Quem precisa de ficção no Brasil, quem precisa do mundo paralelo de Stranger Things se um embusteiro com quase zero de aprovação consegue impor a um país inteiro as assombrações que bem entende?
O presidente Temer é internado com uma obstrução urológica e o índice da Bolsa de Valores despenca. Quem necessita de coisas estranhas tipo anos 80? Diga, amigo meu, quem carece de ficção genuinamente brasileira?
No que o chapa Bidu Queiroz, médico e cineasta pernambucano, adverte, grande leitor de plantão: assim como em “Não Verás País Nenhum”, do escritor paulista Ignácio de Loyola Brandão, o Brasil é governado por uma entidade chamada “Esquema” – aqui cabe o estelionatário Jacob, a bizarria dos mercados e todos os monstrengos derivativos do pós-golpe.
O livraço, oitentista como uma fita cassete de Stranger Things, se passa em um futuro que acaba de chegar em pleno 2017, na cidade de São Paulo. Talvez não fosse intenção do autor que se tornasse realidade tão rápido.
Estava tudo lá no Loyola Brandão safra 1981: a massa enfrenta o volume morto da crise da água e se alimenta com a mandioca factícia, um pó amarelado que vem em sacos plásticos. Não, querida Adelaide (que personagem!), não estamos lembrando a farinata de um certo alcaide tucano.
Uma palinha da distopia à brasileira: “Fomos nos habituando, de tal modo que passamos a pactuar com a tragédia, aceitando-a como cotidiano. Me espanta essa capacidade de acomodação da mentalidade, sua adaptação ao horror. Acredito que a gente possua um componente de perversidade que nos leva a encarar como normal esse pavor, a desejá-lo, às vezes, desde que não nos toque”.
Com o “Esquema” no comando é assim. Funciona para o quadrilhão, para o parlamentar do voto 171, para os apostadores da jogatina financeira... Não precisa sequer de um presidente, basta algum pau-mandado com quase zero de aprovação popular. Vale. Melhor deixar como registrado nas linhas e entrelinhas de “Não Verás País Nenhum”, o livro: “Uma porcentagem de perversidade que tem sido alimentada pelo Esquema, essa coisa tão abstrata, que consegue se manter em meio à anarquia, ao caos estabelecido como ordem, à anomalia mascarada em progresso.”
No mesmo momento em que o deputado-presidiário Jacob deixava a sua digital na votação de Brasília, o poeta Sérgio Vaz, no palco no Sesc/Campo Limpo, ZS de SP, dizia o “Manifesto da Antropofagia Periférica” na 10ª Mostra da Cooperifa, para uma plateia da quebrada. O ator baiano Wagner Moura e este cronista que vos batuca, convidados da noitada, éramos testemunhas oculares da história.
Poesia numa hora dessas?!, indagaria o Veríssimo. Precisamos como nunca. No que Sérgio Vaz manda a sua versão de “Os Miseráveis”, um poema que muita gente sabe de cor e recita em coro na periferia de SP:
“Retrato falado, Vítor tinha a cara na notícia, /enquanto Hugo fazia pose pra revista./ O da pólvora apodrece penitente, o da caneta enriquece impunemente. /A um, só resta virar crente, o outro, é candidato a presidente.”
Xico Sá
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