A chapa então seria cassada. O presidente Michel Temer perderia o cargo. A ex-presidente Dilma Rousseff, os direitos políticos preservados pelo Senado ao arrepio da lei. O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, sucederia Temer temporariamente. E o Congresso elegeria um novo presidente da República para governar até a posse do próximo.
Por absurda, nem se cogitaria a tese de separar as contas de Temer das contas de Dilma. São inseparáveis, segundo farta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. De resto, o fato de ter sido eleito junto com Dilma não valeria apenas para beneficiar Temer, que a sucedeu. Valeria também para prejudicá-lo. E estaríamos conversados. Vida que segue.
Mas, não. Isso provocaria “uma grande confusão”, advertiu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A economia, que ainda mal se recuperou do desastroso governo de Dilma, voltaria de vez para o buraco – como se já tivesse saído dele! Um presidente tampão eleito por um Congresso de malfeitores não teria condições de fazer as reformas. Seria o caos outra vez.
Está tudo pronto para que Deus nos livre de tanto mal. Ou melhor: para que os juízes togados afastem de nós esse cálice. O julgamento marcado para começar hoje deverá ser suspenso hoje, ou amanhã, ou no máximo na quinta-feira. Talvez mal comece. Poderá esbarrar na discussão de preliminares. Ou no pedido de vista feito por um dos juízes.
Dar-se-á um jeito, sosseguem. O estrito cumprimento da lei pode esperar ou ficar para da próxima vez. Não se pode cobrar de juízes que fechem os olhos às circunstâncias do país, à gravidade do momento e ao status dos réus. Devagar com o andor porque o santo é de barro. A democracia, entre nós, ainda é uma planta tenra... E blablablá.
A democracia entre nós é recente, mas já resistiu a duros solavancos e se fortaleceu com eles. O que pode enfraquecê-la é a tolerância com crimes que estão mais do que comprovados. O abuso de poder econômico numa eleição e o emprego de recursos sujos, omitidos da Justiça constituem um crime de lesa democracia. Foi o que aconteceu na eleição de 2014.
O vice-procurador Geral Eleitoral, Nicolao Dino, que atuou na ação de cassação da chapa Dilma-Temer, afirmou em seu parecer final que a campanha vitoriosa em 2014 recebeu ao menos R$ 112 milhões em recursos irregulares. “Todo esse formidável volume de dinheiro (...) comprometeu a legitimidade e a normalidade do pleito”, observou.
Foram R$ 45 milhões de caixa 2; R$ 17 milhões de "caixa 3"; e R$ 50 milhões de propina, dinheiro saído da Odebrecht. Parte do dinheiro comprou o apoio de quatro partidos à candidatura de Dilma. Parte pagou despesas de campanha dela. E R$ 50 milhões quitaram a edição de uma Medida Provisória que ajudou a Odebrecht a pagar menos impostos.
Estamos convidados a desconhecer tudo isso, e mais o que nos reservará o voto do relator do processo a ser lido hoje – ou a ficar para ser lido sabe-se lá quando. A Justiça pode ser cega ou enxergar mal. Não temos essa obrigação.
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