segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Onisciência

Seria uma heresia comparar Deus com a sociedade? Acho que não, e como não estamos na época da Inquisição nem de Torquemada podemos fazer tais ilações e delírios.

O filósofo Luiz Felipe Pondé diz que a narrativa cósmica é associada a práticas cotidianas. E que a narrativa dá sentido às práticas e as práticas dão corpo à narrativa. Seria essa a inter-relação entre Deus e a sociedade?

Procuro ver, sem discordar, por outro ângulo. Deus é onisciente, onipresente e onipotente. A sociedade também poderia ser. Guardada as devidas proporções. A sociedade é onipresente. Está em todos os lugares, como Deus. Ela, a sociedade, também é onipotente: tudo pode. Inclusive fazer revoluções, derrubar ou eleger governos, influenciar políticas públicas, mostrar caminhos e até mesmo se autodestruir. A sociedade pode fazer o seu apocalipse como construir o paraíso.

A combinação de onipresença e de onipotência faz da sociedade, potencialmente, o ente mais poderoso de um país.


Não é esse, porém, o caso brasileiro, pois a nossa sociedade não se utiliza adequadamente de sua onipresença nem de sua onipotência. Pelo fato de que não é onisciente. Pouco ou nada sabe sobre como funcionam a máquina da política e os meandros do governo. Em não sendo onisciente, pouco faz com sua onipresença e sua onipotência.

E como tal fato ocorre no Brasil?

A nossa sociedade relaciona-se de forma interesseira com o governo. É uma relação em que predominam os interesses sobre os princípios. Por quê? Porque somos uma sociedade ignorante, não apenas no que se refere à educação básica e formal, mas, sobretudo, no que tange à educação cidadã. Aí reside nossa imensa ignorância. Não sabemos de nada e não conseguimos romper o véu de opacidade que o Estado impõe à sociedade.

Em sendo assim, de nada vale sermos uma sociedade onipresente e onipotente, já que não sabemos para onde ir e os faróis que tentam nos guiar estão contaminados por agendas de poder e de interesse.

Sabemos que a sociedade jamais será onisciente. Mas poderá ser menos ignorante e mais reflexiva. Sobre tudo desconfiando dos que se vestem de bondade e de boas intenções. Pois o mau muitas vezes se disfarça de bom, de politicamente correto, de libertário. Lute pela sabedoria e pela desconfiança. Pois, como disse Santo Agostinho, mais vale ter dúvidas sobre temas complexos do que certezas de difícil comprovação.

Murillo de Aragão

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