Foi o que aconteceu com a sua eleição para a Presidência em 1994, no embalo do Plano Real, com um programa cujo eixo era a estabilidade econômica, a reforma administrativa do Estado e as privatizações de empresas estatais nos setores siderúrgico e de telecomunicações, principalmente. Àquela época, o candidato favorito nas pesquisas era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje está preso em Curitiba, em razão do recebimento de vantagens indevidas no exercício da Presidência (corrupção passiva e lavagem de dinheiro). FHC conseguiu “fulanizar” o Plano Real. Por ironia do destino, mais tarde, em 2010, Lula terminou o governo melhor avaliado do que o tucano e hoje isso faz a diferença na hora de “fulanizar” o seu candidato, Fernando Haddad (PT). O mesmo não ocorre com Geraldo Alckmin (PSDB), apoiado por FHC, que goza de enorme prestígio e frequenta as salas de espera dos aeroportos de cabeça erguida, acompanhado apenas da esposa.
Mas voltemos à fórmula de Assis Brasil. O Brasil elege representantes para a Câmara dos Deputados desde 1824, logo após a Independência. Até 1880, durante o Império, o sistema de votação era feito em dois níveis: os votantes elegiam os eleitores (primeiro nível), que, por sua vez, escolhiam os representantes para a Câmara dos Deputados (segundo nível). Em 1881, as eleições para a Câmara dos Deputados passaram a ser diretas. Na Primeira República (1889-1930), três sistemas eleitorais foram utilizados; todos majoritários. O mais duradouro (1904-1930) dividia os estados em distritos eleitorais de cinco representantes; o eleitor podia votar em até quatro candidatos e ainda podia votar no mesmo candidato mais de uma vez, o que facilitava as fraudes em larga escala.
Em 1932, após a Revolução de 1930, novo código eleitoral modernizou o processo: as mulheres passaram a ter o direito do voto; foi criada a Justiça Eleitoral — que ficou com a responsabilidade de organizar o alistamento, as eleições, a apuração dos votos e a proclamação dos eleitos; foram tomadas medidas para garantir o sigilo do voto. Assis Brasil e João Cabral participaram da redação do Código Eleitoral de 1932 e defenderam a introdução do voto proporcional: para Câmara dos Deputados, um sistema misto (com parte dos representantes eleita pelo sistema proporcional), cuja operação era bastante complexa. Mas veio o “autogolpe” de 1937 e Getúlio Vargas suspendeu as eleições, fechou os partidos e o Congresso.
As eleições voltariam em 1945, com o processo de democratização do país. Somente naquele ano, o sistema proporcional proposto por Assis Brasil foi integralmente adotado nas eleições para Câmara dos Deputados e demais casas legislativas, com exceção do Senado, com objetivo de fortalecer os partidos recém-criados, carreando para eles a tradição do voto “fulanizado”. Nas eleições para prefeito, governador, senador e presidente da República, o voto continuou majoritário. O sistema funcionou razoavelmente antes do golpe militar de 1964, que teve outras causas.
Depois da Constituinte de 1988, o surgimento do financiamento público partidário sem limitações para a criação de partidos, com base no critério de distribuição dos recursos proporcional à composição da Câmara, criou um desequilíbrio terrível na distribuição desses fundos e facilitou a proliferação de legendas, que hoje são 35 com representação no Congresso, situação agravada pelo uso em escala crescente de “caixa dois” nas eleições passadas, conforme revelado pela operação Lava-Jato.
Nesse cenário, os partidos políticos sofreram um grande desgaste, ainda mais agravado pela crise da democracia representativa na sociedade pós-industrial e pela forte influência das redes sociais na formação da opinião pública, à margem dos meios de comunicação tradicionais e dos próprios partidos. Nas eleições deste ano, o fenômeno da “fulanização” da política, que tem tudo a ver com as características da cultura eleitoral do brasileiro (e da velha herança “sebastianista” do salvador da pátria), ganhou novas características. Na reta final do primeiro turno, embora a maioria dos candidatos seja de velhos conhecidos, em razão das crises econômica, ética e política, a eleição se “fulanizou” a partir de narrativas radicais, que aprofundam a fragmentação das forças políticas mais centristas e democráticas, sem que um só candidato consiga unificá-las eleitoralmente.
Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL), à direita, e Fernando Haddad (PT), à esquerda, que lideram a disputa, representam o avanço avassalador de opiniões radicais formadas a partir das redes sociais. Caso não surja um nome alternativo pela via do “voto útil”, como prega o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o eixo da disputa se deslocará do centro para um dos extremos e nova escalada de confrontação ocorrerá no segundo turno, aprofundando a divisão da sociedade em torno de suas lideranças, sem nenhum programa unificador, apenas velhas palavras de ordem. Ou seja, teremos a “fulanização” sem ideias novas e projeto de país.
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