Mas, para sair do fosso em que o sistema político se encontra, será necessário, porém, fazer um bom diagnóstico da situação, compreender a forma concreta da organização politica no Brasil, sem confundir termos ou recorrer a clichês.
Ao longo do tempo, a questão despertou um longo debate na academia, há uma vasta literatura e correntes contrárias debruçadas sobre o tema, em seu pesar ou em seu louvor. Para uma parte de politólogos, ele funcionou e ainda funciona satisfatoriamente — basta verificar os números; salvo exceções, os governos formam maiorias. Os erros derivam exclusivamente da incapacidade de seu manejo, por parte do governante.
Para outros, o presidencialismo de coalizão adquiriu vida própria e especificidades no Brasil, como uma espécie de jabuticaba. Ao longo do tempo, descambou para o vício.
Peculiaridades do caso brasileiro à parte, o fato é que a lógica é muito simples, repete-se em vários lugares do mundo. Em qualquer regime democrático, cujo poder é compartilhado por três esferas formalmente autônomas, haverá necessidade de algum tipo de arranjo entre os poderes Executivo e o Legislativo; o primeiro precisa contar com maioria no segundo de modo a que possa governar com o menor risco de abalos.
O fato é que muito raramente o governante será eleito com maioria assegurada no Parlamento. O normal é que mesmo antes da eleição, os partidos já se preocupem em buscar alianças e coligações que tendem a permanecer no governo, em caso de vitória. O básico é que se discuta essas aproximações com base em ideologias e programas de governo; no mínimo, com uma agenda política.
Nesse sentido, o presidencialismo de coalizão não é nem um bem nem um mal, em si. Maiorias são necessárias e sua busca é normal. Logo, trata-se apenas de um método que visa garantir a governabilidade. De modo que, assim, compreendido, não há porque demonizá-lo ou endeusá-lo. Tudo dependerá da dinâmica que será implementada em torno dessa coalizão.
É evidente tanto quanto normal que a coalizão se reproduza na formação do governo, que será composto a partir da proporcionalidade das bancadas partidárias ou por critérios regionais. E, assim, partidos que se dispõem a dar sustentação aos governos no Parlamento, também ocuparão espaços no gabinete do presidente, dirigindo ministérios e empresas estatais.
É aí onde mora o perigo e a coisa pega.
Ao longo do tempo, de modo gradual e consistente, questões ideológicas e programáticas foram abandonadas ou, no máximo, serviram de biombo para interesses localizados. Mesmo as agendas surgem mais como remendos do que como medidas preventivas, de olho no futuro. A negociação, praticamente, se resume a cargos, emendas e, sejamos francos, esquemas.
Tanto o presidencialismo quanto a coalizão revelam uma face cínica.
Não cabe idealizá-los, sistemas políticos são produtos concretos da realidade. Tolice pensar em transportar métodos de um sistema hipoteticamente perfeito para as condições brasileiras. Ainda assim, não é impossível reformá-los; corrigir e mudar sua feição. Instituições tendem ao aperfeiçoamento, aproveitando-se, inclusive, dos erros do processo.
O mais provável, porém, é que da próxima eleição não emerja um Legislativo substancialmente diferente do que aí está. As normas do sistema eleitoral não mudaram significativamente, o recrutamento e a oferta de candidatos são os mesmos. Dado o desalento com a política nessa quadra histórica do Brasil e do mundo, as condições para imposição do novo são precárias.
Ainda assim, esta seria uma boa pergunta aos candidatos à presidência da República: se forem eleitos, pretendem formar coalizões em quais bases, por quais princípios? Reproduzirão o modelo por inevitável ou estabelecerão, de verdade, um novo tipo de relação? A qualidade da coalizão depende muito da qualidade do presidente.
Carlos Melo
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