Bolsonaro soou como anti-Bolsonaro. "A proteção da floresta é nosso dever", declarou a certa altura. "Estamos cientes disso e atuando para combater o desmatamento ilegal e quaisquer outras atividades criminosas que coloquem a nossa Amazônia em risco". Foi como se o presidente expusesse uma agenda secreta, pois desde que assumiu, há oito meses, conduzia o governo noutra direção. Desossou o Ibama, anestesiou a fiscalização ambiental e transformou em letra morta o artigo 111 do decreto 6.514, de 2008, que autoriza a destruição de máquinas e veículos de ladrões de madeira.
Noutro trecho, o capitão disse comandar "um governo de tolerância zero com a criminalidade". O brasileiro ficou autorizado a suspeitar que está sendo governado por um sósia de Bolsonaro. Um sujeito desqualificado, capaz de promover o ministro Sergio Moro da frigideira para o micro-ondas, desligar o Coaf da tomada e expor na frente das crianças sua tara por intervenções na Receita e na Polícia Federal. A intolerância com o crime será idêntica"na área ambiental", declarou Bolsonaro, distanciando-se do sósia, que acomodou Ricardo Salles, um sentenciado por improbidade, na poltrona de ministro do Meio Ambiente.
Para deter as queimadas, Bolsonaro disse ter oferecido "ajuda a todos os estados da Amazônia Legal". Envolve o emprego das Forças Armadas. Na véspera, o sósia chamava os governadores de cúmplices de ONGs piromaníacas. E lavava as mãos: "O Ministério da Justiça pode mandar 40 homens. Dá para entender? Quarenta homens para combater incêndio! Dá para entender? Não tem recurso. Chegou num caos".
O Bolsonaro da tevê referiu-se ao Brasil como "exemplo de sustentabilidade". Enalteceu o Código Florestal brasileiro como um "modelo para o mundo". Há apenas dois meses, o sósia do capitão editara uma medida provisória que conspirava contra um dos pilares do código. Extinguia o prazo para que os donos de terras realizassem o Cadastro Ambiental Rural. Algo muito parecido com uma anistia para desmatadores, pois o cadastramento permitiria a cobrança de multas de proprietários rurais em desacordo com as exigências ambientais do código. As panelas entraram em transe.
O anti-Bolsonaro pediu "serenidade" no trato de matérias ambientais. Endereçou uma indireta para o presidente francês Emmanoel Macron, que ilustrara um tuíte sobre o surto de queimadas na Amazônia com uma foto antiga, clicada por um fotógrafo que morreu em 2003: Loren McIntyre, da National Geographic. O sósia de Bolsonaro deve ter vestido a carapuça.
Além de atribuir crimes às ONGs sem provas, o sujeito que se faz passar pelo capitão no trono do Planalto compartilhara nas redes sociais um vídeo radioativo. Exibe a matança de golfinhos nas ilhas Faroe. O propósito do sósia era o de alfinetar a Noruega, que suspendera repasses financeiros para o Fundo Amazônia. O diabo é que as ilhas Faroe pertencem à Dinamarca, não aos noruegueses.
Em sua versão televisiva, Bolsonaro vendeu-se como um cultor do "diálogo". Nada a ver com o impostor do Planalto, que cria crises do nada. Revelou, de resto, que "outros países se solidarizaram com o Brasil", oferecendo "meios para combater as queimadas" e prontificando-se para atuar como advogado do Brasil na reunião do G7, neste final de semana. Referia-se aos Estados Unidos de Donald Trump. O sósia de Bolsonaro, após dar de ombros para a suspensão de doações milionárias da Alemanha e da Noruega, decerto responderia a Trump que "o Brasil não precisa" de esmolas.
A descoberta de que há no governo um Bolsonaro clandestino, portador de uma agenda ambiental secreta, é uma novidade alvissareira. Agora, para exorcizar o fantasma "Dilmo", silenciar as panelas e devolver as ruas às suas casas, basta eliminar o sósia.
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