Nenhum sorriso no rosto de Bolsonaro ao cumprimentar o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, que na homilia da manhã havia criticado “o dragão do tradicionalismo” e “a direita violenta e injusta”. À tarde, na presença do presidente, Dom Orlando adaptou sua fala, ao afirmar, com razão e sensatez, que “dragões atacam de tudo que é lado; atacam a igreja, atacam as religiões...esses dragões são as ideologias (...), interesses pessoais, tanto da direita quanto da esquerda”. A verdade, disse o arcebispo, é que liberta.
Da missa, onde comungou, Bolsonaro foi para o estádio do Pacaembu ver o jogo de seu Palmeiras contra o Botafogo. Ouviu gritos de “mito” e xingamentos. Venceu por 1 a zero. Foi um sábado discreto. Felizmente para todos.
Neste ano de 2019, Bolsonaro foi fotografado em inúmeros cultos evangélicos ao lado de sua esposa evangélica, ajoelhou-se diante de Edir Macedo, chorou, levou o fundador da Igreja Universal para o desfile de 7 de Setembro, festejou a bancada evangélica e prometeu nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal.
Mas afinal, Bolsonaro é católico ou evangélico? Muitos leitores me escreveram após minha última coluna no GLOBO, "Bolsonaro contra Deus e o mundo". Uns me diziam que o presidente é católico e que não foi ao Vaticano por causa dos “padres comunistas” do Sínodo da Amazônia, já que Bolsonaro não anda lá com muito crédito entre ambientalistas. Diziam também que, “se o papa não gosta de Bolsonaro, por que ele iria ao Vaticano?” É um ponto.
Eu me pergunto o que faz de alguém católico ou evangélico. Fui batizada, fiz a primeira comunhão, mas me tornei agnóstica ao longo da vida. Acho nociva a associação que os políticos do Brasil – uma república laica por determinação da Constituição – fazem com a religião. Qualquer religião. Por oportunismo ou não, há uma excessiva presença de Deus até em votações no Congresso. Cheira a hipocrisia ou exagero.
Não importa que Bolsonaro, como presidente, tenha ou não crença ou fé. Não importa que seja católico ou evangélico. Pegou mal sua desistência de última hora de ir a Roma para a canonização de Irmã Dulce, a primeira santa brasileira, a Santa baiana dos pobres e necessitados. Um presidente da República deve estar acima de debates religiosos e de interesses de bancadas evangélicas. Faz parte de seu papel. Faz bem ao Brasil e a sua imagem tradicional de país que respeita a diversidade religiosa. Esse é um país com fé. E que abraça religiões de procedência africana, da mesma forma que pentecostais, neopentecostais e outras.
Mas, voltando à questão de origem, Bolsonaro é católico ou evangélico? Todos sabem como o presidente, antes mesmo de ser eleito, se aproximou dos evangélicos, seja por influência da esposa Michelle ou da força do “voto do cajado”, com a influência dos pastores sobre os eleitores. Um em cada quatro eleitores brasileiros se diz evangélico.
Mas, voltando à questão de origem, Bolsonaro é católico ou evangélico? Todos sabem como o presidente, antes mesmo de ser eleito, se aproximou dos evangélicos, seja por influência da esposa Michelle ou da força do “voto do cajado”, com a influência dos pastores sobre os eleitores. Um em cada quatro eleitores brasileiros se diz evangélico.
Antes de começar a campanha presidencial no ano passado, Bolsonaro foi batizado na igreja Assembleia de Deus e manteve uma rotina de cultos e celebrações evangélicas nos fins de semana ao lado de Michelle, fiel da Igreja Batista Atitude. Em 2016, Bolsonaro postou nas redes sociais um vídeo em que é batizado nas águas do Rio Jordão, em Israel, pelo pastor Everaldo, em companhia dos três filhos.
A socióloga Christina Vital, professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), disse no ano passado à revista EPOCA que Bolsonaro se apresenta como católico mas se comporta como evangélico, ao afirmar que é presidente por “missão divina”, apostando assim na “ambiguidade religiosa”.
Traduzindo as palavras da socióloga para o português coloquial, eu diria que Bolsonaro parece ser católico na teoria e evangélico na prática. O fato de alguém se declarar católico no Brasil ou em qualquer país – ter sido batizado e feito a primeira comunhão – não garante que continuará a ser católico para o resto da vida. Muitos, por convicção, por casamento ou por oportunismo, se convertem a uma outra religião. Tornam-se praticantes de outras igrejas.
Numa entrevista em 2011, há oito anos portanto, o então deputado pelo PP do Rio de Janeiro Jair Bolsonaro respondeu a perguntas de leitores da revista EPOCA. Duas perguntas eram sobre a laicidade do Estado e sua religião. “O Estado é laico, mas seu povo não. A religião é fato de união dos povos e não pode ser dissociada da família, dos bons costumes e da moralidade. Acredito em Deus, essa é a minha religião. Sou um católico que, por 10 anos, frequentou a Igreja Batista”, disse Bolsonaro.
Em muitas ocasiões, ele repetiu “O Estado é laico, mas nós somos cristãos”. Verdade dupla. Não há perseguição a outras crenças. E a maioria absoluta é de católicos e evangélicos. Causa espécie, no entanto, que, na semana da votação da Reforma da Previdência, um culto especial na Câmara dos Deputados comemorasse o 42° aniversário da Igreja Universal, a mais poderosa denominação evangélica.
“Lucas, versículo 6.36: ‘Senhor, tem misericórdia de nós’”, leu no celular o ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni. “Muitos são chamados, poucos os escolhidos. Deus escolheu o mais improvável. Salvou-o de um atentado terrível”. Onyx chamou, nesse momento, Bolsonaro: “Aqui está o eleito. Simples, alegre, humilde e sobretudo temente a Deus”. Hoje, há mais de uma centena de parlamentares evangélicos, um em cada seis. Nunca foram tão influentes no Planalto.
Não apoio parlamentares por sua religião ou por sua ausência de fé - e sim por suas pautas e ações políticas, por sua retidão de princípios, por sua coerência e capacidade de escutar todos os segmentos da sociedade -, o que sempre foi raro, desde que me conheço por gente. Para se afirmar como um estado de valores republicanos e laicos, sem essa mistura explosiva de política com padres e pastores, e com presidente ou parlamentares chorando em templos ou igrejas, o Brasil deveria vetar cerimônias do tipo citado acima na Câmara ou no Senado. Isso é inadmissível, por exemplo, em países como a França ou a Grã-Bretanha. O Congresso não é fórum religioso.
O presidente Bolsonaro, seja ele católico ou evangélico no íntimo, não importa, deveria começar a pensar na população como um todo. Até agora, isso não aconteceu. O mais importante para o brasileiro, de todas as classes sociais, é o respeito aos direitos humanos, o acesso à educação de qualidade e a uma saúde digna, a um emprego honesto e bem remunerado, a uma segurança que aponte para a paz e não para a guerra. Que todos sejamos contemplados, como cidadãos, independentemente de orientações sexuais, crenças religiosas ou convicções ideológicas. Mas seria exigir muito. Um milagre, talvez?
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