A saudade alia-se também à década dos 20 anos de quem escreve, mobilizado, então, pelas Diretas Já e pelo corpo do futuro indefinido, com o déficit de liberdade a que era preciso dar resposta. Já o furor, articulado e cívico, surge da afronta ao núcleo duro da Carta Magna, ferida por emendas complacentes e oportunistas, votadas a toque de caixa, pois o debate, para muitos, dissolve-se numa prática indigesta. Sob um olhar mais filosófico, no entanto, as emendas recentes violam cláusulas pétreas, e sem nenhum pudor, para atender a interesses que não contemplam a República, dentro de um plano de metas não pactuado com a sociedade.
No vácuo de poder, surgem os arlequins da antipolítica, os “puros” e “inocentes”, que não toleram sistemas e partidos, messias da extrema-direita, os populistas de todas as cores, pós-caçadores de marajás e neojanistas.
Dos inúmeros golpes desfechados contra o espírito de 1988, destaco as vicissitudes sofridas pela Uerj. A universidade pública é uma das maiores conquistas alcançadas em nosso país. Como se atrevem os governantes a essa lamentável tentativa de homicídio? Invoque-se o artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, que vem sendo infligido a toda a comunidade onde a Uerj atua. A despeito de tudo, a instituição segue muito viva, com a alta qualidade de serviços prestados ao país, cuja resiliência é causa de orgulho, forte e combativa, como jamais se viu. Penso em Paulo Freire e Darcy Ribeiro e me pergunto em que mundo acordamos, pois a espessura da utopia se confunde com os destinos da educação.
O argumento econômico é previsível, mas insuficiente — não existem óculos para a miopia dos tecnocratas. Eis a razão pela qual precisamos recuperar a esfera da alta política, em seus deveres e prerrogativas.
Será uma construção lenta, movida também por grandes furores cívicos e uma saudade obstinada pela utopia que precisamos reconstruir, em recusa ou adesão, como sujeitos do processo.
Marco Lucchesi
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