domingo, 10 de abril de 2016

Um momento terrível

Assim como se procura de todas as formas evitar uma cirurgia, ato traumático com corte e costura, também deve-se evitar um processo de impeachment. Chega-se a este na mais traumática e dolorosa das hipóteses. Chegamos a ela.

Atitude drástica, interrompe o normal exercício de governar, de legislar e de julgar as inúmeras situações que precisam de decisões para a democracia funcionar. Nisso os agentes e os atores econômicos perdem o rumo, não conseguem enxergar o futuro com clareza nem suportar as agruras do caos que se estabelece.

À frente se depara com uma espessa camada de incertezas e de riscos.

Para se chegar a tanto, precisou-se evidentemente de imperícia e desatenção da presidente.

Nenhum complô tem o poder de desencadear um processo dessa natureza e gravidade. Apenas um elevado e assustador descontentamento que ultrapassa dois terços do eleitorado abre caminho a um pedido de impeachment. Assim foi com Fernando Collor, que destratou a coisa pública. Collor era, e é, de direita, e a ele a Câmara deu cartão vermelho.

Apenas a rejeição, brotando em cada esquina, motiva um Parlamento a se jogar nesse processo, contrariando a natural tendência de se acertar com o Executivo. O começo de um rito tão drástico dinamita a ponte para a volta à governabilidade.

Com Collor, o Congresso encontrou um pretexto na compra de um veículo Fiat pago com cheque do tesoureiro de campanha. Evidentemente, uma gota que fez transbordar o balde cheio de insatisfação.

Economia em colapso, empresas que se reputavam como as mais sólidas em ruínas. Esse é o quadro. Pequenas ou grandes, as empresas se encontram todas a dar cortes dolorosos, que, em efeito dominó, geram uma depressão descontrolada.

Assistimos atônitos à maior onda de desemprego de todos os tempos e ainda ao arraso da capacidade de recuperação num prazo razoável.

O governo não tem propostas, e as que apresenta são ineficazes, algumas evidentemente absurdas que asfixiam quem já não tem qualquer oxigênio. Elevam-se impostos para arrecadar menos, já que o aumento não cobre a parcela de inibição das atividades.

Assusta. Sabe-se que demolir é rápido, mas construir é um desafio demorado. Cem quilos de dinamite colocam abaixo em cinco segundos uma superestrutura que demorou anos de esforço e de investimentos, assim como um punhado de medidas erradas pode levar à falência o Estado fragilizado pela corrupção sistêmica.

Precisa dar um basta a governos que agradam a partidos de assaltantes, todavia o que se vê neste momento é a repetição do erro de fatiar os Estados para evitar o impeachment. Isso acena a manutenção das roubalheiras que geraram o esfarelamento da confiança. Não é a solução para a superação, mas um aprofundamento de erros do passado.

A sabedoria de um estadista está em ver o Estado que tem para governar como um conjunto que ele precisa equilibrar. Não pode governar apenas para agradar de imediato a uma parte, sabendo que isso inviabiliza a sustentabilidade do Estado no futuro.

Precisa saber propor as medidas que, mesmo impopulares, garantam a sobrevida do sistema público. O Brasil não absorveu a necessidade, ainda que tardia, de reformas tributárias, previdenciárias e trabalhistas, adiadas desde a década de 70. Dilma não é culpada de tudo. Recebeu uma herança que requer uma incrível capacidade de governança e de engajamento com muita coragem.

O Brasil precisa dar um salto e deixar de ser uma incongruência generalizada

Suas decisões, mais que direcionadas aos jovens que serão os pagadores da falta de atitudes, se restringiram à medíocre valorização de partidos. Faltou coragem para peitá-los, autoridade e exemplo para desconstituir o fisiologismo.

O grau de corrupção, que é um mal inextirpável, depende exatamente da autoridade que a conduta do governante gera. Faltou-lhe essa capacidade mais gravemente do que faltou a FHC e a Lula.
Embora não existam provas de que Dilma tenha se locupletado dos butins que ocorreram no raio de sua responsabilidade, enfrenta a conta das omissões, das promessas descabidas, de escolhas que se abateram como bumerangue na sociedade e nela.

Se no sistema presidencialista brasileiro as notas baixas são insuficientes para destituir, resta o impeachment como saída constitucional à disposição do Congresso. A “responsabilidade” é uma obrigação ampla de qualquer cidadão. O médico que não aplica o remédio certo ou aplica o errado incorre no crime de responsabilidade. Ele tem o dever de saber o que um remédio ou uma cura provocam.

O que faltou a Dilma é a responsabilidade com o conjunto da obra que assumiu junto com a faixa presidencial. Isso a levou ao banco dos réus, como levaria um médico que tomasse uma medida incorreta.

O Brasil está sangrando, enquanto parlamentares e presidente decidem o futuro. O que não é justo é manter o Brasil agonizando.

Dilma pode evitar o impeachment, mas está atrasada. Como conseguirá garantir a governabilidade nos dois anos que lhe restam? Como, sem o apoio do Congresso e da maioria da população?
Assusta ainda pensar que o eventual substituto, Michel Temer, precisará de condições de governabilidade sem a paz imprescindível.

Cabe ao PT e ao PMDB, e até a outros partidos, pensar numa refundação que passe necessariamente por um firme compromisso com a ética. Máculas todos têm, e quebrar paradigmas é fundamental.

Ergue-se neste momento a necessidade de uma Constituinte, sem políticos no meio, mas notáveis, pessoas com mais de 60 anos, que em 180 dias, ou mais depressa, redijam uma Carta Magna e coloquem fim à colcha de retalhos que se tornou o ordenamento nacional. O Brasil precisa dar um salto e deixar de ser uma incongruência generalizada.

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