Leio no jornal que o economista Fabio Biambiagi escreveu um livro chamado “Capitalismo – Modo de Usar”, no qual há uma frase essencial para entendermos o caos da economia brasileira: “Mesmo após o sepultamento do socialismo no mundo e a ascensão do capitalismo como sistema dominante em quase todo o planeta, o Brasil mantém um componente anticapitalista enraizado na sociedade” .
Deu no que deu: tudo que era sólido no país hoje se desmancha no ar. A catástrofe era inevitável porque eles não têm memória (ou não querem ter) do passado de erros que a chamada “esquerda” cometeu nos últimos 50 anos.
Eu já fui do Partido Comunista. Por três semanas. Nunca vi nada tão chato como reunião de comunas. As discussões jamais contemplavam a complexidade do processo brasileiro. Tudo se dividia em três classes: o proletariado, a pequena burguesia e a burguesia, todas dominadas pelo chamado “imperialismo norte-americano” – a palavra mágica que tudo explicava. O que mais me intrigava e irritava eram as toscas premissas para a ação política.
Dentro deste enorme país, raciocinávamos com as mesmas ideias que ressoam até hoje nas reuniões dos herdeiros da ilusão: o PT, melhor, o Ex-PT, hoje oportunista e de direita. E, pior, essa estupidez é ensinada pelos professores nas universidades, catequizando jovens desinformados.
Mas eu, na minha vacilação de “pequeno-burguês da zona Sul”, olhava do meu canto a sutil burrice nas ideias e sentia que alguma coisa estava terrivelmente errada naquela esperança arrogante. Eu via o reducionismo, a insensatez nas discussões, não porque eu fosse mais lúcido, mas porque o delírio era muito visível. Qualquer dúvida levantada contra a “linha justa” era denunciada como “revisionismo” ou “alienação”. Discutíamos infinitamente para chegar à mesma conclusão da qual partíamos. Ideologia é isso. Quase todos esses cacoetes derivavam de um só sentimento: “Somos superiores”.
Antes do golpe de 64, antes da luta armada pós-68, já vivíamos na ilusão de um programa para o país feito de projetos inócuos como “reformas de base”, reforma urbana, agrária etc., mas ninguém tinha a mínima ideia de como implantá-las. Vivíamos de frases, pois a competência era coisa de gente de “direita” que raciocinava dentro do “sistema”. Era espantoso o autoengano. Antes do golpe, nos comportávamos como destinados a uma missão, que seria fácil. Falávamos uma língua própria, tínhamos gestos próprios e contávamos até com o presidente da República para dar partida à revolução. Relacionávamo-nos como companheiros de uma grande missão. Estava tudo nítido na maneira de falar, nas certezas irremovíveis, no sentimento de especialidade em relação ao resto do país; e até mesmo durante a ditadura, nossa dor nos enobrecia como “vítimas do mal”, sentindo certo orgulho de nossa solidão.
O golpe de 64 não aconteceu apenas por causa das marchas da família com Deus, mas se deu pela absoluta ignorância da população sobre esses desejos teóricos sem base na realidade. Ninguém sabia de nada. Falávamos de operários e camponeses como se eles estivessem de mãos dadas conosco, os “revolucionários”.
O espantoso foi a facilidade com que se deu o golpe. Descobrimos (alguns) que não tínhamos nada nas mãos, que nosso sonho tinha virado um pesadelo. E até hoje muita gente não se dá conta disso. E mais: esses caras que estão no poder acham que estão retomando a agenda de 63, na base do “antes não deu, mas agora vamos”.
No entanto, dentro do curto espaço democrático que ainda havia, o Brasil ficou mais inteligível depois da queda de 64. A desgraça nos ensinou muito. Ficou mais claro que o buraco era mais embaixo, que a realidade brasileira não se resumia a três ou quatro obviedades críticas. O golpe sofisticou nosso entendimento. Mas os futuros e atuais petistas renegaram essa evidência.
Antes do golpe de 64, antes da luta armada pós-68, já vivíamos na ilusão de um programa para o país feito de projetos inócuos como “reformas de base”, reforma urbana, agrária etc., mas ninguém tinha a mínima ideia de como implantá-las. Vivíamos de frases, pois a competência era coisa de gente de “direita” que raciocinava dentro do “sistema”. Era espantoso o autoengano. Antes do golpe, nos comportávamos como destinados a uma missão, que seria fácil. Falávamos uma língua própria, tínhamos gestos próprios e contávamos até com o presidente da República para dar partida à revolução. Relacionávamo-nos como companheiros de uma grande missão. Estava tudo nítido na maneira de falar, nas certezas irremovíveis, no sentimento de especialidade em relação ao resto do país; e até mesmo durante a ditadura, nossa dor nos enobrecia como “vítimas do mal”, sentindo certo orgulho de nossa solidão.
O golpe de 64 não aconteceu apenas por causa das marchas da família com Deus, mas se deu pela absoluta ignorância da população sobre esses desejos teóricos sem base na realidade. Ninguém sabia de nada. Falávamos de operários e camponeses como se eles estivessem de mãos dadas conosco, os “revolucionários”.
O espantoso foi a facilidade com que se deu o golpe. Descobrimos (alguns) que não tínhamos nada nas mãos, que nosso sonho tinha virado um pesadelo. E até hoje muita gente não se dá conta disso. E mais: esses caras que estão no poder acham que estão retomando a agenda de 63, na base do “antes não deu, mas agora vamos”.
No entanto, dentro do curto espaço democrático que ainda havia, o Brasil ficou mais inteligível depois da queda de 64. A desgraça nos ensinou muito. Ficou mais claro que o buraco era mais embaixo, que a realidade brasileira não se resumia a três ou quatro obviedades críticas. O golpe sofisticou nosso entendimento. Mas os futuros e atuais petistas renegaram essa evidência.
Depois, a barra pesou. 1968 foi o início de outro tipo de ilusão. Derrotaríamos a ditadura com armas revolucionárias. Bela proposta inexequível – foram muitos admiráveis heróis, mas, apesar disso, estavam errados. A luta armada foi uma tragédia de ilusões perdidas. Vimos, então, a espantosa eficiência da repressão. Foi um massacre. Essa coragem dos guerrilheiros era inviável por causa da mentalidade das tradicionais regras de luta armada clássica. A guerrilha urbana trabalhava nas brechas escuras da realidade, secreta, fugindo da morte, achando que ia derrotar o Exército com meia dúzia de revólveres e assaltos a banco. A guerrilha foi heroica, mas convencional. Havia quase 40 grupos na luta armada.
Um dos celebrados líderes foi Carlos Marighela, herói voluntarista e onipotente que, entre outros indícios de loucura, escreveu, no “Manual de Guerrilha” : “É necessário que todo guerrilheiro urbano tenha em mente que somente poderá sobreviver se estiver disposto a matar os policiais e todos aqueles dedicados à repressão, e se estiver verdadeiramente dedicado a expropriar a riqueza dos grandes capitalistas, dos latifundiários e dos imperialistas”. Nunca disse como. Leiam o resto na web.
O grande salto qualitativo, a grande vitória da guerrilha, foi a superação desse silêncio secreto por um gesto que repercutiu no mundo todo: o sequestro do embaixador norte-americano por Gabeira e seu grupo. Foi um ato contemporâneo muito mais eficaz do que heroísmo e suicídios secretos. Isso questionou a ditadura, expôs sua vergonhosa impotência diante da imaginação dos guerreiros. A ditadura sentiu o golpe e redobrou sua violência criminosa, mas sua mediocridade estava exposta.
Por isso, me apavora a marcha á ré que nos ameaça, pela falta de memória e burrice do poder.
Agora, quando o capitalismo está na China e renasce timidamente em Cuba, só resta a eles a companhia da Coreia do Norte.
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