Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, investigado por corrupção e acusado de cometer crimes contra a humanidade em Gaza pelo Tribunal Penal Internacional, é hoje um dos principais vencedores políticos desse novo cenário. Sua popularidade, que vinha em queda livre, vem crescendo. O que era uma gestão cercada de críticas e protestos se transformou, de forma repentina, em uma liderança vista como estratégica e combativa. Segundo uma pesquisa relâmpago realizada pelo The Israel Democracy Institute com mais de 700 falantes de hebraico e árabe, 70% dos israelenses apoiam os ataques em curso, 10% dizem apoiar, mas consideram o momento inadequado, e apenas 13,5% são contrários.
Além disso, até mesmo opositores e críticos de Netanyahu no Knesset (o parlamento israelense) demonstraram apoio à ofensiva contra o Irã, como foi o caso de Yair Lapid, líder da oposição israelense.
No entanto, as cobranças continuam. Famílias dos reféns sequestrados no ataque terrorista em 7 de outubro seguem nas ruas, protestando e exigindo respostas. Netanyahu foi criticado por sua falta de progresso na libertação dos israelenses capturados, e sua recente declaração de que o retorno dos reféns “vai levar um pouco mais de tempo” pouco ajuda a conter a insatisfação.
E, no meio disso tudo, uma revelação alarmante: Netanyahu admitiu ter armado grupos islâmicos em Gaza que se dizem opositores ao Hamas, mas que têm histórico de envolvimento com o crime organizado e jihadistas. Um grupo, liderado por Yasser Abu Shabab, teria recebido fuzis Kalashnikov diretamente do governo israelense — armas inclusive apreendidas do Hamas. Há relatos de que esses grupos tenham saqueado ajuda humanitária. É uma desordem institucionalizada, promovida pelo próprio Estado.
A esse cenário já caótico soma-se agora a escalada entre Israel e Irã, após os ataques americanos à instalação nuclear de Fordow. O mundo observa com apreensão qual será a resposta do Irã. O regime dos aiatolás já deu sinais de que pode retaliar, direta ou indiretamente, usando aliados (apesar de enfraquecidos) como o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iêmen ou forças na Síria e no Iraque. A possibilidade de um conflito regional generalizado é real.
Nesse contexto, as grandes potências também se posicionam — mas com cautela. A China e a Rússia, que até agora têm adotado discursos críticos à ofensiva americana, podem ver na crise uma oportunidade para se consolidarem como polos de poder alternativos ou até mesmo mediadores. Ao mesmo tempo, qualquer movimento em falso pode ter efeitos devastadores em diversas frentes: segurança internacional, mercados de energia e estabilidade diplomática.
O uso de frentes de guerra como estratégia de distração política é bem conhecido nas Relações Internacionais. A chamada teoria do desvio externo (diversionary theory of war), desenvolvida por estudiosos como Jack Levy, explica como líderes em crise, especialmente em democracias em erosão, recorrem a conflitos externos para desviar a atenção da população e manter o poder. O cientista político John Mearsheimer, embora não seja o criador da teoria, também argumenta que Estados usam guerras de forma estratégica para fins de sobrevivência política. Netanyahu parece estar seguindo esse roteiro: pressionado por investigações, protestos e desgaste internacional por conta da crise humanitária e guerra prolongada em Gaza, encontrou no mais recente front contra o Irã um novo palco onde pode se apresentar como líder de uma nação sob ameaça.
E, no caso da destruição completa do arsenal nuclear iraniano seguida de um acordo, o atual primeiro-ministro será considerado um herói para muitos, assim como Donald Trump, que o apoiou na ofensiva com bombardeiros americanos na madrugada de sábado.
Mas Gaza não desapareceu. A tragédia que se desenrola há mais de um ano não pode ser varrida para debaixo do tapete geopolítico. Não pelos mortos, não pelos sobreviventes e não pelos reféns esquecidos. A responsabilidade de lembrar é também uma forma de resistir à normalização da violência e ao uso da guerra como ferramenta política. Porque Gaza também estará nos livros de história em alguns anos — e a forma como reagimos agora definirá como seremos lembrados.
Marina Pereira Guimarães

Nenhum comentário:
Postar um comentário