Sim, não se pode confundir Lava Jato com a ingovernabilidade da ex-presidente. Uma não pariu a outra. Foram, antes, os erros de condução e a crise econômica que arrastaram Dilma. Mas, o governo atabalhoado e a Lava Jato, embora distintos, se misturaram, incentivaram-se mutuamente; às vezes se confundiram: uma crise alimentou a outra.
O vaticínio de Romero Jucá, por fim, não se cumpriu: o impeachment não estancou a sangria nem deu fim ao inferno da política brasileira. Há quem tente tapar o sol com o arco vazio da peneira, mas o governo Temer – que promete muito aos agentes econômicos – vai também enrascado nessa confusão: são 9 ministros, o próprio presidente; a cúpula do Congresso, a elite parlamentar; todos envolvidos na Lista de Fachin.
É certo, o processo levará anos. Mas, deixa esse desconforto na atmosfera política e econômica: o mal-estar existe e ele fere, sim, a dinâmica política nacional, a normalidade do processo legislativo; afeta as reformas e, certamente, interferirá no quadro sucessório de logo mais, daqui a um ano e tanto.
A lista que veio a público é vasta, profunda; dá vertigens. É democrática e indiscriminada, posto que é ampla e plural — partidária e ideologicamente. Revela a festa nababesca – Jucá ousou falar em “suruba” — para a qual todo o sistema político foi convidado. É evidente que causa esta ressaca moral.
Todos, é claro, têm direito de defesa; a ponderação é sempre saudável. O irônico, contudo, é que os radicais mais indignados de ontem, sejam hoje os moderados que relativizam quase tudo. Foram duros — como deve ser — mas com aliados são suaves. Coerência e honestidade intelectual — no rigor ou na condescendência – é todo o capital que o analista deve ter. Na mudança, deve-se admitir: errou-se lá ou erra-se aqui?
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Na confusão da orgia que explicita, a lista pode redundar, ao final, numa imensa impossibilidade, selando assim um acordão. É preciso cuidado: alguns pontos de inflação momentânea, acima ou abaixo, não valem uma democracia. Raspas e restos sob tapetes se acumulam e, um dia, chamam os ratos para novo banquete.
Há meses, uso a alegoria do “labirinto” como metáfora para a situação; num emaranhado de esquinas que dão a lugar algum, o país fica perplexo diante de seus minotauros. Não há força, coragem, inteligência – quede Teseu, quede Ariadne? –; apenas uma parede que indica um fim de linha impossível, já que a vida continua e todos se amontoam empilhados, num espaço exíguo e sem ar.
O pior de tudo é a ausência de lideranças (no plural) – um conjunto de pessoas com alguma credibilidade e habilidade o bastante para inventar saídas. Houvesse time, o jogo se rearranjaria, reiniciando a partida, arbitrando penalidades, perdas, danos e expulsões. Mas, nem mesmo regras há, nesse momento em que o Congresso procura casuísmos dentre os escombros dos salões em reforma.
Momentos assim são perigosos: uma fúria justificada pode emergir de repente, agora ou mais a frente, com desespero e repugnância. Voluntarismos, salvadores da pátria, farisaísmo… Abre-se espaço para todo tipo de cretino. Não vê os riscos quem quer cegar. A orgia da lista pode dar em tudo, pode dar em nada; só não tende a ficar como está.
Carlos Melo
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