terça-feira, 22 de setembro de 2015

Quatro perguntas sobre a crise

Os matemáticos franceses Fermat e Pascal trocaram cartas em 1654, discutindo o problema da divisão dos recursos acumulados entre jogadores, caso o jogo seja interrompido antes do final. Os argumentos deram origem à teoria da probabilidade e, para muitos, esse foi o marco inicial da ciência, pois teria sido a primeira tentativa de explicar conceitualmente o imprevisível e o desconhecido. Permitiu também refletir logicamente sobre o futuro, ou seja, fazer previsões. É pressuposto de toda disciplina científica a capacidade de prever, em face da natureza mutante das coisas, o que produz algum controle sobre o que virá adiante. 


Sem a reflexão daqueles pensadores e os desenvolvimentos seguintes, como a teoria sobre riscos, certamente não teríamos observado o progresso material das sociedades. Foi o conhecimento que ativou a dinâmica social, quebrando a paralisia da Idade Média. Mas as ciências dedicadas aos comportamentos sociais, no entanto, não desenvolveram a mesma capacidade de previsão, poder que prosperou de forma fulgurante na Era Moderna entre os demais campos científicos. Onde os humanos incidem mais diretamente sobre os processos e fenômenos o grau de imprevisibilidade é muito maior e enxergar mais claramente o futuro se torna duro desafio. É preciso redobrada cautela, por exemplo, quando debatemos sobre processos políticos ou, ainda mais assombroso, quando assoma uma gigantesca crise como a ora vivida por todos nós, brasileiros.

Por isso arrisco submeter apenas quatro perguntas sobre a crise atual, esperando construir alguma concordância nas respostas.

A primeira delas indaga sobre o epicentro do terremoto que nos assola e se vai avolumando, em espiral avassaladora. É uma crise política ou seu fulcro é, sobretudo, a parada econômica, originada no monumental desarranjo das contas públicas? Ouso sugerir, como hipótese, que os dois focos são centrais, mas talvez a razão maior da crise seja o que intitularíamos de “o campo petista no poder”.

Sem detalhamento neste espaço, até porque suas inúmeras facetas são notórias, há um fato objetivo: o partido recebe em nossos dias a mais profunda antipatia da sociedade e se esgotou espetacularmente como proposta partidária. É descontentamento que se vai traduzindo, cada vez mais, em repulsa visceral. O que temos observado, desde os eventos de 2013, é apenas o crescimento desse sentimento coletivo, atualmente espalhado entre todos os grupos sociais e em todas as regiões.

A impopularidade da presidente, de fato, abarca todo o campo petista. Por isso, a crise tem um primeiro imperativo, que é discutir e concretizar a forma democrática justa de remover o PT do poder central. Sem uma resposta adequada a esse bloqueio viveremos um período ampliado de conflitos de diversas ordens, uma “agonia de longa duração” que se estenderá pelo menos até 2018.

A segunda pergunta é mais direta: o que se passa pela cabeça de Michel Temer? Aos 74 anos e com uma pálida trajetória política, a História oferece-lhe agora a chance inusitada de figurar no panteão dos grandes brasileiros. E não precisaria muito: como presidente do PMDB, bastará convencer a maioria de seus correligionários a concordar com a travessia dos próximos três anos sob seu comando, abandonando a aliança com os petistas. Se o fizer, a faixa presidencial trocará de dono e não será preciso nenhum Fiat Elba para justificar a ansiada mudança. O impeachment é processo político e apear do poder um grupo que tem a idiotia como forma de governo já é argumento suficiente. Temer e seu partido, contudo, provavelmente hesitam porque não têm ainda em mãos uma resposta satisfatória à terceira pergunta.

Esta seria: existirá uma via de ação que nos tire da crise econômica em tempo o mais curto possível? Lendo avidamente os especialistas, resta apenas uma certeza – é generalizado o tiroteio entre os diversos diagnósticos disponíveis e ninguém garante nada. Assim, assumir a Presidência representará um risco político altíssimo e dificilmente um partido gelatinoso como o PMDB se moverá em tal direção. É urgente que um grupo realista, experiente e suprapartidário de economistas ofereça um roteiro consistente para atravessar o mar proceloso da recessão que vem afligindo o nosso país. Será o manual de instruções que talvez convença esse partido a dar o passo reclamado por quase todos os brasileiros.

Quarta pergunta: haverá reação significativa dos famosos movimentos sociais ou de outros setores? Entendo ser muito improvável. A crise é tão abissal que aqueles que usam a retórica de esquerda para reagir à mudança presidencial não terão tropas sociais para nenhum confronto. O movimento sindical cutista, por exemplo, desmoralizou-se em face de sua postura invertebrada em relação aos desmandos petistas no poder e divide o espaço sindical com diversas outras confederações mais responsáveis, alarmadas com o crescente desemprego, que se alastra em todos os setores. E outras ameaças? Alguém ainda acredita em “movimento estudantil”? Já o “exército do Stédile” não passa de risível ficção, pois o MST, concretamente, nem existe mais.

Em síntese, hoje nos deparamos com um contexto explosivo, pois existe uma espantosa escassez de lideranças e dependemos de políticos míopes e de um partido inconfiável, atuando como coadjuvante do patético partido que finge nos governar. E pior, não temos uma carta de navegação segura à mão para atravessar o desastre que se vai formando. É preciso ter mais sentido de urgência e, em especial, mais comprometimento com a sociedade, o País e seu futuro. Mantidos o impasse e a exasperante lentidão decisória, os protestos se tornarão incontroláveis e, aí sim, a confusão política e o destino de nossa economia se tornarão absolutamente imprevisíveis.

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