A empresa e o Ministério Público do Trabalho (MPT) do Brasil fecharam na noite de quinta-feira um acordo em que a companhia se compromete a pagar a multa e cumprir as obrigações impostas em sua condenação na primeira instância, em 2015.
Segundo o Tribunal Regional do Trabalho em Campinas (SP), onde o entendimento foi firmado, trata-se do "maior acordo da história do país no que diz respeito ao combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas".
O processo se iniciou após a BBC Brasil publicar uma reportagem em que operários brasileiros diziam ter sofrido maus-tratos na construção da usina de açúcar Biocom, erguida pela Odebrecht em Malanje (Angola), entre 2011 e 2012.
Fotos e vídeos obtidos pela reportagem mostravam péssimas condições de higiene no alojamento e refeitório da obra. Segundo os operários, funcionários superiores retinham seus passaportes após o desembarque em Angola, e seguranças impediam que eles deixassem o alojamento.
Muitos relataram ter adoecido - alguns gravemente - por causa das condições.
Para a Biocom, porém, o acordo "não implica em qualquer reconhecimento de prática de trabalho escravo, nem de violação de direitos humanos ou de princípios que regem as relações de trabalho pela empresa".
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Obra em Angola tinha condições de trabalho análogas à escravidão |
Em setembro de 2015, em sentença da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), a Odebrecht foi condenada a pagar R$ 50 milhões por dano moral coletivo - valor agora reduzido para R$ 30 milhões.
A ação tinha como rés a Construtora Norberto Odebrecht e suas subsidiárias Odebrecht Serviços de Exportação e Odebrecht Agroindustiral. Segundo o MPT, as empresas concordaram em pagar 12 parcelas de R$ 2,5 milhões, que financiarão projetos e campanhas que beneficiem a sociedade.
O acordo foi firmado no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. A acusação contra a Odebrecht esteve a cargo do procurador Rafael de Araújo Gomes.
Em nota, o MPT diz ainda que a Odebrecht se comprometeu a deixar de submeter trabalhadores à condição análoga à de escravo, a não utilizar no exterior empregados brasileiros sem visto de trabalho e a não se valer de aliciadores para arregimentar mão de obra.
A violação de cada item resultará em multas que variam de R$ 50 mil a R$ 100 mil por trabalhador.
"Embora nenhuma instituição brasileira, ainda que formalmente convidadas, tenha comparecido às instalações da Biocom para fiscalizá-la, as condições de trabalho na empresa sempre foram fiscalizadas e atestadas positivamente por autoridades angolanas (equivalentes ao Ministério do Trabalho e Emprego)", afirma a Biocom em nota divulgada após a celebração do acordo.
A empresa diz cumprir "rigorosamente a legislação trabalhista vigente" e contar com cerca de 2.100 empregados, dos quais 1.940 angolanos. A companhia disse ainda esperar que "o valor atribuído no acordo celebrado reverta em benefício da sociedade brasileira".
Durante a ação, a empresa afirmou que nunca "existiu qualquer cerceamento de liberdade de qualquer trabalhador nas obras de Biocom", que as condições foram "adequadas às normas trabalhistas e de saúde e segurança vigentes em Angola e no Brasil" e que não tinha responsabilidade sobre a obra por ter participação minoritária na usina.
Más condições e doenças
Em nota divulgada após o acordo, o MPT afirma que "os operários envolvidos em montagens industriais trabalhavam em condições análogas às de escravo, particularmente no que se refere a instalações sanitárias, áreas de vivência, alimentação e água para beber".
O órgão diz que exames médicos de trabalhadores retornados de Angola mostraram que vários "apresentaram febre, dor de cabeça, dor abdominal, diarreia, náuseas, fezes com sangue, emagrecimento, e alguns apresentaram suspeita de febre tifoide".
As obras na usina pertenciam à Biocom, que tinha como sócios a Odebrecht, a estatal angolana Sonangol e a Damer, empresa de dois generais e do atual vice-presidente angolano, Manuel Vicente.
O MPT diz que provas produzidas durante a investigação revelaram que a Odebrecht Agroindustrial acabou assumindo a gestão da usina após o início das obras.
Embora as condições denunciadas na ação afetassem trabalhadores brasileiros e angolanos, a empresa jamais foi processada no país africano.
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