O dia de ontem já começou alarmante. Enquanto o incêndio matava meninos jogadores no Rio, mineiros corriam na madrugada de Barão de Cocais com a sirene disparada. Eles moram perto de uma barragem, e elas são bombas que podem explodir. Brumadinho, tempestade com deslizamentos no Rio e a dolorosa perda dos meninos do Flamengo, tudo em tão pouco tempo mostra de forma aguda como o país tem falhado em proteger os seus.
O princípio da precaução nos ensina que se há um cenário ruim é contra ele que precisamos nos preparar. No Brasil, avisos eloquentes não são ouvidos. Brumadinho nasceu em Mariana. A análise do desastre de três anos atrás deixa claro que a Vale construiu a sua repetição. E não estamos livres de novos horrores como lembraram as sirenes de Barão de Cocais.
Em 2015, nos primeiros dias após o rompimento da Barragem de Fundão, a Vale tentou fingir que o problema era da Samarco. Na hora da reparação, Vale e BHP criaram a Renova e entregaram a ela dinheiro e responsabilidade. Terceirizaram a culpa e a reparação do dano. Por fim, as empresas fecharam um pacto com o MP e os governos, que extinguiu a ação civil pública de R$ 20 bilhões. Segundo a Vale, tudo estava resolvido. Falso. O Rio Doce continua sequelado, os diretamente atingidos não tiveram suas casas reconstruídas, e os outros milhares de afetados permanecem carregando suas dores e seu desamparo.
O que ela podia ter feito diferente? Tudo. A Vale deveria ter iniciado imediatamente a transição para nova tecnologia de barragem com menos risco em todos os casos. Deveria ter desarmado as bombas que são as barragens úmidas, drenando, retirando os rejeitos sólidos e os separando para a reciclagem. Essa tecnologia já está dominada. Era e ainda é o único caminho para resolver estruturalmente o problema.
Dinheiro não faltou à Vale. Seus resultados financeiros mostram que, apesar do prejuízo de 2015, quando houve a tragédia de Mariana, o lucro líquido acumulado nos 10 anos anteriores superou R$ 150 bilhões em valores nominais. E que superaram os R$ 40 bilhões nos três anos após Mariana. A atitude da Vale — das reações em Mariana até o teor dos emails sobre Brumadinho revelados esta semana — é uma lição às avessas. Ensina o que não fazer. Os moradores vizinhos às barragens vivem ameaçados por novos rompimentos. Já não dormem, vigiam sirenes.
O Rio fica sobressaltado a cada chuva. A dolorosa tragédia da Serra, há oito anos, em que morreram 908 pessoas, e as muitas enchentes na capital ensinaram que as encostas deslizam com muita frequência pelos erros da ocupação urbana, pela falta de prevenção, porque o setor público ignora a precaução. Depois de enterrados os mortos, volta tudo ao que era antes. As chuvas serão mais intensas, os ventos, mais violentos. Extremos serão mais frequentes com as mudanças climáticas. Como nos proteger?
São casos diferentes, mas a morte dos meninos jogadores do Flamengo precisa ser bem apurada para ver se eles são vítimas também do descaso e da negligência. As investigações ajudarão a apontar a razão exata, mas o roteiro é sempre o mesmo: estavam dormindo em locais provisórios à espera do definitivo centro de treinamento. O Brasil vive à espera do definitivo. Em Minas, famílias de 182 desaparecidos ainda esperam os corpos dos seus entes queridos, e podem não recebê-los, apesar da emocionante dedicação dos Bombeiros.
Em agosto do ano passado, Fabio Schwartzman afirmou: “o único risco para a Vale é a economia global virar de cabeça para baixo.” Estava errado. O risco não era externo. O perigo maior permanece aqui dentro. A mineração sempre teve uma visão predatória, principalmente nas minas de Minas.
Diariamente o país corre riscos por não se preparar para o que pode ser evitado. E assim vamos chorando mortes prematuras e imaginando o que poderiam ter sido aqueles que nos deixam cedo demais.
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