sábado, 7 de novembro de 2015

O mal que insiste em nos habitar


A sociedade brasileira tem assistido nos últimos anos à desconstrução sistemática dos valores políticos que foram propostos para amoldar o novo regime político e jurídico a partir da redemocratização do país. O que está em xeque é a condição de nossa sociedade de se governar e cumprir os fins colimados com as bases do Estado de Direito, pois a corrupção parece espalhada endemicamente em toda a máquina pública, impondo corrosão ao sistema político e administrativo do Estado.

O destino de um povo é delineado a partir de suas experiências, do amadurecimento de sua participação política e, assim, de suas instituições. Mas o retrocesso moral que se está vivendo é alarmante, colocando o Estado brasileiro diante de uma encruzilhada, numa crise profunda de valores e legitimidade institucional.

As últimas gestões do PT, seguindo seu “plano perfeito” de concentração de poder, contribuíram para intensificação de tal processo. Seja pela adoção de aparelhamento do Estado — lançando seus tentáculos hegemônicos sobre o Legislativo e o Judiciário, cooptando-os, corrompendo, adotando políticas populistas direcionadas aos setores humildes da população e interpretando o direito de acordo com seus interesses —, bem como pela negligência moral estampada em denúncias de corrupção, com negativas e minimização declarada de fatos graves. A oposição, por sua vez, segue acuada, intimidada por suas próprias ações passadas e presentes, ligadas igualmente à impunidade e corrupção em seus mandatos, estando simbioticamente vinculadas à participação de políticos destacados no petrolão, no mensalão e em outras negociatas que deveriam combater. Ainda, quando se espera uma posição sensata, diante de situações sociais complexas, assiste-se a notícias de insensibilidade administrativa juvenil, como o fechamento de escolas e viagens paradisíacas com dinheiro público. O mal uso da coisa pública coloca todos numa fétida vala comum.

O Legislativo virou feira livre do chamado baixo clero, desmoralizou-se por aceitar um papel de subserviência ao mensalão, barganhar claramente, aos olhos da sociedade, cargos e ministérios em troca de apoio partidário. Tornou-se um balcão de negócios, emendas e contratos públicos, distanciando-se da população.

O Judiciário, por sua vez, embora seja a única instituição que dá sinais de resistência, entrou nesse jogo sórdido: decide-se em muitas esferas à conveniência do autor e da demanda, descartam-se as normas em razão de valores tortos e justificativas não jurídicas. Alguns membros do Judiciário, para obter promoção, curvam-se à troca de favores e, ainda, como se estivem num Olimpo, tribunais seguem construindo palacetes num país cujas escolas são mal estruturadas; seguem praticando nepotismo cruzado, defendendo privilégios injustificáveis à luz da sociedade, como a aposentadoria por corrupção patenteada pelo CNJ, enquanto o cidadão comum é massacrado quando deixa de cumprir um contrato; compram potentes frotas de carros oficiais e reivindicam auxílio-moradia cujo valor supera o salário da maioria dos brasileiros, num país com grave problema de distribuição de renda e déficit habitacional.


O brasileiro perdeu o pudor, o tipo do “malandro esperto” deu lugar ao “malandro mau caráter”. Seus representantes são o modelo real do descaramento, do “eu não vi”, “eu não sabia”, “fiz, mas tive meus motivos”. Seu sistema judicial foi construído para processualistas habilidosos, com regras flexíveis e extremamente tolerante com malfeitos e mecanismos antipunitivos e protelatórios.

Não se vislumbra, no cenário, nenhuma esperança: todos os setores representativos da República estão enlameados pela corrupção, e a crise de valores parece ser estrutural, como expressão cultural arraigada no corpo da nossa sociedade, desde as relações sociais mais simples — nas escolas, no trabalho, nas empresas — às mais complexas. Os políticos são expressão inequívoca da sociedade que os elege, mas esta sociedade, reflexivamente, age de acordo com o modelo desenhado por aqueles que são seus representantes nos mais altos escalões. E a corrupção parece estar continuamente adensada à cultura brasileira. Não existe espaço para idealismo ou ideologias, bem comum, mas apenas para o interesse próprio e sem freio moral.

É de se acreditar que esse conjunto de denúncias e exposição de crimes seja de fato ponto positivo, uma oportunidade para nosso amadurecimento como sociedade. Mas é inegável que precisamos de uma mudança profunda em nossas bases estruturais e de uma tomada de postura daqueles que se propõem a liderar nosso país. Agora, mais do que nunca, é a hora das pessoas de bem, mas onde elas estão?
Wagner Menezes

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