Na América Latina, isso não acontece por acaso. É terceiro-mundista a tradição política das esquerdas do hemisfério Sul, herança do anticolonialismo e da “guerra fria”, em decorrência da atuação internacional da antiga União Soviética, da China e do Movimento de Não Alinhados. Setores da esquerda sempre se opuseram a essa lógica, mesmo antes da queda do Muro de Berlim, como é o caso da social-democracia europeia, ou o fizeram depois, como o Partido Democrático italiano. Atuaram na direção contrária e apostaram na integração competitiva à globalização e no cosmopolitismo, como é o caso da União Europeia.
Um pouco mais longe na história, a grande divisão da esquerda europeia no século passado ocorreu por causa da I Guerra Mundial, com o racha da social-democracia, protagonizado principalmente pelo poderoso Partido Social Democrata Alemão, que aprovou os créditos de guerra, e o Partido Socialista Operário Russo (bolchevique), que se opunha à guerra, com o Partido Socialista francês. A experiência social-democrata no poder foi interrompida pela guerra e somente veio a ser retomada depois da II Guerra Mundial, com a implantação do Estado de bem-estar social, no rastro do Plano Marshall, mas num ambiente de antagonismo aberto com os comunistas e o chamado “socialismo real”.
Ambas as experiências entraram em xeque após a crise do petróleo, com a onda neoliberal dos anos 1980 e a terceira revolução industrial. De certa forma, o avanço das forças conservadoras provocou uma guinada ao centro dos partidos social-democratas na Europa e nos países periféricos, ao mesmo tempo em que o comunismo no Leste Europeu entrava em colapso. O Estado do bem-estar social, em decorrência de sua crise fiscal, estava em xeque. Para se manterem como alternativa de poder, os grandes partidos de esquerda da Europa fizeram uma revisão programática.
No Brasil, como havia conquistado o poder em 1994, em meio à crise de financiamento do Estado brasileiro e a hiperinflação, o PSDB foi espelho dessa viragem, assim como aconteceu com o Partido Socialista francês, o Partido Trabalhista britânico, o Partido Socialista Operário espanhol e o Partido Socialista português. Foi então que a esquerda tradicional sapecou a pecha de neoliberal nos tucanos. De igual maneira, excomungou o antigo Partido Comunista Brasileiro, que abandonou a foice e o martelo e mudou de sigla, para PPS, em 1991. A hegemonia do PT tornou-se absoluta no campo da esquerda, principalmente após a chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, em 2002, que operou uma estratégia de desconstrução da imagem dos demais partidos.
A partir do segundo mandato de Lula, porém, começou a ocorrer uma crise de hegemonia do PT, que, em vez de fazer um “aggiornamento”, passou por um processo de “transformismo”. O surgimento do PSol e da Rede e o reposicionamento do PSB são expressão dessa crise de hegemonia. A divisão entre esquerda e direita, porém, no universo da política, manteve os velhos paradigmas.
O impeachment da presidente Dilma Rousseff, no rastro do fracasso da experiência do projeto de poder do PT, passou a ser utilizado como linha divisória entre esquerda e direita no país, mas isso é tão falso quanto a narrativa do golpe. Simplesmente porque as bandeiras defendidas são anacrônicas e retrógradas. Num país como o Brasil, de tantas injustiças e desigualdades, valores liberais somados à igualdade de oportunidades podem representar um grande avanço, e estão bem representados pelos partidos mais bem-sucedidos nas eleições municipais.
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