A candidatura foi lançada, em março, por meio de um manifesto encomendado aos “intelectuais de esquerda” de sempre. Nele, figuras como Chico Buarque, Leonardo Boff, Fernando de Morais e Fábio Konder Comparato oferecem três motivos pelos quais a nação precisaria de Lula: 1) “ainda é preciso incluir muita gente e reincluir aqueles que foram banidos outra vez”; 2) “é fundamental para o futuro do Brasil assegurar a soberania sobre o pré-sal, suas terras, sua água, suas riquezas”; 3) “o país deve voltar a ter um papel ativo no cenário internacional”. De fato, as políticas que estão atrás das sentenças propagandísticas subscritas pelos “intelectuais de esquerda” formam parte dos motivos para os brasileiros rejeitarem um novo mandato lulista.
A chamada “inclusão social” promovida nos mandatos do lulopetismo nunca passou de uma política de estímulo ao consumo privado, pelas vias de aumentos do salário-mínimo e das aposentadorias, transferências estatais de renda e expansão do crédito pessoal. A esquerda entrincheirada nessas políticas sociais desistiu de suas utopias desastrosas (socialismo), mas não aderiu à utopia possível da inclusão por meio do desenvolvimento econômico (produtividade) e da qualificação dos direitos sociais (educação, transportes, reforma urbana). De mais a mais, a “idade de ouro” do lulopetismo apoiou-se numa singular conjuntura internacional, que não se repetirá. O Brasil precisa da candidatura de Lula para derrotar, pelo voto, a fé anacrônica no paternalismo estatal.
Sob Lula e Dilma, a “soberania sobre o pré-sal, suas terras, sua água, suas riquezas” significou a montagem de um capitalismo de Estado organizado como aliança das empresas estatais com conglomerados privados de “amigos do rei”. No fim do arco-íris, em meio à paisagem de ruínas formada pelo colapso financeiro da Petrobras, da Eletrobras e da Caixa Econômica Federal, sobrou o maior escândalo de corrupção registrado na história brasileira. A esquerda pós-socialista elegeu, como utopia substituta, o “Estado-Odebrecht”.
Mas ele também não pode ser plenamente restaurado, pois sua versão original devastou os balanços financeiros das estatais e reduziu a capacidade do poder público de subsidiar o alto empresariado. O Brasil precisa da candidatura de Lula para derrotar, nas urnas, a crença nas virtudes do capitalismo de compadrio.
Nos governos lulistas, o “papel ativo” do Brasil no cenário internacional materializou-se, principalmente, na fracassada obsessão por uma cadeira de membro permanente no Conselho de Segurança da ONU e na aliança com o castrismo, o chavismo e o kirchnerismo. A opção preferencial por regimes autoritários manifestou-se pelo perene apoio diplomático a Havana e Caracas. Lula evidenciou seu desprezo pelas liberdades ao deportar os pugilistas cubanos, ao qualificar os presos políticos de Cuba como presos comuns e ao silenciar sobre o encarceramento de opositores na Venezuela. A esquerda que clama pela volta do ex-presidente abdicou do sistema econômico socialista, mas continua seduzida pelo monopólio do poder por um “partido dirigente”. A catástrofe venezuelana não merece uma linha de protesto dos fabricantes de manifestos. O Brasil precisa da candidatura de Lula para derrotar, no debate eleitoral, o conceito de que só merecem repúdio as ditaduras de direita.
Lula é um pragmático, não um ideólogo. A utopia política de Lula resume-se ao poder de Lula — como sabem perfeitamente os quadros petistas e até mesmo os signatários do manifesto pela sua candidatura. Contudo, as circunstâncias e os acidentes históricos preencheram o seu pragmatismo com uma série de marcadores ideológicos. Lula converteu-se em representação de um Brasil que se recusa a romper com o passado e de uma esquerda hipnotizada por utopias regressivas de segunda mão. É por isso que o Brasil precisa de Lula — não como presidente, mas como candidato.
O ciclo lulista começou com um maiúsculo triunfo eleitoral que parecia, aos olhos da maioria, inaugurar uma era redentora. A curva de declínio, nos mandatos de Dilma, completada pela implosão do impeachment, atestou uma falência política de fundo. Na depressão econômica, de proporções inéditas, e na desmoralização das instituições públicas, envenenadas pela corrupção, encontram-se os frutos maduros da longa experiência lulopetista. Contudo, como revelam as sondagens eleitorais, a queda drenou apenas parcialmente o pântano das ilusões. O Brasil não se livrará delas enquanto não tiver a oportunidade de confrontá-las na arena do voto.
Ninguém tem o privilégio de pairar acima da lei. Lula não deve ter prerrogativas negadas a Marcelo Odebrecht, Sérgio Cabral ou Eduardo Cunha. O papel desempenhado por ele nas teias de corrupção do “Estado-Odebrecht” precisa ser examinado pelos tribunais. Os juízes, espera-se, terão a coragem de ignorar a programada intimidação de hordas de militantes, julgando o ex-presidente segundo os códigos legais. Mas não há necessidade de apressar os ritos processuais, normalmente tão vagarosos.
Não corra, Moro! Não tome o lugar dos eleitores, salvando-nos de nós mesmos. Um Lula “ficha-suja” ofereceria ao lulismo um santuário inexpugnável. O Brasil precisa, enfim, mirar-se no espelho. Inexiste saída fora da política: aquilo que começou numa eleição só terminará em outra.
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