sábado, 10 de abril de 2021

Tiro pela culatra

Está mal direcionado o esforço para responder à questão: ‘Quais são as características do establishment militar de uma nova nação que facilitam o envolvimento militar na política doméstica?’. A questão está confusa, porque as causas mais importantes da intervenção militar na política não são militares, mas políticas. Refletem não as características sociais e organizacionais do establishment militar, mas as estruturas políticas e institucionais da sociedade.” Estas sábias palavras são do finado cientista político Samuel Huntington.

O fato é que desde 1985 os militares deixaram o governo, mas não o poder. Um excessivo número de prerrogativas militares continua em vigor, assim como enclaves autoritários passeiam pela Constituição Federal. Destaque para o artigo 142.

Sempre bom lembrar que os constituintes resolveram abolir o dispositivo, mas o então general Leônidas Gonçalves afirmou que suspenderia o processo constituinte caso isto acontecesse. Os civis se curvaram, e o artigo foi mantido.

O artigo 142 é ambíguo e pode ser interpretado de modos distintos, de acordo com os interesses dos atores envolvidos. A raiz do problema é saber quem define o que é ordem e que tipo de lei, ordinária ou constitucional, as Forças Armadas devem defender.

Em suma, o artigo permite o golpe de Estado constitucional. Um oximoro. Por isso mesmo, nenhuma democracia que se preze o insculpiu em seu texto constitucional.


Não é por acaso que tal artigo vem sendo, comumente, lembrado ao logo do governo Bolsonaro. O presidente sondou, no ano passado, o Exército sobre a possibilidade de fechar o STF usando o artigo 142 como bandeira. Segundo relato da imprensa, sua proposta foi rejeitada pelo Alto-Comando do Exército. Desde então, sua relação com o general Pujol não teria sido mais a mesma.

Bolsonaro já afirmara que o Exército era a “âncora do seu governo”. Nenhuma autoridade civil o contestou. Era uma aposta de que os interesses da instituição — Forças Armadas — convergiriam com os do governo. Bolsonaro nomeou vários militares para o aparelho de Estado nas suas mais diversas esferas de poder. E distribuiu benesses salariais, previdenciárias e orçamentárias. Com anuência do Congresso. A Casa Civil virou uma espécie de Casa Militar.

A política, todavia, tem sua própria dinâmica. E o governo Bolsonaro está enfrentando uma séria crise econômica, social, humanitária e política. Grupos civis subvertem uns aos outros, o STF viola a Constituição, e compromissos não são respeitados.

A crise entra no Palácio do Planalto grande e sai, muitas vezes, maior ainda. As pesquisas de opinião pública já detectaram isto.

Embora a culpa não seja só dele, a população jogará, majoritariamente, a conta dos mortos na pandemia no colo do presidente. Sua reeleição já não é mais fava contada.

Acuado, o presidente jogou uma cartada cujas consequências nem ele esperava. Afastou o ministro da Defesa e com ele os três comandantes militares de uma só vez. Algo inédito na história republicana. Queria maior apoio castrense para suas medidas políticas. Só que os interesses das Forças Armadas não mais convergem, necessariamente, com os do governo. O Exército quer ser âncora dele mesmo.

A nomeação do novo comandante militar do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, é uma derrota para Bolsonaro. Não era o nome de sua preferência.

Quando responsável pelo setor de recursos humanos do Exército, o general deu entrevista dizendo acreditar que em dois meses haverá a terceira onda da Covid.

Em entrevista, ressaltou que a taxa de mortalidade na instituição é de 0,13%, bem abaixo do índice de 2,5% da população em geral. E é a favor do distanciamento social e do uso de máscara, bem como de higienização das mãos. Todas as cerimônias militares foram suspensas nos quartéis. Esta entrevista irritou Bolsonaro.

Mesmo assim, Nogueira é o novo comandante do Exército. Uma clara mensagem do Alto-Comando do Exército ao presidente da República: as linhas entre a instituição e o governo foram demarcadas. O presidente entendeu o recado.

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