domingo, 22 de janeiro de 2017

O inventor do mentirômetro

Mentir faz parte da existência humana desde o começo dos tempos. Há os que dizem que nunca mentem... Mas não têm como comprovar, o que é uma grande injustiça. Álvaro era uma dessas pessoas. Severo, rígido, extremamente religioso. De uma organização impecável, perfeccionista. Sua mania de limpeza chegava a extremos de levar em uma mochila seu próprio copo, talher e desinfetantes para banheiros públicos - quando usava, o que era raro, pois desenvolveu técnica para ficar até 18 horas sem urinar.

Tímido, excêntrico ou “esquisitão”, diziam os colegas. Nota “A” de cabo a rabo. Odiava falar em público e irritava-se com o português arcaico dos colegas (do tipo “nós vai”, “a gente chegavam” ou até o popular “veio”). Falava quatro idiomas e inglês com sotaque britânico.

Cresceu, fez PhD em psicologia experimental, em Montreal, no Canadá. Estudou as áreas cerebrais ligadas ao ato de mentir. Foi a fundo no tal de “detector de mentiras” que os norte-americanos adoram. Provou, com trabalhos publicados nas melhores revistas cientificas, a imprecisão e as falhas do detector.

Resultado de imagem para lula e o detector de mentiras

Os seus colegas brincavam dizendo que ele, como bom brasileiro, tinha desenvolvido suas teses sobre detector de mentira ao assistir presidentes da República fazendo pronunciamentos na TV: “Brasileiros e brasileiras...” ou “Nunca roubei, nunca traí minha mulher, nem recebi nada que a “Veja” publicou...” ou, pior, “Nunca antes na história desse país...” e “Sempre fizemos o que todos fazem: o inocente caixa dois”.

Era tanto olho revirando para cima, “cara de pau” e músculos faciais inflexíveis, bigodes e barbas sem mexer um fio, que o dr. Álvaro dizia: “Não há detector de mentira que dê conta de político brasileiro!”

Sua tese era simples: o que é verdade é algo que a cognição, a memória, traz naturalmente, não exige esforço, é espontâneo. E as áreas do cérebro agem de forma integrada simples assim: um fato foi fixado, depois armazenado e, quando alguém pergunta sobre ele, é evocado, lembrado ou é algo reflexo: estímulo-resposta. Exemplo: “Meu vestido é bonito?”. “Não”.

No entanto, a humanidade vai sendo treinada para agradar, falar o que o outro quer ouvir, puxar o saco, querer ser mais do que é, impressionar. Aí a coisa pega. Falamos o que não pensamos, expressamos o que não sentimos, fazemos o que não queremos só para obter vantagens e não ficar mal com o outro. Dr. Álvaro pegou esse fato, “os conflitos intrapsíquicos”, e viu que, quando “sim” vira “não” e vice-versa, há grande alteração das áreas cerebrais envolvidos nisso. Os que dizem a verdade ativam partes absolutamente distintas dos que mentem. E mais: mentir é muito mais complexo, pois o mentiroso “cria histórias imaginárias, fantasias” e quase escreve um romance todo o tempo para camuflar a verdade anos e anos.

Todos queriam ver o aparelho que o dr. Álvaro criaria a partir daí: o “mentirômetro”. Capaz de detectar desde infidelidade conjugal, desvio de dinheiro nas empresas, fofocas banais de artistas nas revistas, até traidores da CIA, FBI, hackers, filhos que usam drogas, enfim, o fim do fingimento.
A hora da verdade! Foi chamado para entrevista no programa da “Oprah”. Recorde de audiência, até que... A Universidade de Montreal convoca a imprensa. O professor dr. Álvaro era um impostor. Seu aparelho era uma farsa, e ele foi expulso da instituição.

Uma guerra nas redes sociais e programas de todo mundo: especulações, mentiras, fofocas. Ora estava preso em Guantánamo ou confinado pela CIA e FBI, ora era realmente um charlatão. Suas patentes canceladas tinham ido parar no serviço secreto inglês ou israelense. Era membro da Al-Qaeda.

No fim, ninguém sabia mais o que era verdade ou mentira, apenas que, graças a Deus, o tal do “mentirômetro” não seria usado. Ufa! Traidores, corruptos, políticos, puxa-sacos, enfim, todo mundo, principalmente os advogados, de mensaleiros estavam a salvo! Afinal, a realidade não é mesmo uma grande ilusão e mentira?!

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