nada no Brasil. Em pânico, sem ter para onde fugir, elas estavam morrendo em massa por uma campanha de dedetização então em curso por algum governo. De Jair Bolsonaro em diante, a frase precisa ser outra: o que não vale nada é a vida do brasileiro.
Diante de uma pandemia que acabara de surgir e já assombrava o mundo, Bolsonaro classificou-a como uma "gripezinha", que pouparia quem tivesse "histórico de atleta" e só mataria os velhos, o que, segundo ele, não era nada demais. Nos meses seguintes, à medida que a peste se espalhava e o Brasil enterrava pais e avós, Bolsonaro continuou a fomentá-la, exibindo-se sem máscara, promovendo aglomerações e debochando dos mortos e de suas famílias.
Em seguida, saiu à praça como camelô da cloroquina, droga tão eficaz no tratamento precoce da doença quanto no da ejaculação precoce. Obrigou o Exército a fabricá-la e médicos e hospitais a prescrevê-la, o que resultou em ainda mais mortes, agora também de nossos filhos e netos. Não satisfeito, Bolsonaro desdenhou das vacinas, sabotou sua importação e suspendeu compras. Muitos que estariam hoje se beneficiando delas já foram para o cemitério.
Bolsonaro pôde fazer o que quis porque, livre dos profissionais que tentavam impor as medidas adequadas, escalou como ministro cenográfico um palhaço de farda, Eduardo Pazuello, pronto a trocar a chefia da faxina de um quartel pela de executor de uma política de extermínio.
Nunca uma CPI teve tantos e tão bem documentados crimes a investigar. Afinal, tudo o que Bolsonaro, Pazuello e seus asseclas disseram e fizeram foi gravado —até por eles mesmos, certos da impunidade. Trataram os brasileiros como se fôssemos baratas, mas, agora, num surto de covardia que só não causa mais repugnância porque esperado, quem busca buracos para se esconder, como baratas em pânico, são eles.
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