A recente operação no Rio de Janeiro é exemplo trágico dessa lógica. Com cerca de 2.500 agentes mobilizados, resultou em 117 óbitos —muitos com sinais de execução, tortura e queima de corpos, além da morte de 4 policiais. Essa ação altamente letal, lembrou o Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, Volker Türk, indica que já é tempo de "fazer cessar um sistema que perpetua racismo, discriminação e injustiça".
É intolerável que a governança democrática não consiga garantir que forças de segurança cumpram padrões internacionais de uso da força. Mais de 30 anos depois do Carandiru, onde cheguei com a Comissão Teotônio Vilela na manhã seguinte ao massacre de 111 mortes, também é intolerável que governos estaduais continuem a recorrer a extermínios como luta contra o crime. E mais aterrorizante ainda é constatar que parte da população brasileira vibre com a brutalidade e a desumanização dos moradores das comunidades vulneráveis perpetradas por sucessivos governos.
O governo do Rio agora tenta apagar as evidências de crimes inscritas nos corpos dos mortos. Não há nenhuma expectativa realista de que o governador Cláudio Castro (PL) promova laudos de necropsia independentes. Cabe ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal assumir a investigação de possíveis crimes: execuções sumárias, torturas, fraudes processuais e abuso de autoridade. O Ministério Público Federal já cobrou providências.
O ministro do STF, Alexandre de Moraes —relator da ADPF 635 (arguição de descumprimento de preceito fundamental), que regula as operações policiais no Rio e que Castro desrespeitou— determinou que o governador preste informações apresentando um relatório circunstanciado da operação, a justificativa para o grau de força empregado e a identificação das forças envolvidas.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, cobrou das autoridades brasileiras pronta investigação, assim como relatores especiais de direitos humanos do órgão, reforçando a proteção aos familiares das vítimas. Organizações civis brasileiras, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, fizeram um apelo ao demandarem uma apuração independente e rigorosa.
Apesar desse clamor nacional e internacional, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, manteve um silêncio constrangedor diante dessas cobranças iniciais. No dia seguinte, contudo, ao lado de Castro anunciou a criação de um escritório emergencial para o combate ao crime organizado, unindo as forças federais e estaduais de segurança pública.
Embora a cooperação entre as esferas federativas seja, em geral, positiva, há preocupações sobre sua efetividade e possíveis riscos, especialmente se for comprovado que o governador autorizou ou incentivou a operação policial ilegal. Neste caso, ele poderá ser responsabilizado criminalmente.
O massacre no Rio deve ser compreendido dentro de um contexto político mais amplo, articulado por Castro e outros governadores de extrema direita. Após a condenação e prisão de seu líder máximo e de seus aliados, esses atores políticos buscam utilizar o discurso da guerra contra o tráfico de drogas para desestabilizar o Estado federal e melhorar suas perspectivas nas próximas eleições. Além disso, tentam alinhar-se à narrativa continental de combate ao narcotráfico, atualmente liderada pelos EUA.
Para enfrentar essa ofensiva da extrema direita, é fundamental que haja uma resposta firme das instituições democráticas: uma investigação federal rigorosa, transparente e independente sobre o massacre de Castro.
Esse passo é essencial para garantir a responsabilização dos envolvidos e reforçar o Estado de Direito. Ainda há tempo para que tal resposta seja dada.
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