O presidente Michel Temer talvez nunca tenha cometido uma tolice tão grande quanto a citada na imprensa – a tal interferência a favor de um interesse particular. Mas, apesar de sua fama de astuto e prudente, deixou-se envolver num escândalo tão evitável quanto grotesco, desperdiçando energia e capital político essenciais para a nova estratégia econômica.
Nem seria preciso saber, para condená-lo, se o ministro Vieira Lima de fato pressionou seu colega da Cultura para liberar a construção de um edifício em Salvador. A mera conversa sobre um negócio particular já seria, como ensinavam as mães em outros tempos, muito inconveniente. Mas o presidente preferiu preservar seu secretário, considerado indispensável, segundo os aliados, como articulador e negociador político. É difícil, para quem vive fora das jogadas de Brasília, entender a importância de um negociador capaz de expor o governo a uma situação tão constrangedora. Para ser, apesar de tudo, indispensável, uma figura desse tipo deve ter talentos extraordinários.
Também esse ponto é inquietante. Será tão difícil, para o presidente Michel Temer, encontrar e recrutar negociadores competentes e preocupados com o decoro? A qualidade de seu Ministério, desde a interinidade, sempre foi preocupante. Com exceção de uns poucos nomes, na maior parte ligados a assuntos econômicos, a equipe tropeçou desde o começo. Alguns ministros ainda se notabilizaram por fazer declarações inconvenientes e, além disso, por escolherem os piores momentos para se manifestar. Tentando aparecer em lances individuais, logo evidenciaram a dificuldade do presidente para montar e conduzir um jogo de equipe.
Como a agenda econômica é a mais complicada, bastaria ao governo, conforme muitos devem ter imaginado, uma equipe qualificada para cuidar das contas públicas, da inflação, do investimento oficial e do programa de reformas. Quem fez essa avaliação errou.
Todos esses temas envolvem muito mais que desafios técnicos e administrativos. Muitas ações, como a criação de um teto para despesa pública, dependem do Legislativo. Algumas, como a reforma da Previdência e as mudanças trabalhistas, forçarão o governo a se entender também com sindicatos e outras organizações. Qualquer reforma tributária mais ou menos séria terá de passar por um difícil entendimento com os 27 governadores. Se o governo cumprir com sucesso, até 2018, apenas uma parte dessa pauta, com prioridade para a arrumação fiscal, terá realizado um belo trabalho e deixará aberto o caminho para a etapa seguinte.
Para isso um apoio seguro no Parlamento é uma necessidade evidente. Competência jurídica para evitar tropeços legais tem sido e continuará sendo indispensável. Mas também é muito importante a presença de um bom articulador político, no mínimo para garantir os votos necessários no Congresso. Até agora, curiosamente, o político Michel Temer tem mostrado mais discernimento na agenda econômica do que na avaliação dos desafios e riscos políticos.
De toda forma, a semana terminou com duas notícias positivas. Uma delas foi o afastamento, depois de um perigoso atraso, do ministro Geddel Vieira Lima. A outra foi a edição da Medida Provisória (MP) 752/2016, para reativação do programa de concessões. Polêmica em alguns pontos, a MP abre espaço para a renovação antecipada de algumas concessões na área de transportes e para a relicitação de outras. Houve críticas e o governo terá de enfrentar a resistência de concessionários encrencados. Mas foi consumado o lance inicial para reativação do programa de infraestrutura, e esse é um dado animador.
Se der tudo certo, disso poderá surgir o empurrão inicial para a retomada do investimento e a reanimação da economia, depois de uma longa e profunda recessão. Além disso, os cidadãos têm o direito de esperar um presidente, a partir de agora, menos leniente em suas avaliações políticas.
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