“Ninguém vê, ninguém fala nem impugna,/ e é que quem o dinheiro nos arranca,/ Nos arranca as mãos, a língua, os olhos.// Esta mãe universal,/ Esta célebre Bahia/ que a seus peitos toma e cria,/ os que enjeita Portugal”...
(Versos do soneto “Senhora Dona Bahia”, de Gregório de Matos Guerra, o poeta lírico, religioso e satírico do Sec. XVII em Salvador, apelidado de Boca do Inferno)
Desculpem o mau jeito, mas é inevitável a recordação de Gregório de Matos, nestes dias infernais de março de 2017. Mais ainda, na sexta-feira, 17, em que a Operação Lava Jato completa três anos de vida e atravessa situação crucial em seu desempenho e para sua indispensável continuidade. No meio do furdunço político causado pela lista de Janot, com os frutos da delação premiada dos donos do grupo Odebrecht (e de alguns dos principais ex-executivos do "polvo insaciável") .
Conteúdo que o Procurador Geral da República mandou despejar - irônica e simbolicamente conduzidos em carrinhos de mão - na sala com estrutura da caixa - forte do Supremo Tribunal Federal, sob as vistas e vigilância da ministra presidente da Corte, Cármen Lúcia. Símbolos referenciais para todos os lados e para todos os gostos, já se vê. E a sátira do século XVII, ferina, bem humorada e atual, para nos ajudar a entender o lugar onde aportou a “máquina mercante”, agora governado pelo petista Rui Costa ( apontado no noticiário das últimas horas como um dos mandatários regionais citados na lista de Janot), e o País sob o comando de Michel Temer e seu PMDB, nos dias que correm.
Também ajuda, por exemplo, na compreensão do significado nu e cru, de alguns trechos do depoimento de Emílio Odebrecht – presidente do Conselho de Administração do mais poderoso grupo de engenharia do Brasil e da América Latina, com tentáculos espalhados pelo mundo, nos últimos 15 anos – ao juiz federal Sérgio Moro, condutor da Operação Lava Jato. Destaque especial para a confissão de que o Caixa 2 é uma das mais antigas, preservadas e ampliadas tradições históricas da Odebrecht: “Sempre existiu desde minha época, da época do meu pai e também de Marcelo”, contou o empreiteiro ao magistrado, na última segunda-feira. Marcelo é filho de Em&ia cute;lio, ex-presidente do conglomerado de negócios, no campo da engenharia e da petroquímica (e de muitos outros), até ser preso em uma das 38 fases da Lava Jato e levado para uma cadeia em Curitiba, (onde ainda permanece) condenado como um dos cabeças do Petrolão, o maior escândalo de corrupção da história do Brasil.
Emílio é filho do falecido Norberto, descendente de outro Emílio, o patriarca da família alemã que aportou em terras de Pernambuco. Norberto, nascido em Recife em 1920, com 5 anos de idade mudou-se com a família para a capital baiana, onde transformou-se na principal viga e responsável pela construção do vasto e poderoso império de negócios que se conhece, mas não dá para contar tudo neste espaço.
Jovem recém formado, pela Escola de Jornalismo da UFBa, conheci mais de perto o “velho Norberto” ao chegar na redação do jornal A Tarde, ainda no prédio histórico da Praça Castro Alves. Era, sem dúvida, um tipo humano singular e impressionante, dos mais reverenciados de Salvador, já naquele começo dos anos 70, do país sob ditadura. Vestido quase sempre em traje de linho branco, impecavelmente bem talhado e sem vincos, Dr. Norberto (como era tratado no jornal) , apesar da procedência germânica, sempre pareceu aos olhos do cético e desconfiado repórter, um daqueles lordes ingleses, dos filmes americanos rodados na Índia, sob dominação colonial. Guardava um pouco, também, semelhança com retratos de tipos afro-brasileiros, que ainda se vê aqui e ali, em Salvador, até hoje, mas que marcaram época, principalmente, nas p&a acute;ginas dos romances e outros escritos de Jorge Amado.
O depoimento de Emílio, ao juiz Sérgio Moro, porém, ajuda agora o jornalista, rodado em largas décadas de profissão, a entender melhor e mais claramente a relação de Norberto Odebrecht e o relevo deste personagem da Bahia em seu tempo. A unanimidade reverencial que cercava por todos os lados a sua figura e as suas ações, como verificaria depois já no Jornal do Brasil: políticos, empresários, dirigentes de históricas entidades das classes produtoras, imprensa, donos do poder em diferentes períodos de tempo, regimes e governos. Conservadores, progressistas, comunistas, direitistas , pessedistas, udenistas, gente da Arena e do MDB. Ou simplesmente "dinheiristas”, como sintetizava meu saudoso pai, ao referir- se a alguns tipos, em seus relatos.
Para terminar, busco as palavras do professor Edson Pitta Lima, coordenador geral da Universidade Polifucs, especialista em Programação Global, formado pelo Instituto Latinoamericano de Planificação Economica y Social, mestre acatado da Faculdade de Economia da UFBA, conhecedor e crítico das empresas baianas e seus homens de negócios. Ele postou, esta semana, em seu espaço de informação e análise, nas redes sociais, um comentário que considero oportuno, contundente e essencial. “O depoimento de Emílio Odebrecht comprova o que já afirmei: a empresa era uma escola de corrupção desde a época do velho Norberto. Satisfazer o cliente significava, satisfazer o fiscal de obras, quem liberava o dinheiro, quem liberava e aprovava a medição, quem julgava a concorrência, etc. etc. Sempre foi membro de primeira hora do Ethos, entidade empresarial v oltada para a ética nos negócios. Quem acredita que Marcelo e Emílio estão falando toda a verdade? Quem acredita que para o futuro a empresa vai passar a ser honesta? Eu acho que a onça perde o pelo mas não perde as manchas”.
A conferir com o tempo e o que virá nos desdobramentos da lista de Janot. Parabéns à Lava Jato e aos que cuidam dela, pelos três anos de intensa e brava existência. Longa vida!
Nenhum comentário:
Postar um comentário