A ideia de cooptar parlamentares por vias tortas costuma não ser eficaz. Por ocasião do impeachment de Collor, a manobra deu com os burros n’água. Credita-se o insucesso desse meio à frágil disposição de parlamentares sem convicção política (integrantes do baixo clero) de passar muito tempo sob o mesmo teto ou, ainda, à ambição de querer fatias sucessivas do bolo do poder, deixando o governo refém de barganhas. Na planilha dos “mutantes”, contabiliza-se, ainda, o pendor para alterar sua disposição quando o clamor das ruas for tão intenso a ponto de deixá-los surdos para os “motivos” (obras na base, cargos na administração) que os empurram para a proximidade do Palácio do Planalto. A insegurança grassa na área de representantes que dão um passo para lá e dois para cá ao som da música do momento.
Sob essa moldura, é arriscado garantir sucesso da presidente Dilma em seu esforço para se manter no comando do país, mesmo com a ajuda do tutor, Luiz Inácio, tornado articulador do projeto de sustentação do governo. Ao trazer Lula para o centro da articulação política, a mandatária Rousseff espera que ele consiga atravessar o Rubicão, na fronteira entre a salvação e a condenação pelo impeachment, conferindo-lhe a condição de se tornar o salvador do projeto de poder do PT, o guardião-mor do governo e, se sair bem na missão, postular a candidatura presidencial pelo PT, em 2018, sob o grito da militância (“não teve golpe”) e o refrão de Julio César: Alea iacta est ( a sorte está lançada). Mais do que sorte, Lula precisa vestir o manto de guerreiro, retomar Roma (a maioria no Congresso Nacional) e declarar guerra aos exércitos opositores que avançam na estrada de 2018.
Ocorre que esse traçado em linha reta do PT, de Lula e Dilma está sujeito a muitas curvas. A primeira delas é a leitura equivocada que o Partido dos Trabalhadores fez de seu projeto de poder. Imaginou que a ascensão de um ex-metalúrgico ao posto maior da Nação seria a chave para abrir um ciclo interminável de mando, eis que disporia de meios, recursos e instrumentos para tanto. Abandonou a identidade, errou na percepção, desviou-se na operação e acabou se afundando no mensalão e, agora, no petrolão. Em sua origem, o PT ganhou as tintas da ética e da mudança, a par da defesa das margens desvalidas. Simbolizava a redenção nacional, apoiado por intelectuais, igreja e com forte lastro na base de trabalhadores. Ao chegar ao centro do poder, entrou em perigosas curvas, passando a operar com as ferramentas da velha política- a cooptação fisiológica, as trocas no balcão de negócios. Amarrou-se ao passado, tornou-se assemelhado a outras siglas e implantou intensa partidarização da máquina administrativa.
Deixando de ser o intérprete de mudanças, acalentou por anos a fio o discurso separatista – nós, o bem, e eles, o mal. Lula jamais abandonou o refrão, que perdeu força na boca do palanqueiro que passou a ter hábitos elitistas por ele tão condenados. Conseguiu, graças à política de redistribuição de renda, elevar o padrão de vida de milhões de brasileiros. Reconhecido por isso, expandiu o projeto de poder do PT, elegendo a pupila Dilma, de perfil asséptico, bom nível gerencial. O resto é sabido. A presidente desfez a imagem de excelência técnica. Seu segundo mandato é um desastre. Um turbilhão de escândalos bate nos costados do governo, enquanto as crises política, econômica e moral apontam para o afastamento do lulopetismo do centro do poder. Afinal de contas, depois de três mandatos e meio consecutivos, chega-se à profecia de Delfim Netto, feita há duas décadas: “para se livrar do PT, o país deve experimentá-lo”. Hoje, o mago arremata com um sorriso: “só errei de timing; imaginei um tempo bem mais curto”. Pode até ser que o PT consiga chegar em 2108. Mas o seu ciclo estará fechado.
Para Luiz Inácio, a melhor coisa que poderia ocorrer seria o afastamento de Dilma da presidência. Seria o caminho mais rápido para voltar ao palanque da oposição, onde se sente mais confortável. A saída da pupila cairia bem nos tonéis da catarse social. Ampla maioria da população quer vê-la longe do Palácio do Planalto. Mas uma parcela ainda a festeja, sob o bordão “não vai ter golpe”, que o historiador argentino Carlos Malamud chama de “retórica bolivariana”. O ódio se espraia pelos ânimos de grupos organizados e militantes. A política ingressa nos corredores da judicialização. O STF, por meio de liminares de um ou outro ministro, em vez de contribuir para moderar o clima, acirra a contrariedade de uns e outros. As perguntas afloram: afinal de contas, o presidente da Câmara tem ou não a prerrogativa de aceitar ou arquivar processos de impeachment? Se for mero examinador de tecnicalidades, Eduardo Cunha teria de acolher os 40 pedidos que chegaram à Casa, conforme a posição( polêmica) do ministro Marco Aurélio Mello?
O país é uma grande fogueira. A ideia de eleições gerais surge no meio da fumaça, situação que exigiria a renúncia da presidente e do vice, ou ainda, a decisão do TSE, este ano, de cassar a chapa. Mudar a CF para atender ao casuísmo seria um desastre. O mesmo pode se dizer em relação à mudança de sistema de governo com a instalação de um semi-parlamentarismo. Sem rumos e perspectivas, o país parece caminhar em direção ao precipício.
Nenhum comentário:
Postar um comentário