Em julho de 2010, deslumbrado com pesquisas que conferiam ao presidente da República o título de campeão mundial de popularidade, Luis Fernando Verissimo tornou a mostrar-se um mestre na arte de escrever de joelhos. “Acho que os historiadores do futuro terão dificuldade em entender o contraste entre essa quase unânime reprovação do Lula pela grande imprensa e sua também descomunal aprovação popular”, agachou-se. “O que vai se desgastar com isto é a ideia da grande imprensa como formadora de opinião”.
Passados pouco mais de seis anos, a profecia soprada pela sabujice tem a mesma consistência que um cálculo de Gui Mantega, um pronunciamento de Marisa Letícia ou um falatório em dilmês castiço. O que os historiadores do futuro terão dificuldade em entender é o contraste entre a quase unânime vassalagem prestada a Lula por “intelectuais e artistas” e a também descomunal reprovação dos brasileiros ao chefe do maior esquema corrupto da história.
O que vai se desgastar com isso é a ideia de que todo escritor profissional é capaz de identificar um analfabeto funcional disfarçado de guia genial dos povos. O mais bisonho dos inscritos no Enem ficará espantado se souber que Lula produziu três manuscritos em 70 anos. E qualquer reprovado com louvor na prova de redação se imaginará uma sumidade em português depois de apresentado ao conteúdo dos documentos que denunciam um foragido do sistema de ensino.
Nos oito anos em que governou o Brasil, o estadista de cabaré que acha leitura pior que exercício em esteira escreveu exatamente 19 palavras, agrupadas na folha de papel que se vê abaixo. Confira o segundo manuscrito do inimigo jurado de vogais e consoantes, desenhado em dezembro de 2005:
As anotações no pedaço de papel publicado na primeira página do Globo se dividem em dois tópicos. O primeiro é um lembrete: “Tem demandas do Conselho que precisa ser discutido”. (Não é fácil juntar numa só frase um verbo inadequado, um erro de concordância e dois assassinatos do plural. Lula conseguiu). O item 2 informa que o chefe de governo acabou de receber uma notícia boa (“Pnad”) e duas ruins: “PIB – Zé Dirceu”. Os dedos de Lula encobrem parcialmente o nome do companheiro despejado meses antes da chefia da Casa Civil.
O terceiro manuscrito demoraria mais de cinco anos para ser rabiscado: a preciosidade só se materializou em 28 de janeiro de 2011, no auditório da Universidade Federal de Viçosa, interior de Minas Gerais. Depois de entregar o título de doutor honoris causa ao ex-presidente que nunca leu um livro nem aprendeu a escrever, a reitora Nilda Soares convidou-o a desenhar o nome no Livro de Ouro que registra a passagem de visitantes ilustres. Por achar que uma assinatura era pouco para um doutor, Lula retribuiu a homenagem com o documento histórico acima reproduzido. Segue-se a transcrição, sem correções nem retoques:
“Para os amigos e amigas da UFV com agradecimento pelo trabalho prestado ao povo brasileiro com educação de qualidade, garantindo ao povo brasileiro a certeza de bons profissionais para atender o desenvolvimento do nosso querido Brasil. Abraços do amigo Lula. Sem medo de ser feliz”.
Abstraídos o buquê de redundâncias, as vírgulas guilhotinadas e a profundidade da mensagem (tão rasa que, na imagem de Nelson Rodrigues, uma formiga poderia atravessá-la com água pelas canelas), a platitude parida com 45 palavras eleva-se à categoria de texto literário se confrontada com o manuscrito de estreia, abaixo reproduzido: “Ao querido Dogival com a esperança que em um futuro bem proximo possa compreender a nossa luta. Abraço do titio Lula. Cubatão 07/11/81″
Ao rabiscar as 22 palavras, Lula fez mais que cumprimentar o sobrinho aniversariante. Também fuzilou uma preposição, degolou três vírgulas, demitiu um acento agudo e confirmou que quem foge da escola tem letra de calouro de curso de alfabetização. Não é pouca coisa — mas não é tudo: como os outros dois, o manuscrito parido em Cubatão é uma ararinha-azul da caligrafia, uma preciosidade que nos leilões do futuro será disputada a socos e pontapés por colecionadores de raridades.
Tomara que Dogival tenha guardado o pedaço de papel. É provável que ele se sinta injustiçado ao saber que o tio andou fazendo para ajudar o primo Taiguara Rodrigues. Com o patrocínio da Odebrecht, o camelô de empreiteira transformou um instalador de vidraças em empresário internacional e, com meia dúzia de negociatas, fez do sobrinho pobretão um milionário. É improvável que Dogival vá tão longe quanto Taiguara. Mas a venda do manuscrito só não lhe garantirá uma velhice sem preocupações financeiras se o senador Marcelo Crivella disse a verdade no vídeo em que jura ter visto o torturador do idioma escrevendo cartas de próprio punho.
“Recorri ao inesquecível presidente Lula, que Deus o abençoe e salve sua alma, nosso grande presidente, e ele disse: ‘Como é que eu posso ajudar, Crivella?'”, contou o agora candidato a prefeito do Rio. “E eu falei: ‘Presidente, me dá uma carta sua, me apresentando aos presidentes destes países onde as igrejas estão com problemas’. E ele me deu! Ele escreveu cartas! Com a mão! Ele dizia assim: ‘Ô, presidente. Olha, presidente’ — por exemplo, de Barbados, onde tinha uma igreja onde os pastores estavam sendo expulsos — ’em nome das boas relações entre o Brasil e a sua nação, peço que atenda o senador. É meu amigo. E vejo a situação dos brasileiros que aí se encontram'”.
Se isso efetivamente aconteceu, Crivella testemunhou um milagre de estarrecer o mais cético fiscal da Santa Sé. Caso as cartas existam, merecem ser prontamente repatriadas pelo Itamaraty e reunidas pelo Ministério da Educação num livro tamanho família, com capa dura, arabescos dourados ─ e um caprichado prefácio de Verissimo, naturalmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário