sábado, 30 de setembro de 2017
De volta para o passado
Há um tema recorrente em várias lendas: o do personagem que dorme por muito tempo e, ao acordar, não reconhece mais nada. No Brasil de hoje, a impressão por vezes é outra. O retrocesso é de tal monta que por vezes dá a sensação de que estamos todos de volta para o passado — mais remoto ou mais próximo, segundo o caso.
“Avante, soldados: para trás” é o título de um romance de Deonísio da Silva sobre o episódio histórico da Retirada da Laguna. Impossível não evocar essa ordem de recuo agora. O general Antonio Mourão fez palestra em Brasília e afirmou que pode haver intervenção militar se o Judiciário não solucionar o problema político do país.
O general Augusto Heleno declarou apoio. Mas o comandante do exército, general Eduardo Villas Bôas, rejeitou essa hipótese em “Conversa com Bial”. Frisou, porém, que a Constituição dá às Forças Armadas o poder de intervir legitimamente.
Tudo bem que não dar maior importância diminui a repercussão. Mas lembrar que as Forças Armadas têm o mandato de fazer intervenção, na iminência de uma situação de caos, não ajuda muito. Em que década estamos?
Em outro campo, apesar de réu em vários processos, Lula aparece como primeiro colocado em pesquisa encomendada pela Confederação Nacional do Trabalho. Lidera intenções de votos em todos os cenários. No primeiro turno, a menção espontânea a seu nome é dez vezes maior que a de Marina, por exemplo — e o dobro de Bolsonaro que, no entanto, cresce no papel de anti-Lula. Em que ano estamos?
Na área comportamental, o moralismo hipócrita campeia. Comissão especial da Câmara dos Deputados vota mudança na Constituição para proibir qualquer tipo de aborto, mesmo os que hoje são legalmente permitidos.
Exposição no Santander do Rio Grande do Sul desencadeia série de trapalhadas e lambanças em meio a onda moralista.
Por um lado, recebia dinheiro público e, como contrapartida, organizou amplo programa de visitas escolares. Foi acusada de incitação à pedofilia e incentivo à zoofilia.
Por outro lado, o banco mais uma vez tratou de se mostrar dócil às pressões — como já fizera no caso das críticas de Lula a uma analista financeira que orientava investimentos, logo demitida.
Além disso, houve o cancelamento de uma peça teatral em Jundiaí por ferir suscetibilidades. E uma apreensão de quadros pela polícia a mando de deputados.
E evangélicos seguem apedrejando praticantes de cultos afro, invadem terreiros, fazem quebra-quebra, apontam armas para mães e pais de santo, demonizam e perseguem fiéis de outras crenças.
E a prefeitura do Rio quer saber a religião de quem se inscreve em academias de ginástica. E o deputado Pastor Franklin quer que rádios públicas sejam obrigadas a tocar músicas religiosas, sob pena de suspensão da concessão. Com que legitimidade?
De repente, no meio da tarde, a televisão mostra o STF discutindo se ensino religioso em escola pública deve ser confessional ou genérico. Como assim?
Que jabuti é esse? Escola pública não tinha de ser leiga?
Não foi essa uma conquista do país há mais de meio século?
Como ficou obrigatório ter aulas de religião pagas com o dinheiro de todos?
Mudaram a Constituição, e o país dormia e nem reparou?
Em que século estamos?
Mais de metade das cadernetas de vacinação das crianças não está em dia. Abandonou-se essa pré-condição para receber a Bolsa Família, ninguém mais liga. Mas é grave: trata-se da saúde infantil. Desde quando os programas sociais se acham no direito de dispensar a exigência de contrapartidas? Era uma avanço da sociedade.
Gangues dominam o Rio com tiroteios e intimidação ou se apossam do Estado pela força, passando por cima da lei. Concretiza-se o risco apontado pelo então secretário Beltrame, quando insistia em frisar que UPP era só o início mas não adiantaria retomar o território ao crime se o poder público não entrasse a seguir, garantindo aos moradores os serviços essenciais a que todos têm igualmente direito.
O retrocesso faz parte da nossa ojeriza a diminuir desigualdade. E dá nesse Estado paralelo a serviço do crime.
Em que milênio estamos?
No meio disso, a proposta do advogado do bandido Nem é chamar o “reeducando” para controlar o crime de perto. Ou seja, transferir para o Rio o criminoso, atualmente em presídio de segurança máxima em Rondônia, e lhe passar a tarefa de reduzir a criminalidade no estado. Esse advogado até o ano passado era presidente estadual de um partido em SP.
No STF, o neoministro Alexandre de Moraes pediu vistas e há meses senta em cima da proposta de limitação do foro privilegiado, garantindo que nada muda nessa área e impedindo que a Justiça siga seu rumo.
A combinação de moralismo, conservadorismo político, ignorância, corrupção, negação dos fatos e tantos outros males nos joga neste pesadelo desesperador em que vivemos. Não precisa terremoto nem furacão para causar estragos. Basta nosso próprio retrocesso. A um arquipélago de obscurantismo num oceano de barbárie. De volta a um passado inaceitável.
“Avante, soldados: para trás” é o título de um romance de Deonísio da Silva sobre o episódio histórico da Retirada da Laguna. Impossível não evocar essa ordem de recuo agora. O general Antonio Mourão fez palestra em Brasília e afirmou que pode haver intervenção militar se o Judiciário não solucionar o problema político do país.
O general Augusto Heleno declarou apoio. Mas o comandante do exército, general Eduardo Villas Bôas, rejeitou essa hipótese em “Conversa com Bial”. Frisou, porém, que a Constituição dá às Forças Armadas o poder de intervir legitimamente.
Tudo bem que não dar maior importância diminui a repercussão. Mas lembrar que as Forças Armadas têm o mandato de fazer intervenção, na iminência de uma situação de caos, não ajuda muito. Em que década estamos?
Na área comportamental, o moralismo hipócrita campeia. Comissão especial da Câmara dos Deputados vota mudança na Constituição para proibir qualquer tipo de aborto, mesmo os que hoje são legalmente permitidos.
Exposição no Santander do Rio Grande do Sul desencadeia série de trapalhadas e lambanças em meio a onda moralista.
Por um lado, recebia dinheiro público e, como contrapartida, organizou amplo programa de visitas escolares. Foi acusada de incitação à pedofilia e incentivo à zoofilia.
Por outro lado, o banco mais uma vez tratou de se mostrar dócil às pressões — como já fizera no caso das críticas de Lula a uma analista financeira que orientava investimentos, logo demitida.
Além disso, houve o cancelamento de uma peça teatral em Jundiaí por ferir suscetibilidades. E uma apreensão de quadros pela polícia a mando de deputados.
E evangélicos seguem apedrejando praticantes de cultos afro, invadem terreiros, fazem quebra-quebra, apontam armas para mães e pais de santo, demonizam e perseguem fiéis de outras crenças.
E a prefeitura do Rio quer saber a religião de quem se inscreve em academias de ginástica. E o deputado Pastor Franklin quer que rádios públicas sejam obrigadas a tocar músicas religiosas, sob pena de suspensão da concessão. Com que legitimidade?
De repente, no meio da tarde, a televisão mostra o STF discutindo se ensino religioso em escola pública deve ser confessional ou genérico. Como assim?
Que jabuti é esse? Escola pública não tinha de ser leiga?
Não foi essa uma conquista do país há mais de meio século?
Como ficou obrigatório ter aulas de religião pagas com o dinheiro de todos?
Mudaram a Constituição, e o país dormia e nem reparou?
Em que século estamos?
Mais de metade das cadernetas de vacinação das crianças não está em dia. Abandonou-se essa pré-condição para receber a Bolsa Família, ninguém mais liga. Mas é grave: trata-se da saúde infantil. Desde quando os programas sociais se acham no direito de dispensar a exigência de contrapartidas? Era uma avanço da sociedade.
Gangues dominam o Rio com tiroteios e intimidação ou se apossam do Estado pela força, passando por cima da lei. Concretiza-se o risco apontado pelo então secretário Beltrame, quando insistia em frisar que UPP era só o início mas não adiantaria retomar o território ao crime se o poder público não entrasse a seguir, garantindo aos moradores os serviços essenciais a que todos têm igualmente direito.
O retrocesso faz parte da nossa ojeriza a diminuir desigualdade. E dá nesse Estado paralelo a serviço do crime.
Em que milênio estamos?
No meio disso, a proposta do advogado do bandido Nem é chamar o “reeducando” para controlar o crime de perto. Ou seja, transferir para o Rio o criminoso, atualmente em presídio de segurança máxima em Rondônia, e lhe passar a tarefa de reduzir a criminalidade no estado. Esse advogado até o ano passado era presidente estadual de um partido em SP.
No STF, o neoministro Alexandre de Moraes pediu vistas e há meses senta em cima da proposta de limitação do foro privilegiado, garantindo que nada muda nessa área e impedindo que a Justiça siga seu rumo.
A combinação de moralismo, conservadorismo político, ignorância, corrupção, negação dos fatos e tantos outros males nos joga neste pesadelo desesperador em que vivemos. Não precisa terremoto nem furacão para causar estragos. Basta nosso próprio retrocesso. A um arquipélago de obscurantismo num oceano de barbárie. De volta a um passado inaceitável.
Em vez de salvar o Aécio, deveriam matar o foro
Há no Brasil mais de 220 mil presos provisórios. São brasileiros pobres que mofam esquecidos nas cadeias à espera de um julgamento. Mas Brasília vive um curto-circuito desde que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal proibiu Aécio Neves de sair de casa à noite. Num esforço para desligar a crise da tomada, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, prometeu ao presidente do Senado, Eunício Oliveira, que levará a julgamento em 11 de outubro uma ação que sustenta que as sanções contra parlamentares têm de ser aprovadas pela Câmara e pelo Senado. Numa palavra: deseja-se a restauração da impunidade.
Aécio e sua irmã foram gravados pedindo R$ 2 milhões ao corruptor Joesley Batista. Um primo de Aécio foi filmado recebendo mochilas com dinheiro. Um amigo de Aécio foi pilhado ocultando parte da verba. Diante de tudo isso, ministros que chegaram ao Supremo com o aval do Senado aplicaram uma lei aprovada pelos senadores para afastar Aécio do mandato e proibi-lo de sair de casa à noite. E os senadores agora informam que a lei que eles aprovaram para criar punições diferentes da prisão clássica vale para qualquer brasileiro, menos para eles.
Enquanto o plenário do Supremo se equipa para decidir que as punições impostas a Aécio pela Segunda Turma do mesmo Supremo não valem, permanece na gaveta há 115 dias o processo que impõe restrições ao foro privilegiado. Esse processo, se fosse julgado pelo Supremo, atenuaria o problema, pois investigações como a de Aécio desceriam para a primeira instância do Judiciário, onde mofam os 220 mil brasileiros presos sem uma sentença.
O Brasil será outro país no dia em que matar excrecências como o foro privilegiado for mais importante do que salvar da extinção a tribo dos aécios.
Enquanto o plenário do Supremo se equipa para decidir que as punições impostas a Aécio pela Segunda Turma do mesmo Supremo não valem, permanece na gaveta há 115 dias o processo que impõe restrições ao foro privilegiado. Esse processo, se fosse julgado pelo Supremo, atenuaria o problema, pois investigações como a de Aécio desceriam para a primeira instância do Judiciário, onde mofam os 220 mil brasileiros presos sem uma sentença.
O Brasil será outro país no dia em que matar excrecências como o foro privilegiado for mais importante do que salvar da extinção a tribo dos aécios.
A aprovação e a desaprovação de Lula
Tamanha é a confusão e tão numerosos são os conflitos, escândalos e escaramuças cotidianas da política nacional que vai ficando impossível discutí-los no varejo. São ''os casos de fulano'' — assim, no plural; ninguém está metido numa encrenca apenas — ''as questões de beltrano'' e ''os rolos de sicrano'' que a análise se perde nos detalhes de uma dinâmica vertiginosa. Quem diz estar informado mente por má-fé ou simplesmente por desinformado que está. Ninguém armazena tanta informação e menos ainda processa tamanha complexidade. Tudo o que era sólido tornou-se impalpável e explodiu no ar.
Os fatos vistos no atacado têm feição mais clara: na grande fotografia da política nacional, pode-se dizer que o sistema ruiu: os partidos se desintegram à luz do dia, a liderança escafedeu-se na confusão e na grande divergência; a modernidade líquida fez, por aqui, um tremendo pântano de descrédito. As pesquisas e abordagens estatísticas demonstram isto: no quesito confiança nos políticos — num ranking de 137 países, organizado pelo Fórum Econômico Mundial — o Brasil ocupa exatamente o último lugar.
No Barômetro Político, do Instituto Ipsos, a desaprovação aos políticos brasileiros é estratosférica. A rigor, ninguém se salva: mesmo quem não é formalmente político e caiu nas graças da galera, como o juiz Sérgio Moro, tem índices elevadíssimos de desaprovação (45%); novidades de ontem, como o prefeito de São Paulo, João Doria, tampouco, ficam para trás (58%). Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin e o recordista Michel Temer, ninguém expressa confiança e passa pelo crivo da maioria. O governo Temer, aliás, pelo Ibope/CNI, é aprovado por rastejantes 3% dos pesquisados.
Claro que os dados colhidos por abordagens desse tipo partem de observações subjetivas, mas, concretamente, há razões mais que justificadas para estes resultados. A promessa da Política — entregar ao cidadão segurança, justiça e bem-estar — não se realiza; há medo no presente e insegurança quanto ao futuro. A frustração é evidente.
Petistas, no entanto, comemoraram outros tentos; vão argumentar que com Lula é diferente. Crentes, sustentam que os índices de reprovação ao ex-presidente têm caído (de 66% para 59%), contrariando o movimento dos demais postulantes à eleição do ano que vem e as expectativas, após tanto desgaste que o petista, de fato, vem sofrendo. Bradam que Lula é o primeiro colocado nas sondagens eleitorais e que sua caravana pelo Nordeste do Brasil foi um sucesso. Dados como os quais, supõem, desqualificam qualquer análise crítica que se faça ao ex-presidente. Reagem veementemente à crítica. Faz parte.
Neste momento, o analista precisa sair do atacado, voltar ao varejo: Lula é de fato um fenômeno político e social e, na verdade, deve ser entendido como um caso particular. Mas, está aquém da condição de ''acima do bem e do mal'' que seus apóstolos proclamam. Sua situação emana menos de si próprio do que da parcela do eleitorado que realmente se seduz pelos símbolos que em Lula se encerram — trata-se de uma parcela significativa, grande; evidentemente, considerável. Mas, pelo menos por enquanto, ainda bem distante de formar a maioria da sociedade.
De um modo amplo e bastante generoso, pode-se dizer que Lula tem o apoio de 1/3 do eleitorado. Quem o aprova o faz quase por veneração — alguns com motivos justificados para isso, dadas as políticas sociais de seus mandatos; outros, pelas condições e interesses corporativos que Lula e o PT de algum modo encarnam. E uns outros por considerações ideológicas que, numa sociedade democrática, também são legítimas. No mundo, tudo tem razão de ser.
O fato é que quem o aprova, o adora — há muito tempo. É um eleitorado tradicional de Lula e do PT, que existia desde antes da experiência dos governos petistas. Contudo, quem o desaprova, por outro lado, hoje é maioria. À parte daqueles que o detestam com todas suas forças — o que deve ser algo em torno de um terço também; há uma grande parcela do eleitorado que simplesmente deixou de confiar e não gostaria de repetir a experiência petista, mostram as pesquisas. Voltamos à teoria dos três terços, que Duda Mendonça — o marqueteiro da primeira vitória — explicava em 2002: o desafio era conquistar um terço dos indiferentes a Lula.
Acontece que esses casos intermediários — nem adora, nem detesta — parecem ser hoje pouco expressivos; o Lula de 2017 desperta quase tudo que um fenômeno político-emocional é capaz de despertar: amor e ódio, menos indiferença. Na história política nacional, é pouco provável que tenha havido personagem capaz de fazer aflorar no eleitor sentimentos tão fortes e contraditórios assim — talvez nem mesmo Getúlio Vargas.
Isto, no entanto, se traduz como uma grande questão para a democracia brasileira, nestes tempos difíceis: a emoção desmedida tende a recusar fatos objetivos e dados de realidade; tende a contestar decisões formais das instituições; tende a incentivar conflitos, agudizar as disputas políticas e dramatizar as eleições.
Um exemplo: parte expressiva de seus apoiadores ficará muito, mas muito, contrariada caso o ex-presidente seja impedido pela justiça de disputar a eleição do ano que vem. Todavia, sua presença no pleito também tende a instigar, e muito, parcela da sociedade que o rejeita. Em outras palavras: a eventual condenação de Lula teria evidentes implicações políticas; mas sua absolvição tampouco seria assimilada com naturalidade.
É interessante ouvir os dois lados afirmarem que o ''outro'' terá que se submeter a uma decisão contrária quando ele mesmo não admite faze-lo se a decisão for em seu dissabor. Acima da figura, do ex-presidente, o que poderá ser colocado à prova será a credibilidade da Justiça e sua aceitação por esses setores da sociedade. A eventual prisão (ou não) de Lula não teria o mesmo significado que o impeachment de Dilma e, talvez, nem o mesmo tipo de reação.
Exatamente por isso, a atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chegou a afirmar que os petistas deveriam boicotar a eleição, denunciando o que chamam de ''consumação do golpe'', caso Lula não esteja na cédula eleitoral, impedido pela Justiça. Gleisi, é claro, causou mal-estar até em parlamentares da legenda que pretendem disputar novos mandatos à parte de qualquer coisa e acima de tudo. Mas, sua manifestação encontra eco na militância e em boa parte da população que aprova o ex-presidente.
É pouco provável que manifestações como a carta recentemente publicada por Antônio Palocci venha a alterar significativamente este quadro. A manifestação do ex-ministro de Lula e Dilma é sumariamente desqualificada pela militância — delação boa, já disse aqui, é só a que arde no circulo íntimo do adversário. Mas, tampouco, um hipotético desmentido de Palocci alteraria a convicção dos que já condenaram Lula. Não há deus ou diabo que resolva essa desinteligência. As posições são irredutíveis e estancou as possibilidades de diálogo. É evidente que um ambiente assim não é nada saudável; pode, aliás, ser até bastante perigoso.
Carlos Melo
Os fatos vistos no atacado têm feição mais clara: na grande fotografia da política nacional, pode-se dizer que o sistema ruiu: os partidos se desintegram à luz do dia, a liderança escafedeu-se na confusão e na grande divergência; a modernidade líquida fez, por aqui, um tremendo pântano de descrédito. As pesquisas e abordagens estatísticas demonstram isto: no quesito confiança nos políticos — num ranking de 137 países, organizado pelo Fórum Econômico Mundial — o Brasil ocupa exatamente o último lugar.
No Barômetro Político, do Instituto Ipsos, a desaprovação aos políticos brasileiros é estratosférica. A rigor, ninguém se salva: mesmo quem não é formalmente político e caiu nas graças da galera, como o juiz Sérgio Moro, tem índices elevadíssimos de desaprovação (45%); novidades de ontem, como o prefeito de São Paulo, João Doria, tampouco, ficam para trás (58%). Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin e o recordista Michel Temer, ninguém expressa confiança e passa pelo crivo da maioria. O governo Temer, aliás, pelo Ibope/CNI, é aprovado por rastejantes 3% dos pesquisados.
Claro que os dados colhidos por abordagens desse tipo partem de observações subjetivas, mas, concretamente, há razões mais que justificadas para estes resultados. A promessa da Política — entregar ao cidadão segurança, justiça e bem-estar — não se realiza; há medo no presente e insegurança quanto ao futuro. A frustração é evidente.
Neste momento, o analista precisa sair do atacado, voltar ao varejo: Lula é de fato um fenômeno político e social e, na verdade, deve ser entendido como um caso particular. Mas, está aquém da condição de ''acima do bem e do mal'' que seus apóstolos proclamam. Sua situação emana menos de si próprio do que da parcela do eleitorado que realmente se seduz pelos símbolos que em Lula se encerram — trata-se de uma parcela significativa, grande; evidentemente, considerável. Mas, pelo menos por enquanto, ainda bem distante de formar a maioria da sociedade.
De um modo amplo e bastante generoso, pode-se dizer que Lula tem o apoio de 1/3 do eleitorado. Quem o aprova o faz quase por veneração — alguns com motivos justificados para isso, dadas as políticas sociais de seus mandatos; outros, pelas condições e interesses corporativos que Lula e o PT de algum modo encarnam. E uns outros por considerações ideológicas que, numa sociedade democrática, também são legítimas. No mundo, tudo tem razão de ser.
O fato é que quem o aprova, o adora — há muito tempo. É um eleitorado tradicional de Lula e do PT, que existia desde antes da experiência dos governos petistas. Contudo, quem o desaprova, por outro lado, hoje é maioria. À parte daqueles que o detestam com todas suas forças — o que deve ser algo em torno de um terço também; há uma grande parcela do eleitorado que simplesmente deixou de confiar e não gostaria de repetir a experiência petista, mostram as pesquisas. Voltamos à teoria dos três terços, que Duda Mendonça — o marqueteiro da primeira vitória — explicava em 2002: o desafio era conquistar um terço dos indiferentes a Lula.
Acontece que esses casos intermediários — nem adora, nem detesta — parecem ser hoje pouco expressivos; o Lula de 2017 desperta quase tudo que um fenômeno político-emocional é capaz de despertar: amor e ódio, menos indiferença. Na história política nacional, é pouco provável que tenha havido personagem capaz de fazer aflorar no eleitor sentimentos tão fortes e contraditórios assim — talvez nem mesmo Getúlio Vargas.
Isto, no entanto, se traduz como uma grande questão para a democracia brasileira, nestes tempos difíceis: a emoção desmedida tende a recusar fatos objetivos e dados de realidade; tende a contestar decisões formais das instituições; tende a incentivar conflitos, agudizar as disputas políticas e dramatizar as eleições.
Um exemplo: parte expressiva de seus apoiadores ficará muito, mas muito, contrariada caso o ex-presidente seja impedido pela justiça de disputar a eleição do ano que vem. Todavia, sua presença no pleito também tende a instigar, e muito, parcela da sociedade que o rejeita. Em outras palavras: a eventual condenação de Lula teria evidentes implicações políticas; mas sua absolvição tampouco seria assimilada com naturalidade.
É interessante ouvir os dois lados afirmarem que o ''outro'' terá que se submeter a uma decisão contrária quando ele mesmo não admite faze-lo se a decisão for em seu dissabor. Acima da figura, do ex-presidente, o que poderá ser colocado à prova será a credibilidade da Justiça e sua aceitação por esses setores da sociedade. A eventual prisão (ou não) de Lula não teria o mesmo significado que o impeachment de Dilma e, talvez, nem o mesmo tipo de reação.
Exatamente por isso, a atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chegou a afirmar que os petistas deveriam boicotar a eleição, denunciando o que chamam de ''consumação do golpe'', caso Lula não esteja na cédula eleitoral, impedido pela Justiça. Gleisi, é claro, causou mal-estar até em parlamentares da legenda que pretendem disputar novos mandatos à parte de qualquer coisa e acima de tudo. Mas, sua manifestação encontra eco na militância e em boa parte da população que aprova o ex-presidente.
É pouco provável que manifestações como a carta recentemente publicada por Antônio Palocci venha a alterar significativamente este quadro. A manifestação do ex-ministro de Lula e Dilma é sumariamente desqualificada pela militância — delação boa, já disse aqui, é só a que arde no circulo íntimo do adversário. Mas, tampouco, um hipotético desmentido de Palocci alteraria a convicção dos que já condenaram Lula. Não há deus ou diabo que resolva essa desinteligência. As posições são irredutíveis e estancou as possibilidades de diálogo. É evidente que um ambiente assim não é nada saudável; pode, aliás, ser até bastante perigoso.
Carlos Melo
O avanço do fogo sobre o Brasil
O ano de 2017 deve entrar para a história como o período com maior número de queimadas já registradas no Brasil. Até o momento, mais de 197 mil focos foram contabilizados, quase metade deles (49%) na Floresta Amazônica. O recorde até o momento é de 270 incêndios, registrados em 2004.
Somente nos primeiros 29 dias de setembro deste ano, foram 107 mil focos de queimadas, maior número registrado em um mês desde o início do monitoramento pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), iniciado ainda em meados da década de 1980.
"São dezenas de milhares de focos de queimada por dia", revela Alberto Setzer, coordenador do programa de monitoramento de eueimadas do Inpe. "Em termos de ocorrência de fogo detectada por satélite, trata-se de um caso extremo", complementa o pesquisador.
Detentor do sistema de monitoramento de queimadas mais robusto do mundo, o Brasil agora sofre para apagar o fogo. Os alertas são resultado da vigilância ininterrupta de dez satélites, que geram 250 imagens por dia.
Elas mostram dezenas de unidades de conservação afetadas ou destruídas pelo fogo. O Parque Nacional do Xingu, por exemplo, está em chamas há mais de 30 dias. O estrago no Parque Nacional do Araguaia equivale a uma área duas vezes maior que a cidade de São Paulo. Cerca de 320 mil hectares foram perdidos – mais da metade da reserva, que tem 555 mil hectares de cerrado.
Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 20% das ocorrências vêm de territórios sob responsabilidade do governo federal. "Os demais 80% dos focos acontecem em terras particulares, ou de atuação do município e do estado", afirma Gabriel Constantino, chefe do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).
Em 90% dos casos, o incêndio começa por ação humana. A permissão para o uso do fogo em propriedades particulares – geralmente para manutenção de pastagens – é dada pelo órgão estadual. O Ibama é responsável pelo combate em terras indígenas, quilombolas e assentamentos, e, atualmente, mil brigadistas atuam pelo órgão. As unidades de conservação – como o Parque Nacional do Araguaia –, por sua vez, são de competência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio).
Tanto o Ibama quanto Icmbio integram o o Ministério do Meio Ambiente, que, em abril deste ano teve sua verba cortada em 43% pelo governo federal. No entanto, segundo Constantino, a redução do orçamento não afetou a atuação do Prevfogo. "Todas as equipes estão em campo", afirma.
Embora seja a ação humana que inicie o fogo, ele atinge grandes proporções rapidamente, sai do controle e causa prejuízos devido às condições climáticas "favoráveis", de pouca chuva, baixa umidade do solo e vegetação mais seca.
"Podemos dizer que a má distribuição das chuvas no período chuvoso contribuíram", avalia Morgana Almeida, chefe da previsão do tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Como o solo não recebeu a recarga suficiente de água, a chegada do período com menor ocorrência de chuvas encontrou um solo mais seco que o normal.
"O Distrito Federal é um exemplo disso. O sudeste do Pará também apresentou um padrão similar, especialmente nos desvios de chuva nos meses de janeiro, abril e maio", cita alguns exemplos. É nessa região do Pará que está São Félix do Xingu, a cidade com maior número de focos de queimadas, segundo dados do Inpe.
"As chuvas não foram suficientes para recuperar o balanço das florestas. A vegetação se manteve seca e, por consequência, menos resistente ao fogo", pontua Constantino, do Prevfogo.
"Está sendo um ano climaticamente desfavorável, em que a população está desrespeitando a legislação irrestritamente e que as autoridades estão agindo muito aquém do que poderiam”, resume Setzer.
O cenário pode piorar num mundo mais quente – até o fim do século, a temperatura pode subir até 6°C no país, segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Com o avanço das mudanças climáticas, os períodos de seca devem se intensificar e, portanto, o risco dos incêndios florestais deve aumentar.
"O aumento da temperatura reduz as chuvas, o que pode elevar a incidência de queimada", diz Paulo Artaxo, pesquisador da Universidade de Sao Paulo (USP), especialista em mudanças climáticas.
Os modelos rodados em computadores que fazem as previsões, no entanto, ainda não são precisos. "Eles não conseguem prever bem como, onde e de que maneira vai chover. Então, não dá pra se ter um quadro muito claro em relação a incidência de queimada, embora a tendência seja de aumento", detalha Artaxo.
Mais difícil que lidar com a incerteza dos modelos, é prever o futuro das políticas públicas ambientais no Brasil, opina o pesquisador. "Elas foram muito enfraquecidas ao longo dos últimos dois anos. O Brasil firmou compromissos internacionais para reduzir emissões, mas parece ter se esquecido deles", diz Artaxo, apontando risco de o país não cumprir as metas assumidas no Acordo de Paris.
Por ser uma fonte considerável de emissão de gases estufa, que aceleram as mudanças climáticas, os incêndios em florestas tropicais entraram no radar dos projetos de cooperação do governo alemão. Desde 2012, a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) atua junto ao ministério brasileiro em ações de combate e manejo integrado do fogo em reservas ambientais.
"A parceria faz parte da Iniciativa Internacional do Clima lançada na Alemanha, e que financia projetos que combatam as mudanças climáticas", explica Michael Schulze, do GIZ. "O controle dos incêndios florestais reduz as emissões de CO2 e protege a biodiversidade", complementa.
Nos últimos cinco anos, o Brasil recebeu cerca de 45 milhões de reais (12,5 milhões de euros) em projetos de cooperação técnica e financeira – parte desse dinheiro ajudou a financiar novos equipamentos e veículos usados pelas equipes do Prevfogo do Ibama.
Somente nos primeiros 29 dias de setembro deste ano, foram 107 mil focos de queimadas, maior número registrado em um mês desde o início do monitoramento pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), iniciado ainda em meados da década de 1980.
"São dezenas de milhares de focos de queimada por dia", revela Alberto Setzer, coordenador do programa de monitoramento de eueimadas do Inpe. "Em termos de ocorrência de fogo detectada por satélite, trata-se de um caso extremo", complementa o pesquisador.
Detentor do sistema de monitoramento de queimadas mais robusto do mundo, o Brasil agora sofre para apagar o fogo. Os alertas são resultado da vigilância ininterrupta de dez satélites, que geram 250 imagens por dia.
Elas mostram dezenas de unidades de conservação afetadas ou destruídas pelo fogo. O Parque Nacional do Xingu, por exemplo, está em chamas há mais de 30 dias. O estrago no Parque Nacional do Araguaia equivale a uma área duas vezes maior que a cidade de São Paulo. Cerca de 320 mil hectares foram perdidos – mais da metade da reserva, que tem 555 mil hectares de cerrado.
Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 20% das ocorrências vêm de territórios sob responsabilidade do governo federal. "Os demais 80% dos focos acontecem em terras particulares, ou de atuação do município e do estado", afirma Gabriel Constantino, chefe do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).
Em 90% dos casos, o incêndio começa por ação humana. A permissão para o uso do fogo em propriedades particulares – geralmente para manutenção de pastagens – é dada pelo órgão estadual. O Ibama é responsável pelo combate em terras indígenas, quilombolas e assentamentos, e, atualmente, mil brigadistas atuam pelo órgão. As unidades de conservação – como o Parque Nacional do Araguaia –, por sua vez, são de competência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio).
Tanto o Ibama quanto Icmbio integram o o Ministério do Meio Ambiente, que, em abril deste ano teve sua verba cortada em 43% pelo governo federal. No entanto, segundo Constantino, a redução do orçamento não afetou a atuação do Prevfogo. "Todas as equipes estão em campo", afirma.
Embora seja a ação humana que inicie o fogo, ele atinge grandes proporções rapidamente, sai do controle e causa prejuízos devido às condições climáticas "favoráveis", de pouca chuva, baixa umidade do solo e vegetação mais seca.
"Podemos dizer que a má distribuição das chuvas no período chuvoso contribuíram", avalia Morgana Almeida, chefe da previsão do tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Como o solo não recebeu a recarga suficiente de água, a chegada do período com menor ocorrência de chuvas encontrou um solo mais seco que o normal.
"O Distrito Federal é um exemplo disso. O sudeste do Pará também apresentou um padrão similar, especialmente nos desvios de chuva nos meses de janeiro, abril e maio", cita alguns exemplos. É nessa região do Pará que está São Félix do Xingu, a cidade com maior número de focos de queimadas, segundo dados do Inpe.
"As chuvas não foram suficientes para recuperar o balanço das florestas. A vegetação se manteve seca e, por consequência, menos resistente ao fogo", pontua Constantino, do Prevfogo.
"Está sendo um ano climaticamente desfavorável, em que a população está desrespeitando a legislação irrestritamente e que as autoridades estão agindo muito aquém do que poderiam”, resume Setzer.
O cenário pode piorar num mundo mais quente – até o fim do século, a temperatura pode subir até 6°C no país, segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Com o avanço das mudanças climáticas, os períodos de seca devem se intensificar e, portanto, o risco dos incêndios florestais deve aumentar.
"O aumento da temperatura reduz as chuvas, o que pode elevar a incidência de queimada", diz Paulo Artaxo, pesquisador da Universidade de Sao Paulo (USP), especialista em mudanças climáticas.
Os modelos rodados em computadores que fazem as previsões, no entanto, ainda não são precisos. "Eles não conseguem prever bem como, onde e de que maneira vai chover. Então, não dá pra se ter um quadro muito claro em relação a incidência de queimada, embora a tendência seja de aumento", detalha Artaxo.
Mais difícil que lidar com a incerteza dos modelos, é prever o futuro das políticas públicas ambientais no Brasil, opina o pesquisador. "Elas foram muito enfraquecidas ao longo dos últimos dois anos. O Brasil firmou compromissos internacionais para reduzir emissões, mas parece ter se esquecido deles", diz Artaxo, apontando risco de o país não cumprir as metas assumidas no Acordo de Paris.
Por ser uma fonte considerável de emissão de gases estufa, que aceleram as mudanças climáticas, os incêndios em florestas tropicais entraram no radar dos projetos de cooperação do governo alemão. Desde 2012, a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) atua junto ao ministério brasileiro em ações de combate e manejo integrado do fogo em reservas ambientais.
"A parceria faz parte da Iniciativa Internacional do Clima lançada na Alemanha, e que financia projetos que combatam as mudanças climáticas", explica Michael Schulze, do GIZ. "O controle dos incêndios florestais reduz as emissões de CO2 e protege a biodiversidade", complementa.
Nos últimos cinco anos, o Brasil recebeu cerca de 45 milhões de reais (12,5 milhões de euros) em projetos de cooperação técnica e financeira – parte desse dinheiro ajudou a financiar novos equipamentos e veículos usados pelas equipes do Prevfogo do Ibama.
E o seu nível de corrupção, como vai?
Dizem por aí que todo homem tem seu prego. Há quem vá mais longe afirmando que alguns homens são vendidos a preço de banana. Sempre esperei, na vida, o dia da Grande Corrupção, e confesso, decepcionado, que ele nunca veio. A mim só me oferecem causas meritórias, oportunidades de sacrifício, salvações da Pátria ou pura e frontalmente a hedionda tarefa de lutar contra a corrupção. Enquanto eu procuro desesperadamente uma oportunidade, as pessoas e entidades agem comigo de tal forma que às vezes chego a duvidar de que a corrupção exista. Mas, falar em corrupção, como anda a sua? Vendendo saúde ou combalida e atrofiada como a minha? Responda com muito cuidado às perguntas abaixo e depois conclua sobre sua própria personalidade: você é um corrupto total ou um idiota completo? (Não há meio-termo.) Conte 10 pontos para cada resposta certa (você é quem decide qual é a certa) e verifique depois o grau de sua corruptibilidade. Nota: Se você roubar neste teste, é porque sua corrupção é mesmo absolutamente incorruptível.
A) Você descobre que o chefe do seu departamento está com um caso complicado com a secretária do outro chefe em frente. Você: 1) Finge que não viu nada. 2) Diz à secretária que ou também está, nessa ou vai botar a boca no mundo. 3) Oferece o seu sítio ao chefe pra ele passar o fim de semana. 4) Bota a boca no mundo. 5) Insinua ao chefe que há a perigosa hipótese de a mulher dele vir a saber (e enquanto isso põe a promoção embaixo do nariz dele pra ele assinar).
B) Você acha que a Lei e a Ordem é uma mística social maravilhosa para: 1) Impor a lei e a ordem. 2) Acabar com a grita dos descontentes. 3) Grandes oportunidades de ganhar algum por fora. 4) Dividir o bolo entre os íntimos sem ninguém de fora piar.
C) A primeira vez em que você ouviu falar do escândalo de Watergate você disse: 1) Isso é que é país! 2) Como é que o governo americano permite uma imprensa dessas? Isso desmoraliza um país! 3) Eu não compraria um carro usado desse Nixon. 4) Isso jamais aconteceria entre nós. 5) Quanto terão levado esses caras pra se arriscarem dessa maneira?
D) Você, como representante oficial da fiscalização, comparece à apresentação de contas, em dinheiro, no Instituto dos Cegos. Fica surpreendido com o alto volume das arrecadações e em certo momento: 1 ) Diz : "Estou surpreendido com a miserabilidade dos donativos". E tenta enrustir algum. 2) Diz: "Como representante do fisco sou obrigado a reter 30% de tudo porque esta arrecadação é totalmente ilegal". 3) Diz: "Teria sido até uma boa arrecadação se metade das notas não fossem falsas". 4) Disfarça bem a voz e diz, entredentes: "Todos quietinhos aí, seus Homeros de uma figa: Isto é um assalto!"
E) Você se demite do cargo de maneira irrevogável por insuportáveis pressões morais e absoluta impossibilidade de compactuar com a presente política da firma. Eles prometem triplicar o seu salário. Você: 1) Recusa, indignado, por pensarem que é tudo uma questão de dinheiro. Só ficará se eles derem também as três viagens anuais à Europa a que todos os diretores têm direito. E participação nos lucros retidos da companhia. 2) Diz que, evidentemente, isso e uma prova moral de que eles estão de acordo com você. O dinheiro, aí é definitivo como demonstração de confiança na sua gestão. 3) Pede para pensar 5 minutos antes de dar a resposta. 4) Explica que tem mulher e filhos e não pode manter um pedido de demissão feito, afinal de contas, por motivos tão irrelevantes.
F) Há uma diferença fundamental entre fraudar e evitar o imposto de renda. Quando você descobriu isso, você: 1) Ficou indignado com as possibilidades de os poderosos usarem tudo a seu favor. Como é que se pode escamotear um ordenado? 2) Começou a estudar furiosamente a legislação para descobrir todos os furos. 3) Tinha 11 anos de idade e estava terminando o curso primário. 4) Nunca mais pagou um tostão de imposto.
G) Você dá um nota de 10 pra pagar o jornal, no jornaleiro velhinho da banca da esquina, e percebe que ele lhe deu 50 como troco. Você imediatamente: 1) Corrige o erro do velhinho? 2) Reclama chateado aproveitando a gagaíce do vendedor: "Pô, eu lhe dei uma nota de 100?" 3) Chega em casa e manda todos os seus filhos comprarem vários jornais? 4) Bota o dinheiro no bolso e fica freguês?
H) Você teve que fazer um trabalho na rua, não pôde almoçar, comeu um sanduíche. Você apresenta a conta na companhia: 1) Um sanduíche — 3 cruzeiros. 2) Almoço — 32 cruzeiros. 3) Almoço com o representante da A&F Ltda. — 79 cruzeiros. 4) Despesas gerais — 143 cruzeiros.
I) Quando o desfalque dado pelo auditor geral (8.000.000 pratas) chega a seus ouvidos você murmura: 1) "Idiota, se deixar apanhar assim". 2) "Será que eles vão descobrir também os meus 10.000?". 3) "Se ele tivesse me dado 10% eu tinha feito o negócio de maneira que ninguém nunca ia descobrir". 4) "Eu fiz bem em não entrar no negócio". Conselho de amigo: Quando alguém, na rua, gritar "Pega ladrão!", finge que não é com você.
Millôr Fernandes
Sangue do meu sangue
‘Filhos, melhor não tê-los/ Mas se não os temos/ Como sabê-lo?”, perguntava Vinicius de Moraes.
Com os filhos que tem, Lula deve entender o poeta.
Fábio Luiz, que odeia ser chamado de Lulinha, mas vive disso, e Luis Claudio, que detesta a alcunha de Luleco, de cara, tem feições que fariam a alegria de Lombroso, que eles não têm ideia de quem seja. Se perguntarem a um advogado, vão saber que não é um elogio.
Pobre Lula, inteligentíssimo e espertíssimo, que tem sua história, seus méritos, suas conquistas e serviços prestados ao Brasil, e corre sério risco de ir para a cadeia (também) pelas estripulias delituosas de seus filhos flagradas pela Lava-Jato.
Claro, as empreiteiras que pagaram propina, ou “agrados”, como dizem no Nordeste, a Lulinha e Luleco, foram recomendadas por Papa Lula. Elas não procuraram espontaneamente os dois jovens “empresários” para fazer negócios, eles nunca iriam a elas sem a autorização, e uma forcinha, do paizão. A gente faz tudo pelos filhos, não é mesmo?
Eu entendo Lula, já fiz os papéis mais ridículos e patéticos da minha vida só para divertir minhas filhas. Mas tudo dentro da lei.
Agora, a Odebrecht entregou planilhas com pagamentos milionários para a empresa de Luleco patrocinar equipes de futebol americano em um campeonato que ninguém vê. Mas as equipes dizem que recebiam R$ 20 mil por mês.
No processo sobre a compra dos caças Gripen ele levou R$ 2,5 milhões, não se sabe bem por quê. Talvez porque soubesse antes da decisão e tenha pegado carona na firma de lobistas amigos contratada pelos suecos. Lula está no mesmo processo, é bonito o amor de pai e filho.
O irmão Lulinha já foi considerado pelo pai “um Ronaldinho dos negócios”, por sua desenvoltura em fazer muito dinheiro em pouco tempo apenas com sua mente privilegiada e seu preparo profissional... Tem pai que é cego, dizia o velho bordão de Jô Soares.
Parafraseando o psicanalista Hélio Pellegrino, que esculachava uma pessoa com elegância dizendo: “É um Rimbaud... mas sem o talento” (só sobrava a parte podre rsrs), Lulinha e Luleco são Lula, mas sem a inteligência e o carisma.
Com os filhos que tem, Lula deve entender o poeta.
Fábio Luiz, que odeia ser chamado de Lulinha, mas vive disso, e Luis Claudio, que detesta a alcunha de Luleco, de cara, tem feições que fariam a alegria de Lombroso, que eles não têm ideia de quem seja. Se perguntarem a um advogado, vão saber que não é um elogio.
Pobre Lula, inteligentíssimo e espertíssimo, que tem sua história, seus méritos, suas conquistas e serviços prestados ao Brasil, e corre sério risco de ir para a cadeia (também) pelas estripulias delituosas de seus filhos flagradas pela Lava-Jato.
Claro, as empreiteiras que pagaram propina, ou “agrados”, como dizem no Nordeste, a Lulinha e Luleco, foram recomendadas por Papa Lula. Elas não procuraram espontaneamente os dois jovens “empresários” para fazer negócios, eles nunca iriam a elas sem a autorização, e uma forcinha, do paizão. A gente faz tudo pelos filhos, não é mesmo?
Eu entendo Lula, já fiz os papéis mais ridículos e patéticos da minha vida só para divertir minhas filhas. Mas tudo dentro da lei.
Agora, a Odebrecht entregou planilhas com pagamentos milionários para a empresa de Luleco patrocinar equipes de futebol americano em um campeonato que ninguém vê. Mas as equipes dizem que recebiam R$ 20 mil por mês.
No processo sobre a compra dos caças Gripen ele levou R$ 2,5 milhões, não se sabe bem por quê. Talvez porque soubesse antes da decisão e tenha pegado carona na firma de lobistas amigos contratada pelos suecos. Lula está no mesmo processo, é bonito o amor de pai e filho.
O irmão Lulinha já foi considerado pelo pai “um Ronaldinho dos negócios”, por sua desenvoltura em fazer muito dinheiro em pouco tempo apenas com sua mente privilegiada e seu preparo profissional... Tem pai que é cego, dizia o velho bordão de Jô Soares.
Parafraseando o psicanalista Hélio Pellegrino, que esculachava uma pessoa com elegância dizendo: “É um Rimbaud... mas sem o talento” (só sobrava a parte podre rsrs), Lulinha e Luleco são Lula, mas sem a inteligência e o carisma.
Creonte, rei de Tebas, e as eleições de 2018
Não se pode prejulgar um homem, decidir de sua alma e do que sente, enquanto ele não mostrar quem é, ditando leisCreonte, na Antígona de Sófocles
A fala de Creonte evidencia bem a distância que nos separa das monarquias da Antiguidade. O que o fez convocar os varões da cidade ao palácio foi a insistência da nobre Antígona em dar sepultura a seu irmão Polinice. Creonte rechaçava com firmeza a pretensão de Antígona, dado que a seu ver Polinices se tornara um inimigo da cidade, um traidor. Decretara o estrito cumprimento da tradição, determinando que Polinice não seria sepultado. Ficaria fora dos muros da cidade, ao relento, exposto à sanha de animais e aves predadoras.
No mundo atual – e neste triste momento brasileiro-, a dimensão dos problemas é milhões de vezes maior que o tormento que se abateu sobre Tebas. Começando pelo conjunto, o que temos é uma economia ainda desorganizada, incapaz de prover adequadamente os bens, serviços e empregos de que nós, 206 milhões de brasileiros, necessitamos para viver. Um Estado ainda incapaz de educar nossas crianças, de ligar metade dos domicílios à rede pública de saneamento, de eliminar a corrupção que lhe devora as entranhas e de reprimir de forma decisiva o narcotráfico, que caminha a passos largos para se incrustar em dezenas ou centenas de favelas. Uma mineradora mata um de nossos melhores rios e fica tudo por isso mesmo. A sexta economia do mundo não tem uma sequer entre as cem melhores universidades do planeta.
Nas antigas monarquias, como observei, o soberano detinha a prerrogativa de ser avaliado depois, não antes de “editar as leis” que considerava necessárias. No mundo atual, a avaliação é ex ante, não ex post, e não diz respeito a leis, mas a programas vagamente formulados, informações rarefeitas e gesticulações demagógicas, sem esquecer as famigeradas artes do marketing. O soberano, em nosso caso, é um eleitorado que já beira os 150 milhões, com carências educacionais notórias, mas cuja responsabilidade por nossas desgraças é pequena, pois a ação concreta de governar não cabe a ele, e sim às elites, cujo comportamento recente tem sido obsceno.
A questão em jogo, evidentemente, é se seremos ou não capazes de formar um governo capaz de atrair grandes investimentos e estruturar um novo ciclo de crescimento. A grande incógnita é se Lula poderá ou não concorrer, mas será elástica, como sempre, a oferta de populistas irresponsáveis, dispostos a dizer qualquer coisa. Alguns desses chegam mesmo a acreditar que representam o “bem”, um compromisso com o desenvolvimento e com políticas sociais sensatas. Acreditam que os grandes investimentos de que necessitamos virão de um jeito ou de outro, nem que seja pela bela cor de nossos olhos. Não compreendem que nenhum megainvestidor, pessoa física ou jurídica, é tatu a ponto de colocar seus recursos num país que não lhe oferece garantias sérias.
Uma novidade, como sabemos, é João Doria, mas é difícil crer que ele se disponha a deixar a Prefeitura antes da metade do mandato para disputar a vez com o governador Geraldo Alckmin. Este tem experiência e potencial, mas depende vitalmente de uma transformação do clima político. Não tem perfil de radical. Poderá ser um candidato adequado se as camadas médias se desvestirem da presente atitude raivosa, antipolítica, e demandarem um programa consistente, com proposições efetivas para a retomada do crescimento. Sobre Marina Silva (que possivelmente terá Joaquim Barbosa como vice) não tenho grandes expectativas. Confesso certo ceticismo quanto à sua capacidade de empolgar o eleitorado.
Outra novidade é o deputado Jair Bolsonaro. Até o momento, o que me foi dado depreender é que combinará proposições econômicas na velha linha intervencionista, a mesma a que Dilma Rousseff recorreu para levar o País ao desastre, com o discurso da segurança pública – “lei e ordem”, na conhecida expressão norte-americana. Que esse discurso ressoa, não há dúvida. A segurança é uma das preocupações dos cidadãos e aqueles que subestimavam a proporção atingida pelo narcotráfico pôde apreciar ao vivo e em cores os tiroteios na Rocinha. Mas ressonância não necessariamente se traduz em votos. Para que isso ocorra a sociedade precisa acreditar que a tendência ascendente da violência pode ser revertida num prazo relativamente curto e que esse candidato em particular – aqui falo de Bolsonaro – seja capaz de operar tal milagre. Acreditar nisso é mais difícil que acreditar em duendes e no saci-pererê.
Ou seja, fórmulas para retardar ou afugentar investimentos nós temos em abundância. Se não formos capazes de desarmar os espíritos e construir uma grande coalizão de centro, convém nos prepararmos para um longo período de sofrimento. Crescendo alguma coisa entre 2% e 3% ao ano, levaremos mais de 20 anos para atingir a renda por habitante dos países mais pobres da Europa. Nessa hipótese, em duas décadas não teremos um só Polinices, mas milhões deles, servindo de pasto para hienas e abutres.
Bolívar Lamounier
A farsa das conquistas sociais após 2003
As imagens aéreas da Rocinha, no Rio de Janeiro, para registrar o tiroteio entre gangues rivais são o mais contundente registro da farsa cantada em prosa e verso quanto a conquistas sociais obtidas pela classe trabalhadora desde 2003. As precárias habitações em relevo acidentado sem vestígios de urbanismo e os respectivos serviços promovidos pelo Estado moderno demonstram, cabalmente, como mais de 70 mil pessoas não têm reconhecimento pleno de sua cidadania, vivem em condições lamentáveis e tornam-se alvo de adversidades por causas naturais, conflitos internos, ações demagógicas e discriminação social. O perigo ronda permanentemente, seja por desabamento ou picada de escorpião. A falta de privacidade pode ensejar assédio sexual por vizinhos ou desconhecidos. O desconforto é gritante para preparar a marmita na madrugada, dormir após a jornada de trabalho noturno ou permanecer acamado em caso de doença. Subir ou descer o morro é desafio constante, sendo mais penoso para crianças, gestantes, enfermos e idosos.
Há, certamente, outras dificuldades para a maioria absoluta de uma gente honesta que não consegue viver no espaço formal da mais bonita cidade brasileira porque está desempregada ou não tem rendimentos que cubram o custo de subsistência, apesar do trabalho duro na metrópole. Falta-lhes tudo no que se refere à modernidade e cidadania: urbanização, arborização, privacidade, iluminação pública, edificação sólida, título de propriedade, endereçamento, coleta de lixo, saneamento, boas escolas, ampla assistência médica, áreas de lazer, acessibilidade, policiamento e, sobretudo, segurança. Podem perder a vida a qualquer momento como vítimas de balas perdidas ou execução sumária por quadrilhas que desconfiarem de sua submissão às normas para manter a fortaleza no emaranhado de ruelas e barracos. Os últimos dias foram mais arriscados, porque o fogo cruzado entre bandidos e policiais poderia atingir qualquer pessoa. O mais doloroso para todas as famílias honestas é, certamente, o risco de que seus filhos sejam recrutados para o crime, comprometendo, definitivamente, seu futuro e extinguindo sua esperança de dias melhores.
O foco atual é a Rocinha, porque se trata do aglomerado em que houve explosão interna de violência. Ficou patente o péssimo tratamento conferido pelo Estado àquele local, bem como à parcela significativa da população brasileira, enquanto agentes públicos apropriam-se do patrimônio em benefício próprio e de seus apaniguados. Eles fazem, sobretudo, muita demagogia em milhares de favelas espalhadas pelo país, para construir redutos eleitorais. Não pretendem realizar planejamento estratégico para promover o desenvolvimento socioeconômico em perspectiva nacional. Isso demanda instrução com alta qualidade em que fique expressa a capacitação crítica de todos os cidadãos para cobrar políticas que os libertem de partidos e lideranças nocivas a projetos relacionados à democracia plena e modernidade.
O alerta de Nuh
Dia desses, lendo o Jakarta Post, deparei-me com uma singular declaração do Ministro da Educação e Cultura da Indonésia, Mohammad Nuh: "Dirijo-me às pessoas instruídas: não se envolvam em corrupção. Vocês conseguiram um elevado nível educacional e ainda querem ser corruptas? A corrupção é inadequada, especialmente para pessoas instruídas".
Talvez seja este o alerta que falta ao Brasil, país no qual as elites se divertem contando a conhecida piada segundo a qual, quando da Criação, o Brasil teria sido privilegiado com riquezas imensas e poupado dos desastres naturais que atingem outros países para compensar o "Zé Povinho" que seria colocado aqui.
É realmente curioso: a falência moral do nosso país, invariavelmente administrado por pessoas do mais elevado quilate intelectual, é culpa do "Zé Povinho"! Fiquei a pensar na sabedoria secular do Padre Antônio Vieira, de cujos ensinamentos aparentemente se esqueceram nossos luminares.
Lá pelos idos de 1655, ao proferir o antológico "Sermão do Bom Ladrão", realizado na Igreja da Misericórdia de Lisboa, Conceição Velha, perante o Rei D. João IV e toda a sua corte, teve o Padre Vieira a coragem de disparar palavras firmes:
"Levarem os Reis consigo ao Paraíso ladrões, não só não é companhia indecente, mas ação tão gloriosa e verdadeiramente real, que com ela coroou e provou o mesmo Cristo a verdade do seu reinado, tanto que admitiu na cruz o título de rei. Mas o que vemos praticar em todos os reinos do mundo é, em vez de os reis levarem consigo os ladrões ao Paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno".
"O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera. Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos".
Decorridos já mais de 300 anos, continuam rigorosamente atuais as palavras daquele grande sacerdote. E com ele concluo: o culpado pela nossa falência moral não é o nosso pobre "Zé Povinho" - este, pelo contrário, é vítima.
Pedro Valls Feu Rosa
Talvez seja este o alerta que falta ao Brasil, país no qual as elites se divertem contando a conhecida piada segundo a qual, quando da Criação, o Brasil teria sido privilegiado com riquezas imensas e poupado dos desastres naturais que atingem outros países para compensar o "Zé Povinho" que seria colocado aqui.
Lá pelos idos de 1655, ao proferir o antológico "Sermão do Bom Ladrão", realizado na Igreja da Misericórdia de Lisboa, Conceição Velha, perante o Rei D. João IV e toda a sua corte, teve o Padre Vieira a coragem de disparar palavras firmes:
"Levarem os Reis consigo ao Paraíso ladrões, não só não é companhia indecente, mas ação tão gloriosa e verdadeiramente real, que com ela coroou e provou o mesmo Cristo a verdade do seu reinado, tanto que admitiu na cruz o título de rei. Mas o que vemos praticar em todos os reinos do mundo é, em vez de os reis levarem consigo os ladrões ao Paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno".
"O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera. Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos".
Decorridos já mais de 300 anos, continuam rigorosamente atuais as palavras daquele grande sacerdote. E com ele concluo: o culpado pela nossa falência moral não é o nosso pobre "Zé Povinho" - este, pelo contrário, é vítima.
Pedro Valls Feu Rosa
sexta-feira, 29 de setembro de 2017
O sistema se protege
A reação ao afastamento de Aécio Neves é muito mais do que uma tentativa de salvar a pele do tucano. O Congresso vê o caso como uma chance de ouro para medir forças com o Judiciário e impor algum tipo de freio à Lava Jato. Além de suspender o mandato do mineiro, a primeira turma do Supremo determinou seu recolhimento noturno. A medida inflamou os parlamentares que acusam o tribunal de extrapolar na interpretação da lei.
Eles argumentam que a Constituição só permite a prisão de congressistas em flagrante de crime inafiançável. Mesmo assim, a decisão precisa do aval do plenário da Câmara ou do Senado, como ocorreu no caso do ex-petista Delcídio do Amaral.
Eles argumentam que a Constituição só permite a prisão de congressistas em flagrante de crime inafiançável. Mesmo assim, a decisão precisa do aval do plenário da Câmara ou do Senado, como ocorreu no caso do ex-petista Delcídio do Amaral.
O problema é que o Código de Processo Penal define o recolhimento como medida “diversa da prisão”. Por isso, os ministros que votaram pela punição entendem que não cabe consulta alguma aos senadores.
Por trás da polêmica jurídica, o que se discute é o futuro de dezenas de parlamentares sob suspeita de corrupção. Eles temem ser vítimas do “efeito Orloff”: o castigo aplicado a Aécio hoje poderia ser estendido a qualquer um amanhã.
Isso explica a reação suprapartidária em defesa do senador, que quase chegou à Presidência e em menos de três anos se tornou um dos políticos mais impopulares do país.
A salvação de Aécio interessa em primeiro lugar ao PSDB e ao governo Temer, que conta com ele para arquivar mais uma denúncia contra o presidente. A novidade é a adesão do PT, que decidiu abraçar o inimigo em nome da cruzada contra a Lava Jato.
O partido chamou o tucano de hipócrita e golpista, mas defendeu que o Senado derrube a decisão do Supremo. É o que deve acontecer, sob risco de uma crise institucional.
Nada disso ocorreria se o Senado tivesse cumprido seu dever quando Aécio foi gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista. Em vez de puni-lo, o Conselho de Ética arquivou o caso sem nem sequer abrir investigação.
Por trás da polêmica jurídica, o que se discute é o futuro de dezenas de parlamentares sob suspeita de corrupção. Eles temem ser vítimas do “efeito Orloff”: o castigo aplicado a Aécio hoje poderia ser estendido a qualquer um amanhã.
Isso explica a reação suprapartidária em defesa do senador, que quase chegou à Presidência e em menos de três anos se tornou um dos políticos mais impopulares do país.
A salvação de Aécio interessa em primeiro lugar ao PSDB e ao governo Temer, que conta com ele para arquivar mais uma denúncia contra o presidente. A novidade é a adesão do PT, que decidiu abraçar o inimigo em nome da cruzada contra a Lava Jato.
O partido chamou o tucano de hipócrita e golpista, mas defendeu que o Senado derrube a decisão do Supremo. É o que deve acontecer, sob risco de uma crise institucional.
Nada disso ocorreria se o Senado tivesse cumprido seu dever quando Aécio foi gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista. Em vez de puni-lo, o Conselho de Ética arquivou o caso sem nem sequer abrir investigação.
Deus e o diabo em dois capítulos
Capítulo 1: a fé sobe ao palanque para 2018
A gente olha para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e logo pressente a luz: ali está um homem de fé, um servo de Deus. Na semana passada, ele gravou uma mensagem em vídeo, numa produção bem caseira e bem cristã, em que se dirige aos evangélicos: “Me sinto muito à vontade para conversar com vocês porque temos os mesmos valores, valores da lei de Deus e dos homens, visando crescer, visando colaborar com o país. Preciso da oração de todos, estaremos aqui trabalhando, conto com vocês”.
Esse mundo brasileiro é realmente um pandeiro abençoado. Até em sua religiosidade monetária, religiosidade da qual ninguém desconfiava, o ministro copia os Estados Unidos. Nas cédulas do dólar americano, a gente lê, em maiúsculas, “IN GOD WE TRUST”. O ministro da Fazenda também “trust” nesse “God” aí. Esse negócio de God, sabe como é, a gente tem que “trust”. Será comédia? Será piada? Será um enredo maluco de escola de samba? Será a macroeconomia do Senhor? Ou será que Meirelles quer ser presidente do Brasil com o apoio da Assembleia de Deus?
Pelo sim, pelo não, “a fé não costuma faiá”. Não há de fazer mal a fé inabalável do ministro. Deus opera na reunião do Copom. Milagres nas planilhas. Um coro ecoa na sala: “Sai, depressão, sai dessa economia, que ela não te pertence!”. Outro coro, com hiperinflação de decibéis, emenda: “Em nome de Jesus, cresce, PIB!”. Eis então que, já desenganado pelos economistas, o corpo exangue das finanças públicas reage. “Aleluia, aleluia!”
O que mais comove nas aparições eclesiais de Henrique Meirelles é a autenticidade. Realmente. Quanta verdade interior! Que semblante profético! Mais que um pregador do Evangelho, o atual ministro de Michel Temer, filiado ao PSD de Gilberto Kassab, que foi também presidente do Banco Central nos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva, é puro ecumenismo eleitoral. Nele, todas as seitas partidárias se fundem numa só voz. A voz dele, por certo.
Gilberto Kassab em pessoa, presidente do PSD, lançou o nome de Meirelles como pré-candidato à Presidência. Enquanto isso, o ministro orará, e orará, e orará para que seus cortejados evangélicos não prefiram o original. No tabuleiro que se desenha para 2018, está faltando um candidato evangélico da gema, algo como esse prefeito do Rio, Marcelo Crivella. Se um religioso com poder, com banca e com estatura para unificar as igrejas evangélicas resolver se candidato – orai, economistas do Senhor –, pode levar. Meirelles dependerá, ainda, de muita oração.
Capítulo 2: a farda conspira contra o palanque de 2018
Enquanto Meirelles invoca Deus para subir no palanque de 2018, quem corre perigo é o palanque. Há militares interessados em derrubar a democracia. Convém não esquecer o que disse o general da ativa do Exército, Antonio Hamilton Mourão. Em uma palestra numa loja maçônica de Brasília, no dia 15, ele declarou que, no entendimento de seus “companheiros do Alto-Comando do Exército”, uma “intervenção militar” virá se o Judiciário “não solucionar o problema político”.
Mourão se referia ao problema da corrupção, e foi mais do que explícito: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos de impor isso”. Apologia mais escancarada do golpe militar, impossível.
Será tragédia? Será piada de mau gosto? Será revival de 1964? Será meramente loucura? Até agora, o general não foi punido nem foi medicado. Tudo como dantes no quartel dos aspirantes.
E Mourão não é uma andorinha só. Quase um ano atrás, outra alta patente fez a mesmíssima ameaça. No dia 15 de dezembro de 2016, na página 2 do jornal O Estado de S. Paulo, o general Rômulo Bini Pereira, ex-chefe do Estado-Maior do Ministério da Defesa, escreveu um artigo, “Alertar é preciso”, em que alertou mesmo: “Se o clamor popular alcançar relevância, as Forças Armadas poderão ser chamadas a intervir, inclusive em defesa do Estado e das instituições. (...). Não é apologia ou invencionice. Por isso, repito: alertar é preciso”.
Todos sabemos que um golpe militar a essa altura é improvável. Essas quarteladas estão fora de moda, todos sabemos também, e as chances para esse tipo de aventura são reduzidas. Mesmo assim, fiquemos de olho. Se há um único ponto previsível sobre o futuro, é que o futuro é imprevisível, inclusive para os apóstolos (os bons e os maus) e para os milicos (os disciplinados e os rebelados). Não subestimemos a sandice. Há megalomanias redentoras – e demoníacas – no altar e na caserna.
A gente olha para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e logo pressente a luz: ali está um homem de fé, um servo de Deus. Na semana passada, ele gravou uma mensagem em vídeo, numa produção bem caseira e bem cristã, em que se dirige aos evangélicos: “Me sinto muito à vontade para conversar com vocês porque temos os mesmos valores, valores da lei de Deus e dos homens, visando crescer, visando colaborar com o país. Preciso da oração de todos, estaremos aqui trabalhando, conto com vocês”.
Esse mundo brasileiro é realmente um pandeiro abençoado. Até em sua religiosidade monetária, religiosidade da qual ninguém desconfiava, o ministro copia os Estados Unidos. Nas cédulas do dólar americano, a gente lê, em maiúsculas, “IN GOD WE TRUST”. O ministro da Fazenda também “trust” nesse “God” aí. Esse negócio de God, sabe como é, a gente tem que “trust”. Será comédia? Será piada? Será um enredo maluco de escola de samba? Será a macroeconomia do Senhor? Ou será que Meirelles quer ser presidente do Brasil com o apoio da Assembleia de Deus?
O que mais comove nas aparições eclesiais de Henrique Meirelles é a autenticidade. Realmente. Quanta verdade interior! Que semblante profético! Mais que um pregador do Evangelho, o atual ministro de Michel Temer, filiado ao PSD de Gilberto Kassab, que foi também presidente do Banco Central nos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva, é puro ecumenismo eleitoral. Nele, todas as seitas partidárias se fundem numa só voz. A voz dele, por certo.
Gilberto Kassab em pessoa, presidente do PSD, lançou o nome de Meirelles como pré-candidato à Presidência. Enquanto isso, o ministro orará, e orará, e orará para que seus cortejados evangélicos não prefiram o original. No tabuleiro que se desenha para 2018, está faltando um candidato evangélico da gema, algo como esse prefeito do Rio, Marcelo Crivella. Se um religioso com poder, com banca e com estatura para unificar as igrejas evangélicas resolver se candidato – orai, economistas do Senhor –, pode levar. Meirelles dependerá, ainda, de muita oração.
Capítulo 2: a farda conspira contra o palanque de 2018
Enquanto Meirelles invoca Deus para subir no palanque de 2018, quem corre perigo é o palanque. Há militares interessados em derrubar a democracia. Convém não esquecer o que disse o general da ativa do Exército, Antonio Hamilton Mourão. Em uma palestra numa loja maçônica de Brasília, no dia 15, ele declarou que, no entendimento de seus “companheiros do Alto-Comando do Exército”, uma “intervenção militar” virá se o Judiciário “não solucionar o problema político”.
Mourão se referia ao problema da corrupção, e foi mais do que explícito: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos de impor isso”. Apologia mais escancarada do golpe militar, impossível.
Será tragédia? Será piada de mau gosto? Será revival de 1964? Será meramente loucura? Até agora, o general não foi punido nem foi medicado. Tudo como dantes no quartel dos aspirantes.
E Mourão não é uma andorinha só. Quase um ano atrás, outra alta patente fez a mesmíssima ameaça. No dia 15 de dezembro de 2016, na página 2 do jornal O Estado de S. Paulo, o general Rômulo Bini Pereira, ex-chefe do Estado-Maior do Ministério da Defesa, escreveu um artigo, “Alertar é preciso”, em que alertou mesmo: “Se o clamor popular alcançar relevância, as Forças Armadas poderão ser chamadas a intervir, inclusive em defesa do Estado e das instituições. (...). Não é apologia ou invencionice. Por isso, repito: alertar é preciso”.
Todos sabemos que um golpe militar a essa altura é improvável. Essas quarteladas estão fora de moda, todos sabemos também, e as chances para esse tipo de aventura são reduzidas. Mesmo assim, fiquemos de olho. Se há um único ponto previsível sobre o futuro, é que o futuro é imprevisível, inclusive para os apóstolos (os bons e os maus) e para os milicos (os disciplinados e os rebelados). Não subestimemos a sandice. Há megalomanias redentoras – e demoníacas – no altar e na caserna.
Sem poder elevar estatura, Senado rebaixa teto
Em 18 de maio, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, suspendeu o mandato de Aécio Neves, proibindo-o de frequentar o Senado. Os colegas do senador tucano receberam a notícia com rara naturalidade. Eunício Oliveira, o presidente do Senado, gastava baldes de saliva para explicar as providências que adotara para cumprir a decisão judicial.
Decorridos quatro meses, uma trinca de ministros da Primeira Turma do Supremo ressuscitou as medidas cautelares contra Aécio, que haviam sido derrubadas por uma liminar de Marco Aurélio Mello. Adicionaram ao rol de imposições o recolhimento domiciliar noturno, previsto no Código de Processo Penal como medida cautelar ''diversa da prisão''. E os mesmos senadores que haviam lavado as mãos para o drama penal de Aécio agora querem fazer sumir o sabonete. Natural: 44 dos 81 senadores estão encrencados em inquéritos no Supremo.
Aquele Eunício reverente às deliberações da Suprema Corte desapareceu. Surgiu em cena um outro Eunício, mais próximo do personagem que a Odebrecht identificou nas suas planilhas de propinas como Índio. Rodeado de investigados com a faca entre os dentes, o pajé do Senado quer derrubar no plenário as deliberações do Supremo.
Sem querer, os ministros da Suprema Corte descobriram uma maneira de unir os partidos políticos. Ao espremer o tucano Aécio, produziram um movimento suprapartidário de autoproteção. Os senadores não enxergam corruptos no espelho. Mas não querem correr o risco de ser Aécio amanhã. Estalando de solidariedade, tramam livrar o grão-tucano de suas complicações penais. Do PMDB ao PT, todos engancharam suas bancadas no trenzinho da impunidade. Verificou-se que o grande mal do Senado é a cumplicidade não doer.
Abarrotado de investigados, o Senado se deu conta de que é uma casa de pequenas criaturas. Impossibilitados de elevar a própria estatura, os senadores decidiram rebaixar o teto. Do jeito que a coisa vai, bastará a um senador conservar-se agachado no plenário para ser considerado um sujeito de grande altivez. Os 95% de culpados e cúmplices do Senado dão aos outros 5% uma péssima reputação.
À força da ironia
Vivemos nessa selva. A imensa maioria está doente de impotência e de ressentimentos. E alguns poucos como nós, marginais doentes de nostalgia e presos ainda a um punhado de valores que alguém mostrou alguma vez serem universais, sobrevivemos apenas à força de ironia.
Neste contexto social individualista, decadente e cada vez mais violento, que para muitos é a inevitável pós-modernidade, é impossível alcançar o equilíbrio. Para os que ainda creditamos na superioridade da ética, e conservamos um ou dois princípios, e empedernidamente acreditamos na existência de utopias que vale a pena, o equilíbrio em si se transforma em utopia. Porque, na pós-modernidade, todas as forças se desataram com exagero: há mais gente, mais carências, mais fome, mais injustiças, mais filhos da puta, mais conflitos e cada vez mais gravesMempo Giardinelli, "Impossível equilíbro"
Medo
O Brasil deu errado, é a sensação que eu tenho. Às vezes penso se não seria melhor fechar tudo e recomeçar... Sei que esse pensamento é tosco, mas olhe em volta e veja se não concorda comigo.
Para início de conversa, qual a emoção que domina as conversas hoje, nos botecos e esquinas do país, de norte a sul? É o medo, não é não?
O que se passa no Rio, sempre o tambor nacional, disfarça o que se passa no resto do Brasil, mas todos sabemos que a Rocinha é só o espaço mais conhecido dentre todos os espaços onde o medo impera. É uma favela enorme, a maior do mundo, talvez, e fica num dos locais onde a vista é das mais deslumbrantes. O que atrai a mídia que lhe dá muita visibilidade. Infelizmente, essa visibilidade não dá ao Rio a segurança que poderia dar.
Segundo os melhores dicionários, “Medo é a emoção despertada por um perigo iminente, pela aproximação do mal, real ou imaginário; é o sentimento que provoca insegurança; é condição que o homem enfrenta ao nascer, ao se ver retirado do conforto e segurança do ventre materno”.
Claro que o medo do carioca é infernal. Andamos assustados nas ruas. Ser mãe no Rio é padecer no paraíso as 24 horas do dia... Além do medo pelo que pode acontecer com nossas crianças, temos medo do que pode vir a acontecer conosco caso tenhamos a audácia de falar ao celular na calçada, por exemplo...
Tivemos aqui por poucos, pouquíssimos dias, as Forças Armadas na favela da Rocinha. Na quarta-feira, 27/9, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse numa entrevista ao jornalista Roberto D’Avila que as FFAA ficariam aqui até 2018. Mas ontem, dia 28, o mesmo ministro comunicou que nesta sexta-feira as tropas deixarão o morro, que prender bandido é função da polícia e que a guerra entre traficantes, que tanto sacrificava os moradores da favela, tinha sido vencida, a paz reinava na área!
Foi o que bastou para que o prefeito Crivella comunicasse à população que agora, sim, poderemos dar um banho de loja na Rocinha. Foi isso mesmo que você leu: Banho de Loja! Não é maravilhoso? Que tal uma filial da Prada, por exemplo, prefeito?
Com esse prefeito, não é o caso de termos muito medo? Diga a verdade, Leitor, dá para dizer adeus ao medo?
Claro que não. Sobretudo porque não é só a guerra nos morros do Rio que provoca medo. A mim, por exemplo, me assustam tanto quanto o enfraquecimento do nosso Supremo Tribunal Federal, o vedetismo dos togados, a atitude baixo nível dos nossos congressistas, o inacreditável anseio pelo fim da Lava-Jato, a palavra de certos militares!
Assim como a falta de dinheiro para salvar nossas escolas, nossos hospitais, e até para apagar os inúmeros incêndios que destroem nossas matas...
Nenhuma boa notícia? Tivemos sim, uma boa, uma ótima notícia. A excelente Carta ao PT assinada pelo ex-ministro Antonio Palloci. A verdadeira Nova Carta aos Brasileiros. Vamos rezar para que os eleitores a leiam e pensem bem nesse trecho: "afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?".
Para início de conversa, qual a emoção que domina as conversas hoje, nos botecos e esquinas do país, de norte a sul? É o medo, não é não?
O que se passa no Rio, sempre o tambor nacional, disfarça o que se passa no resto do Brasil, mas todos sabemos que a Rocinha é só o espaço mais conhecido dentre todos os espaços onde o medo impera. É uma favela enorme, a maior do mundo, talvez, e fica num dos locais onde a vista é das mais deslumbrantes. O que atrai a mídia que lhe dá muita visibilidade. Infelizmente, essa visibilidade não dá ao Rio a segurança que poderia dar.
Claro que o medo do carioca é infernal. Andamos assustados nas ruas. Ser mãe no Rio é padecer no paraíso as 24 horas do dia... Além do medo pelo que pode acontecer com nossas crianças, temos medo do que pode vir a acontecer conosco caso tenhamos a audácia de falar ao celular na calçada, por exemplo...
Tivemos aqui por poucos, pouquíssimos dias, as Forças Armadas na favela da Rocinha. Na quarta-feira, 27/9, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse numa entrevista ao jornalista Roberto D’Avila que as FFAA ficariam aqui até 2018. Mas ontem, dia 28, o mesmo ministro comunicou que nesta sexta-feira as tropas deixarão o morro, que prender bandido é função da polícia e que a guerra entre traficantes, que tanto sacrificava os moradores da favela, tinha sido vencida, a paz reinava na área!
Foi o que bastou para que o prefeito Crivella comunicasse à população que agora, sim, poderemos dar um banho de loja na Rocinha. Foi isso mesmo que você leu: Banho de Loja! Não é maravilhoso? Que tal uma filial da Prada, por exemplo, prefeito?
Com esse prefeito, não é o caso de termos muito medo? Diga a verdade, Leitor, dá para dizer adeus ao medo?
Claro que não. Sobretudo porque não é só a guerra nos morros do Rio que provoca medo. A mim, por exemplo, me assustam tanto quanto o enfraquecimento do nosso Supremo Tribunal Federal, o vedetismo dos togados, a atitude baixo nível dos nossos congressistas, o inacreditável anseio pelo fim da Lava-Jato, a palavra de certos militares!
Assim como a falta de dinheiro para salvar nossas escolas, nossos hospitais, e até para apagar os inúmeros incêndios que destroem nossas matas...
Nenhuma boa notícia? Tivemos sim, uma boa, uma ótima notícia. A excelente Carta ao PT assinada pelo ex-ministro Antonio Palloci. A verdadeira Nova Carta aos Brasileiros. Vamos rezar para que os eleitores a leiam e pensem bem nesse trecho: "afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?".
quinta-feira, 28 de setembro de 2017
Já não dá para desancar político e poupar eleitor
A política brasileira vive uma realidade de ópera-bufa. Mas o desfecho pode ser de tragédia. O país assiste a três atos da ópera-bufa: o nariz de palhaço que o Lula aplicou em si mesmo ao desqualificar as revelações devastadoras de Antonio Palocci, a indignação do Senado com o recolhimento domiciliar noturno que o STF impôs a Aécio Neves e o desinteresse da Câmara pela investigação de Michel Temer e a organização criminosa que a Procuradoria vê ao seu redor.
O excesso de imoralidade parece ter anestesiado a sociedade. E o sistema político aproveita para cultivar o insolúvel como uma flor do lodo. Num instante em que o Brasil vai a pique, a Câmara aprovou a medida provisória que garantiu foro privilegiado a Moreira Franco, um dos ministros denunciados junto com Temer. E o Senado gasta suas melhores energias para aprovar o fundo que derramará verbas públicas nas campanhas eleitorais sem cortar gastos.
A tragédia que pode surgir no fim de tantos atos burlescos é o descaso do eleitor brasileiro. A essa altura, seria uma irresponsabilidade desancar os políticos e poupar os eleitores. Chegou a hora de parar de tratar a política como um conto do vigário no qual o país cai a cada quatro anos. O trágico só será evitado se você tratar a eleição de 2018 como oportunidade para um acerto de contas. No foro privilegiado da urna, o juiz é você. É a hora em que o brasileiro de bem pode impedir que o político pilhado com os bens continue se dando bem.
O strike que atingiu Temer, Aécio e Lula
Numa mesma tarde, quis a sorte que a ironia fizesse um strike. No boliche da política nacional, os três caciques dos principais partidos foram atropelados de modo tão contundente que, fosse outro o país, eles se retirariam da pista. Seria o bastante para que se afastassem da vida pública ou dela fossem afastados pelos mecanismos da democracia e da cidadania. Fosse outro o país, Congresso e partidos iniciariam processo de profunda revisão.
Vexame por vexame, cumpre recuperar os fatos:
No Plenário da Câmara dos Deputados, foi lida a segunda denúncia que pede o afastamento do atual presidente da República; a primeira turma do STF, decidiu afastar do Senado o presidente, já afastado, do PSDB que, de certa forma, cumprirá uma espécie de prisão domiciliar; em carta, Antônio Palocci expressou a mais profunda denúncia contra o ex-presidente Lula, numa demolidora crítica a seu partido.
Michel Temer, Aécio Neves e Luiz Inácio Lula da Silva, novamente, estão na berlinda e isto nem mais é novidade. Mas, é irônico que numa única tarde o constrangimento os tenha abraçado simultaneamente. No calendário da crise nacional, já não há mais folhinhas para agendar um escândalo por vez.
Por mais que dê voltas, Michel Temer não consegue explicar sua estupenda vocação para se cercar de gente enrolada por fortunas em malas; esquemas à luz do dia e encontros na calada da noite. É necessário demasiada vontade de ser cego para não enxergar que, mais que perigosas, as ligações do presidente levantam suspeitas e denunciam posturas que pedem investigação urgente, para o bem do cargo e da democracia.
O constrangimento é tanto que indigna gente séria e já leva as tais cassandras, que pareciam extintas, aos quartéis. Só mesmo o Centrão e seus satélites, num espetáculo de cinismo e desfaçatez, para colocar peneira sobre esse sol.
Em relação a Aécio Neves, o STF apenas restituiu sentido à realidade, recolocando o escândalo — que a distância já relegava ao esquecimento — no lugar que merece. Não há como explicar a conexão de um senador da República com um empresário que seus próprios aliados hoje chamam de canalha. Difícil engolir que prepostos seus sejam pegos por aí com malas de dinheiro vivo advindas de Joesley Batista e isto signifique nada.
Já Antônio Palocci fala por si, dada a importância e o papel que um dia teve no governo e no PT; é mais nocivo que Sérgio Moro. O ex-ministro privou, sim, da confiança e da intimidade de Lula e sua carta é, antes, um apelo à racionalidade. Qualificá-lo como traidor é resposta burra: menos que vitupério, confissão de culpa. Já tratá-lo como mentiroso é abusar da fé até mesmo dos ignorantes e assumir de vez a pecha de ''seita guiada por uma pretensa divindade'' que, como diz Palocci, o PT se transformou.
Mais valeria admitir os erros e abrir as janelas. Como já se disse, a luz do sol é o melhor desinfetante. A vida pede para continuar.
Se nos tribunais o pior réu é o confesso, na política existem fatos que não há como negar. O julgamento se dá por dinâmica própria: lenta, silenciosa, mas inexorável. Um dia tudo se revela. Há momentos em que a intransigência deixa de expressar lealdade para se denunciar como cumplicidade. A negação do óbvio não esconde a indulgência; a fidelidade canina leva ao apequenamento moral e à contaminação espontânea.
O strike não se resume aos três caciques. Expressa, antes, a ruína de um corpo que, ulcerado, se decompõe; um todo que definhou e agoniza. Um sistema político que carece se reinventar. A demora em assumir a realidade dos fatos não apenas arrasta a agonia, como alastra o mal. Gera demagogos populistas, salvadores da pátria; candidatos a Bonaparte. O que resta de saudável no sistema precisa compreender o sentido desse strike como destruição criativa.
Carlos Melo
Vexame por vexame, cumpre recuperar os fatos:
No Plenário da Câmara dos Deputados, foi lida a segunda denúncia que pede o afastamento do atual presidente da República; a primeira turma do STF, decidiu afastar do Senado o presidente, já afastado, do PSDB que, de certa forma, cumprirá uma espécie de prisão domiciliar; em carta, Antônio Palocci expressou a mais profunda denúncia contra o ex-presidente Lula, numa demolidora crítica a seu partido.
Michel Temer, Aécio Neves e Luiz Inácio Lula da Silva, novamente, estão na berlinda e isto nem mais é novidade. Mas, é irônico que numa única tarde o constrangimento os tenha abraçado simultaneamente. No calendário da crise nacional, já não há mais folhinhas para agendar um escândalo por vez.
Por mais que dê voltas, Michel Temer não consegue explicar sua estupenda vocação para se cercar de gente enrolada por fortunas em malas; esquemas à luz do dia e encontros na calada da noite. É necessário demasiada vontade de ser cego para não enxergar que, mais que perigosas, as ligações do presidente levantam suspeitas e denunciam posturas que pedem investigação urgente, para o bem do cargo e da democracia.
O constrangimento é tanto que indigna gente séria e já leva as tais cassandras, que pareciam extintas, aos quartéis. Só mesmo o Centrão e seus satélites, num espetáculo de cinismo e desfaçatez, para colocar peneira sobre esse sol.
Em relação a Aécio Neves, o STF apenas restituiu sentido à realidade, recolocando o escândalo — que a distância já relegava ao esquecimento — no lugar que merece. Não há como explicar a conexão de um senador da República com um empresário que seus próprios aliados hoje chamam de canalha. Difícil engolir que prepostos seus sejam pegos por aí com malas de dinheiro vivo advindas de Joesley Batista e isto signifique nada.
Já Antônio Palocci fala por si, dada a importância e o papel que um dia teve no governo e no PT; é mais nocivo que Sérgio Moro. O ex-ministro privou, sim, da confiança e da intimidade de Lula e sua carta é, antes, um apelo à racionalidade. Qualificá-lo como traidor é resposta burra: menos que vitupério, confissão de culpa. Já tratá-lo como mentiroso é abusar da fé até mesmo dos ignorantes e assumir de vez a pecha de ''seita guiada por uma pretensa divindade'' que, como diz Palocci, o PT se transformou.
Mais valeria admitir os erros e abrir as janelas. Como já se disse, a luz do sol é o melhor desinfetante. A vida pede para continuar.
Se nos tribunais o pior réu é o confesso, na política existem fatos que não há como negar. O julgamento se dá por dinâmica própria: lenta, silenciosa, mas inexorável. Um dia tudo se revela. Há momentos em que a intransigência deixa de expressar lealdade para se denunciar como cumplicidade. A negação do óbvio não esconde a indulgência; a fidelidade canina leva ao apequenamento moral e à contaminação espontânea.
O strike não se resume aos três caciques. Expressa, antes, a ruína de um corpo que, ulcerado, se decompõe; um todo que definhou e agoniza. Um sistema político que carece se reinventar. A demora em assumir a realidade dos fatos não apenas arrasta a agonia, como alastra o mal. Gera demagogos populistas, salvadores da pátria; candidatos a Bonaparte. O que resta de saudável no sistema precisa compreender o sentido desse strike como destruição criativa.
Carlos Melo
Ninguém ora pelo povo
Há uma coisa que se esquece muito no Brasil - é a sorte do povo; do povo que não é grande proprietário, o capitalista riquíssimo, o nobre improvisado, o bacharel, o homem de posição. Fala-se todo o dia de política, canta-se a liberdade, faz-se de mil modos a história contemporânea, maldiz-se dos ministérios e evoca-se a Constituição do seu túmulo de pedra. Ora-se a propósito de tudo, menos a propósito do povoAureliano Tavares Bastos (1839- 1875)
Ministros do STF estimulam o Senado a afrontar decisão do... STF
Zorra quer dizer desordem, bagunça, zona, segundo o Dicionário do Aurélio. Pensando bem, haverá expressão melhor para definir o que tem se passado no Supremo Tribunal Federal (STF) de algum tempo para cá?
A Primeira Turma do STF, formada por cinco ministros, decidiu suspender o mandato de senador Aécio Neves (PSDB-MG), obrigando-o a recolher-se todas as noites à sua casa sem direito a sair dali.
Menos de 24 horas depois, dois ministros do STF, se apressaram a criticar a decisão, estimulando indiretamente o Senado a desautorizá-la. Como se isso fosse possível sem deflagrar uma crise.
Como de costume, Gilmar Mendes foi o mais cáustico. Chamou a decisão de “populismo institucional”. Disse que a Primeira Turma estava reescrevendo a Constituição, e que seu comportamento era suspeito.
Suspeito de quê? Não explicou. Mas aduziu: “Certamente seria bom que a matéria viesse ao plenário. Matérias controvertidas devem vir a plenário”. Esqueceu que a Primeira Turma poderia decidir sozinha, como o fez.
Voto vencido na Primeira Turma, o ministro Marco Aurélio Mello comentou assim a decisão: “O que nós tivemos foi a decretação de uma prisão preventiva em regime aberto. Vamos usar o português”.
E acrescentou: “Como o Senado pode rever uma prisão determinada pelo Supremo, ele pode rever uma medida acauteladora, a suspensão do exercício do mandato”.
Causa espécie ver ministros togados discutirem em público decisões tomadas por alguns dos seus pares. Se não se respeitam, se não respeitam decisões do tribunal, quem haverá de respeitá-los, e às decisões?
Em maio último, o ministro Edson Fachin, um dos relatores da Lava Jato no STF, suspendeu o mandato de Aécio e decretou sua prisão preventiva. O Senado sequer assanhou-se a rever a decisão de Fachin, por incabível.
A decisão de Fachin foi revogada por outra tomada por Marco Aurélio. Desta vez, o Senado está nos cascos para rever a decisão da Primeira Turma. Poderá fazê-lo ainda esta tarde. Se o fizer, cometerá grave erro.
A reclusão noturna obrigatória é diferente de uma prisão preventiva domiciliar. Trata-se de uma medida cautelar prevista no Código de Processo Penal. Foi aprovada pelo Congresso em 2011.
Somente o STF pode dar por não dito o que ele mesmo disse. O Senado tanto não pode que nada ousou fazer no ano passado quando o senador Delcídio Amaral (PT-MS) foi preso por ordem do ministro Teori Zavaski.
A Primeira Turma do STF, formada por cinco ministros, decidiu suspender o mandato de senador Aécio Neves (PSDB-MG), obrigando-o a recolher-se todas as noites à sua casa sem direito a sair dali.
Como de costume, Gilmar Mendes foi o mais cáustico. Chamou a decisão de “populismo institucional”. Disse que a Primeira Turma estava reescrevendo a Constituição, e que seu comportamento era suspeito.
Suspeito de quê? Não explicou. Mas aduziu: “Certamente seria bom que a matéria viesse ao plenário. Matérias controvertidas devem vir a plenário”. Esqueceu que a Primeira Turma poderia decidir sozinha, como o fez.
Voto vencido na Primeira Turma, o ministro Marco Aurélio Mello comentou assim a decisão: “O que nós tivemos foi a decretação de uma prisão preventiva em regime aberto. Vamos usar o português”.
E acrescentou: “Como o Senado pode rever uma prisão determinada pelo Supremo, ele pode rever uma medida acauteladora, a suspensão do exercício do mandato”.
Causa espécie ver ministros togados discutirem em público decisões tomadas por alguns dos seus pares. Se não se respeitam, se não respeitam decisões do tribunal, quem haverá de respeitá-los, e às decisões?
Em maio último, o ministro Edson Fachin, um dos relatores da Lava Jato no STF, suspendeu o mandato de Aécio e decretou sua prisão preventiva. O Senado sequer assanhou-se a rever a decisão de Fachin, por incabível.
A decisão de Fachin foi revogada por outra tomada por Marco Aurélio. Desta vez, o Senado está nos cascos para rever a decisão da Primeira Turma. Poderá fazê-lo ainda esta tarde. Se o fizer, cometerá grave erro.
A reclusão noturna obrigatória é diferente de uma prisão preventiva domiciliar. Trata-se de uma medida cautelar prevista no Código de Processo Penal. Foi aprovada pelo Congresso em 2011.
Somente o STF pode dar por não dito o que ele mesmo disse. O Senado tanto não pode que nada ousou fazer no ano passado quando o senador Delcídio Amaral (PT-MS) foi preso por ordem do ministro Teori Zavaski.
Cachorro vivo
É muito provável que não haja em nenhum outro episódio da história recente do Brasil nada que se compare, em matéria de estupidez terminal, ao conjunto de decisões que o PT tem tomado sobre o ex-companheiro Antonio Palocci. O que está acontecendo com essa gente? Sabe-se, há muito tempo, que todas as suas altas esferas, e principalmente a esfera mais alta de todas, vêm vivendo um processo acelerado de decomposição mental – desde que todos caíram em desgraça pela corrupção sem limites que patrocinaram durante treze anos e meio e começaram a viagem do céu da máquina pública ao inferno da justiça penal. Mas o que fizeram com esse Palocci desafia qualquer imaginação.
Era um escândalo aberto e agressivo que o PT se mantivesse em silêncio absoluto durante um ano inteirinho, desde que o ex-vice-Deus dos governos Lula foi para a cadeia acusado de roubar somas monstruosas de dinheiro – nenhuma palavra, nenhuma crítica, nenhum pedido de desculpas. Como 100% dos outros membros do partido processados e condenados por corrupção, Palocci tinha direito ao tratamento de vítima – vítima “deles”, como diz Lula, os que não toleram as suas “reformas sociais” e não aceitam sua volta à “presidência” deste país. De repente, o mesmíssimo Palocci, o trotskysta de Ribeirão Preto que dividiu mesa, sala e ante-sala com Lula, como o mais poderoso agente de seu governo, diz à justiça o que sabe sobre o ex-presidente – aliás, uma parte do que sabe; os detalhes virão logo mais. Pronto: o mundo caiu. Depois de um ano de boca fechada, o PT descobriu, de um minuto para o outro, que Palocci era um homem mau. Manifestou o seu horror. Decidiu, com aquela valentia em chutar cachorro morto que resume tão admiravelmente o mundo moral dos seus dirigentes, punir o companheiro. Mesmo nesse fundo de poço, não tiveram coragem suficiente para expulsar o homem: decidiram-se por uma “suspensão de 60 dias”. Que diabo quer dizer isso? Alguém seria capaz de dizer quais atividades Palocci vinha exercendo no PT dentro da cadeia? Foi proibido de fazer o que, exatamente? O Judas vai continuar convivendo com os Doze Apóstolos e com o próprio Cristo? Parece que sim: afinal, quem não é posto para fora continua do lado de dentro.
Mas parecia que sim, apenas. Logo se viu que a catástrofe era muito pior – e que cachorro morto às vezes pode morder. Não só o companheiroPalocci recusou a advertência, e mandou para o PT um aviso de que era ele, Palocci, quem estava saindo – uma maneira mais ou menos educada de dizer onde, exatamente, o partido podia enfiar o seu decreto de suspensão. Muito pior que isso, o homem de confiança número 1 de Lula escreveu uma carta aberta fazendo um resumo, sem disfarces, do que sabe sobre a Divindade Superior do PT. É um documento absolutamente devastador . Não se trata de provas, que ficarão para depois. Trata-se simplesmente da verdade, o que é muito pior. Sabe-se muito bem, e há muito tempo, que a reputação moral do ex-presidente está em ruínas, e não precisa de mais nada para dissolver-se ainda mais. Mas a carta de Palocci tem o efeito-bomba de ser um documento, por escrito, para a História – seu texto, muito simplesmente, não poderá ser ignorado por nenhum historiador sério, entre todos os que vão escrever sobre nossa época. Há desânimo, até mesmo, entre a gente de boa fé que ainda optava por “relativizar” as depredações que Lula faz há anos na vida pública do Brasil. Também eles começam a se cansar.
Mas parecia que sim, apenas. Logo se viu que a catástrofe era muito pior – e que cachorro morto às vezes pode morder. Não só o companheiroPalocci recusou a advertência, e mandou para o PT um aviso de que era ele, Palocci, quem estava saindo – uma maneira mais ou menos educada de dizer onde, exatamente, o partido podia enfiar o seu decreto de suspensão. Muito pior que isso, o homem de confiança número 1 de Lula escreveu uma carta aberta fazendo um resumo, sem disfarces, do que sabe sobre a Divindade Superior do PT. É um documento absolutamente devastador . Não se trata de provas, que ficarão para depois. Trata-se simplesmente da verdade, o que é muito pior. Sabe-se muito bem, e há muito tempo, que a reputação moral do ex-presidente está em ruínas, e não precisa de mais nada para dissolver-se ainda mais. Mas a carta de Palocci tem o efeito-bomba de ser um documento, por escrito, para a História – seu texto, muito simplesmente, não poderá ser ignorado por nenhum historiador sério, entre todos os que vão escrever sobre nossa época. Há desânimo, até mesmo, entre a gente de boa fé que ainda optava por “relativizar” as depredações que Lula faz há anos na vida pública do Brasil. Também eles começam a se cansar.
Os jumentos do padre
O Padre Antônio Vieira, não o dos Sermões, em nome de quem sacrilégios infindos tem se perpetrado em discursos e escritos, mas um modesto vigário que viveu ou ainda vive no interior do Ceará, chamou para si a causa dos jumentos sem donos.
Jumento que fosse encontrado só, pastando ou mesmo parado, sem fazer nada, com aquele ar de filósofo de entardecer em beira de estrada, como se esquecido de si, era apanhado e embarcado num caminhão para ser, adiante, exterminado.
Quando soube disso, o Padre Vieira começou a mobilizar seus paroquianos, chamando-lhes a atenção para se acabar com aquele absurdo. Jumento é o animal mais abençoado!
Quando Herodes, o rei perverso, inspirador de governantes que não estão nem aí para as estatísticas de mortalidade infantil, mandou matar todos os recém nascidos para ter a certeza que, dentre eles, não sobreviveria o Messias, o casal José e Maria só fugiu a tempo, salvando o menino, porque tinha, ou alguém lhe emprestou, um jumento.
A primeira mijada do Menino Jesus teria sido mesmo no lombo daquele jumento. Daí, dizem também, aquela pinta escorrendo de um lado ao outro pouco antes do pescoço, seria prova de que o jumento foi o único animal pessoalmente abençoado pelo Filho do Homem.
A sua entrada triunfal em Jerusalém, 33 anos depois, no domingo de ramos, sendo aclamado Rei dos Judeus, não foi num cavalo de puro - sangue árabe, preferidos dos Césares, mas num jumento simples, um jegue pé duro.
Assim como a pomba branca simboliza a paz, a serpente o mal, o cordeiro o sacrifício, o jumento em si é o emblema da perseverança, da capacidade de sobrevivência em qualquer lugar do mundo, nas condições mais difíceis. É um bicho solidário, é ele que tem mais a ver com cada um de nós.
Portanto, não apenas para o Povo do interior o jumento é um amigo solidário e um companheiro de trabalho, para qualquer trabalho a qualquer hora. O jumento é um motor de força, um meio de transporte, um cúmplice, é o trator dos pobres.
Dispensa cuidados de veterinário, come até sola de sapato velho, pano de chão, folha de urtiga, dorme em pé, também serve como relógio porque só relincha, e muito sonoramente, nas mesmas horas do dia. E se tem uma jumentinha por perto, reproduz adoidado.
Os cearenses da paróquia do Padre Vieira fizeram um assanhaço tão danado contra os nazistas dos jumentos que até o Rei do Baião, o grande Luiz Gonzaga, se engajou no movimento em defesa da vida dos jumentos. O Padre até publicou um livro, “O Jumento Nosso Irmão”.
Em todo lugar do mundo, o Povo é força imbatível se motivado às grandes causas. A mobilização do Padre Vieira contra a matança dos jumentos resgatou os deveres gerais para com a defesa dos direitos dos animais.
Caminhando domingo pela Avenida Paulista vi uma fila enorme adentrando um casarão antigo. À entrada, uma placa sugeria, adote um cão. Muitas pessoas saiam dali levando para casa um cachorro, desses que, antes, viviam soltos sem donos pelas ruas.
O padre de Peritoró, contra quem assacaram as infâmias de, quando Prefeito, ter mandado matar mais de duzentos jumentos, bem que poderia ter se mirado no exemplo do Padre Vieira cearense e, como os voluntários da Avenida Paulista, instalar na uma Central de Adoção de Jumentos.
Edson Vidigal
Jumento que fosse encontrado só, pastando ou mesmo parado, sem fazer nada, com aquele ar de filósofo de entardecer em beira de estrada, como se esquecido de si, era apanhado e embarcado num caminhão para ser, adiante, exterminado.
Quando soube disso, o Padre Vieira começou a mobilizar seus paroquianos, chamando-lhes a atenção para se acabar com aquele absurdo. Jumento é o animal mais abençoado!
Em Várzea Alegre, sua cidade natal, estátua do Padre Vieira ao lado do jumento |
A primeira mijada do Menino Jesus teria sido mesmo no lombo daquele jumento. Daí, dizem também, aquela pinta escorrendo de um lado ao outro pouco antes do pescoço, seria prova de que o jumento foi o único animal pessoalmente abençoado pelo Filho do Homem.
A sua entrada triunfal em Jerusalém, 33 anos depois, no domingo de ramos, sendo aclamado Rei dos Judeus, não foi num cavalo de puro - sangue árabe, preferidos dos Césares, mas num jumento simples, um jegue pé duro.
Assim como a pomba branca simboliza a paz, a serpente o mal, o cordeiro o sacrifício, o jumento em si é o emblema da perseverança, da capacidade de sobrevivência em qualquer lugar do mundo, nas condições mais difíceis. É um bicho solidário, é ele que tem mais a ver com cada um de nós.
Portanto, não apenas para o Povo do interior o jumento é um amigo solidário e um companheiro de trabalho, para qualquer trabalho a qualquer hora. O jumento é um motor de força, um meio de transporte, um cúmplice, é o trator dos pobres.
Dispensa cuidados de veterinário, come até sola de sapato velho, pano de chão, folha de urtiga, dorme em pé, também serve como relógio porque só relincha, e muito sonoramente, nas mesmas horas do dia. E se tem uma jumentinha por perto, reproduz adoidado.
Os cearenses da paróquia do Padre Vieira fizeram um assanhaço tão danado contra os nazistas dos jumentos que até o Rei do Baião, o grande Luiz Gonzaga, se engajou no movimento em defesa da vida dos jumentos. O Padre até publicou um livro, “O Jumento Nosso Irmão”.
Em todo lugar do mundo, o Povo é força imbatível se motivado às grandes causas. A mobilização do Padre Vieira contra a matança dos jumentos resgatou os deveres gerais para com a defesa dos direitos dos animais.
Caminhando domingo pela Avenida Paulista vi uma fila enorme adentrando um casarão antigo. À entrada, uma placa sugeria, adote um cão. Muitas pessoas saiam dali levando para casa um cachorro, desses que, antes, viviam soltos sem donos pelas ruas.
O padre de Peritoró, contra quem assacaram as infâmias de, quando Prefeito, ter mandado matar mais de duzentos jumentos, bem que poderia ter se mirado no exemplo do Padre Vieira cearense e, como os voluntários da Avenida Paulista, instalar na uma Central de Adoção de Jumentos.
Edson Vidigal
Desigualdade Brasil
O Brasil permanece com um dos piores países do mundo em matéria de desigualdade de rendimento e tem mais de 16 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobrezaONG Oxfam Brasil, no estudo "A distância que nos une", que alerta para as projeções de se ter mais 3,6 milhões de pobres até ao final deste ano
República magistral
O Supremo Tribunal Federal cansou de ver juízes de primeira instância monopolizarem os holofotes. Em dois dias, autorizou ensino religioso em escola pública, desafiou o Senado e rachou em público. Só não se manifestou sobre conflito de interesse evolvendo seus integrantes. Chega de perder manchetes para juízos de primeira, como o que decidiu mandar a julgamento um adolescente que ousou levar câmera fotográfica a protesto.
Tucanaram a prisão do senador? A blague é óbvia, mas imprecisa. A decisão de três ministros da Primeira Turma do Supremo de afastar Aécio Neves (PSDB) do Senado e mandá-lo não sair de casa à noite é – pelo Código do Processo Penal (CPP) – medida cautelar diversa da prisão. Segundo juiz de carreira consultado pela coluna, é sentença “meio sem sentido para o caso em questão, mas não é invenção”. Está tudo lá no CPP.
No inciso 2º do artigo 319: “proibição de acesso ou frequência a determinados lugares (...) para evitar o risco de novas infrações”. No caso, o local de onde Aécio deve permanecer distante não é um estádio de futebol, mas aquele para o qual foi eleito, o Congresso. Afinal, também é prevista a “suspensão de função pública quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais” (inciso 6º).
Parlamentares – e os ministros mais loquazes do próprio tribunal – veem nisso uma usurpação de prerrogativas do Legislativo. Qual seria, então, a alternativa? O Supremo decretar a prisão do tucano? Mesmo irritados, os senadores devem levar o precedente em conta, não só pensando no destino de Aécio, mas na dúzia de colegas alvo de investigações por procuradores da República. Cutucar o STF e descumprir sua decisão pode iniciar uma batalha de represálias da qual muito senador haverá de se arrepender.
Ficar proibido de falar com outros acusados ou suspeitos – para assim não atrapalhar as investigações – também está previsto no artigo 319, inciso 3º (“proibição de manter contato com pessoa determinada”). Bem como entregar o passaporte (artigo 320).
Até a medida que mais provocou piadas na internet – “o que será dos bares do Leblon?” – consta no inciso 5º: “recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos”. E se ele foi afastado do trabalho pela mesma decisão e está, portanto, de folga? Deve ficar recolhido durante o dia também?
Todo comentarista de Facebook tem seu parecer sobre direito constitucional, todo tuiteiro tem sentença a respeito – agora, com o dobro de caracteres. Na magistral república brasileira, todo cidadão foi promovido de técnico de futebol a juiz. As mídias sociais se transformaram em um tribunal permanente – do que não escapam nem os próprios magistrados.
Pode um juiz ser avalista de empresa da qual é sócio em um empréstimo bancário? A questão é pertinente porque a lei da magistratura proíbe quem julga de exercer o comércio – pelas óbvias chances de ele se meter em um conflito de interesses. Por exemplo: cometeria o banco – que, por acaso, é parte em ações na corte onde o avalista atua – a imprudência de executar o aval?
Ou ainda: deve um juiz julgar réu que patrocinou empresa da qual o togado é potencial beneficiário de lucros e dividendos?
Tais questões provocam rebuliço apenas na corte digital. É mais fácil o Supremo comprar uma briga com outro Poder da República do que se debruçar sobre o próprio umbigo. Ministros intrigam-se na imprensa, trocam pescoções verbais em plenário, mas raramente julgam-se uns aos outros. E a condenação do Judiciário pela opinião pública? É pena genérica e coletiva. Não estão nem aí.
Tucanaram a prisão do senador? A blague é óbvia, mas imprecisa. A decisão de três ministros da Primeira Turma do Supremo de afastar Aécio Neves (PSDB) do Senado e mandá-lo não sair de casa à noite é – pelo Código do Processo Penal (CPP) – medida cautelar diversa da prisão. Segundo juiz de carreira consultado pela coluna, é sentença “meio sem sentido para o caso em questão, mas não é invenção”. Está tudo lá no CPP.
No inciso 2º do artigo 319: “proibição de acesso ou frequência a determinados lugares (...) para evitar o risco de novas infrações”. No caso, o local de onde Aécio deve permanecer distante não é um estádio de futebol, mas aquele para o qual foi eleito, o Congresso. Afinal, também é prevista a “suspensão de função pública quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais” (inciso 6º).
Parlamentares – e os ministros mais loquazes do próprio tribunal – veem nisso uma usurpação de prerrogativas do Legislativo. Qual seria, então, a alternativa? O Supremo decretar a prisão do tucano? Mesmo irritados, os senadores devem levar o precedente em conta, não só pensando no destino de Aécio, mas na dúzia de colegas alvo de investigações por procuradores da República. Cutucar o STF e descumprir sua decisão pode iniciar uma batalha de represálias da qual muito senador haverá de se arrepender.
Ficar proibido de falar com outros acusados ou suspeitos – para assim não atrapalhar as investigações – também está previsto no artigo 319, inciso 3º (“proibição de manter contato com pessoa determinada”). Bem como entregar o passaporte (artigo 320).
Até a medida que mais provocou piadas na internet – “o que será dos bares do Leblon?” – consta no inciso 5º: “recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos”. E se ele foi afastado do trabalho pela mesma decisão e está, portanto, de folga? Deve ficar recolhido durante o dia também?
Todo comentarista de Facebook tem seu parecer sobre direito constitucional, todo tuiteiro tem sentença a respeito – agora, com o dobro de caracteres. Na magistral república brasileira, todo cidadão foi promovido de técnico de futebol a juiz. As mídias sociais se transformaram em um tribunal permanente – do que não escapam nem os próprios magistrados.
Pode um juiz ser avalista de empresa da qual é sócio em um empréstimo bancário? A questão é pertinente porque a lei da magistratura proíbe quem julga de exercer o comércio – pelas óbvias chances de ele se meter em um conflito de interesses. Por exemplo: cometeria o banco – que, por acaso, é parte em ações na corte onde o avalista atua – a imprudência de executar o aval?
Ou ainda: deve um juiz julgar réu que patrocinou empresa da qual o togado é potencial beneficiário de lucros e dividendos?
Tais questões provocam rebuliço apenas na corte digital. É mais fácil o Supremo comprar uma briga com outro Poder da República do que se debruçar sobre o próprio umbigo. Ministros intrigam-se na imprensa, trocam pescoções verbais em plenário, mas raramente julgam-se uns aos outros. E a condenação do Judiciário pela opinião pública? É pena genérica e coletiva. Não estão nem aí.
A favela não é um zoológico
Muitos europeus que chegam ao Rio sentem uma espécie de atração fatal pela miséria. Uma vez um amigo espanhol me disse: “Tenho uma curiosidade especial em saber como são os pobres das favelas”. Para a da Rocinha, ocupada pelo exército, com a comunidade ainda atemorizada e transtornada com os tiroteios, a empresa Favela Tour levou ontem, dia 25, segunda-feira, 20 turistas franceses. Um morador, ainda traumatizado com a violência que está vivendo, comentou ao blog O Antagonista que aqueles turistas lhe causaram uma sensação estranha: “Parece que somos seres de uma espécie diferente. Nem com o clima em que estamos vivendo os turistas param de visitar a favela”.
Talvez seja essa morbidez inconsciente de considerar as favelas como um zoológico no qual se visitam bichos humanos diferentes o que acabe perpetuando o mito dessas mais de mil comunidades, que são um terço da “cidade maravilhosa”, e que constituem uma reserva turística e de votos para os políticos na hora das eleições. Passam governos pelo Rio, de todos os matizes políticos, e as favelas se perpetuam em sua segregação, em sua pobreza e em seu cenário de violência. Só experiências generosas, pessoais ou de grupos, conseguem aplacar a dor de seus moradores condenados ao destino de diferentes.
Só quem nasceu e sofreu ali, viveiro de talentos e criatividade artística, é capaz de entender a complexidade e a riqueza daquelas comunidades condenadas ao mesmo tempo ao estigma da diferença. Um dos filhos ilustres das favelas, o carnavalesco Joãosinho Trinta, cunhou uma frase, já célebre, que define o paradoxo que a idiossincrasia da favela representa: “O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual”. Dizia ser capaz de “transformar lixo em luxo”. Convertia restos de isopor em esculturas que pareciam de marfim.
Como já destacou o brilhante antropólogo Roberto DaMatta, os carnavais nascidos nas favelas são o resgate de séculos de escravidão e vida dura dos excluídos. Na metamorfose dos carnavais, cada um se disfarça por um dia no que sonharia ser e não consegue. Quebra tabus. Assim, Joãosinho explicava: “Peça a um jovem de favela que desfile de escravo no carnaval. Ele quer é ser rei. Escravo já é. Ele gosta é de luxo, não de miséria”. E sentenciava: “Ninguém tem o direito de dizer não ao absurdo”.
E ninguém tem o direito de transformar favelas em zoológicos aos quais se vai para ver “como são os pobres”, como sonhava meu amigo espanhol. A melhor forma de ajudar essas comunidades que acumulam anos de abandono e exploração é lutar para que deixem de ser guetos para o deleite dos turistas e possam se tornar bairros como os demais da cidade, aos quais ninguém precise visitar para saber que não trabalhadores como nós e que não têm chifres nem rabos. A verdadeira miséria não é a das favelas, mas a nossa, a incapacidade de entender que o que nos diferencia uns dos outros não é a pobreza ou a riqueza, mas a capacidade ou a incapacidade de empatia com tudo que é diferente. Todo o resto é morbidez burguesa.
Talvez seja essa morbidez inconsciente de considerar as favelas como um zoológico no qual se visitam bichos humanos diferentes o que acabe perpetuando o mito dessas mais de mil comunidades, que são um terço da “cidade maravilhosa”, e que constituem uma reserva turística e de votos para os políticos na hora das eleições. Passam governos pelo Rio, de todos os matizes políticos, e as favelas se perpetuam em sua segregação, em sua pobreza e em seu cenário de violência. Só experiências generosas, pessoais ou de grupos, conseguem aplacar a dor de seus moradores condenados ao destino de diferentes.
Só quem nasceu e sofreu ali, viveiro de talentos e criatividade artística, é capaz de entender a complexidade e a riqueza daquelas comunidades condenadas ao mesmo tempo ao estigma da diferença. Um dos filhos ilustres das favelas, o carnavalesco Joãosinho Trinta, cunhou uma frase, já célebre, que define o paradoxo que a idiossincrasia da favela representa: “O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual”. Dizia ser capaz de “transformar lixo em luxo”. Convertia restos de isopor em esculturas que pareciam de marfim.
Como já destacou o brilhante antropólogo Roberto DaMatta, os carnavais nascidos nas favelas são o resgate de séculos de escravidão e vida dura dos excluídos. Na metamorfose dos carnavais, cada um se disfarça por um dia no que sonharia ser e não consegue. Quebra tabus. Assim, Joãosinho explicava: “Peça a um jovem de favela que desfile de escravo no carnaval. Ele quer é ser rei. Escravo já é. Ele gosta é de luxo, não de miséria”. E sentenciava: “Ninguém tem o direito de dizer não ao absurdo”.
E ninguém tem o direito de transformar favelas em zoológicos aos quais se vai para ver “como são os pobres”, como sonhava meu amigo espanhol. A melhor forma de ajudar essas comunidades que acumulam anos de abandono e exploração é lutar para que deixem de ser guetos para o deleite dos turistas e possam se tornar bairros como os demais da cidade, aos quais ninguém precise visitar para saber que não trabalhadores como nós e que não têm chifres nem rabos. A verdadeira miséria não é a das favelas, mas a nossa, a incapacidade de entender que o que nos diferencia uns dos outros não é a pobreza ou a riqueza, mas a capacidade ou a incapacidade de empatia com tudo que é diferente. Todo o resto é morbidez burguesa.
quarta-feira, 27 de setembro de 2017
O grito do silêncio
O humano se faz com o outro. Na conversa; no discurso narcisista seu modelo mais belo é a declaração de amor; o mais sofrido surge no soluço; e o mais solene aparece nas preces.
“Silêncio”, o último filme de Martin Scorsese, mostra a saga de um outro punhado de jesuítas no Japão. Como não controlavam o poder, eles replicavam os cristãos subversivos antes de o cristianismo se tornar a religião oficial do Império Romano. Eram, pois, perseguidos e supliciados. No Japão do século XVI, os jesuítas se deparam com as barreiras linguísticas e culturais e, para além delas, com o silêncio gritante dos céus. Mas sucumbem agarrados à cruz do Cristo. A fé (eis um mistério humano) recusa o silêncio mesmo quando o oprimido brada como Castro Alves: “Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?”
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Em 3 de setembro de 1974, desembarca na cidade México um antropólogo de 38 anos. Ele chega de Viena, onde havia participado de uma conferência sobre “rituais”, na qual suas ideias não foram recebidas em silêncio. Estava cheio de si mesmo, mas esbarrou num seco mutismo quando, na casa de Freud, mirou-se num espelho e viu um rosto inocente dos sobressaltos que a vida iria lhe trazer.
No México, onde vai apresentar uma comunicação para o Congresso Internacional de Americanistas, ele aproveita para visitar a Virgem de Guadalupe — a senhora do céu — na Catedral Metropolitana.
Com a contrição dos incrédulos, entra no templo na ponta dos pés, mas o silêncio é fraturado pela conversa de uma senhora mestiça com a Mão de Deus.
— Por favor, Virgenzinha de Guadalupe, dá-me o que imploro...
A prece busca o outro que está no céu, mas o que o jovem observa é uma conversa de mães a acertarem o destino daqueles que haviam posto no mundo. Ali não havia o silêncio dos santos diante de mortais desesperados. A senhora falava com a Virgem de Guadalupe, e ela respondia.
Naquela noite, o jovem foi jantar na belíssima casa de um simpático professor de Sociologia mexicano. Entre drinques, o anfitrião explica do seu revolucionário trabalho. Estudam o campesinato e a política — lidam com um satânico capitalismo.
O jovem pergunta: “Há alguém pesquisando a religiosidade popular? Fui ao templo de Nossa Senhora de Guadalupe e vi um dialogo extraordinário.”
Respondeu-lhe um enorme silêncio.
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No dia 29 de março de 1549 desembarcam na Bahia de Todos os Santos (que seria a cidade de São Salvador de todos os pecados) Manuel da Nóbrega, João de Azpilcueta Navarro, Leonardo Nunes e António Pires, acompanhados de dois estudantes, Diogo Jácome e Vicente Rodrigues. Sua missão é catequizar os gentios tupi. Com eles chega Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral do Brasil. A vinda dos jesuítas com o governador mostra como a Administração Real e a Igreja — fé e Império — se enlaçam na conquista do Novo Mundo e no que seria o Brasil.
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No nosso debate, ninguém cometeu o anacronismo de medir os jesuítas do século XVI pela régua deste nosso igualmente problemático século XXI. Procuramos reler as cartas de Nóbrega no fio da navalha que separa o etnocentrismo do relativismo. Esse fio que inventa o cosmopolitismo — justo o que foram esses jesuítas catequistas de índios, filhos de mais de uma sociedade, reino e crença.
Certos de que o relativo não tem como contrário o niilismo, mas o absoluto, acentuamos como todo sistema de valores tem que ser lido em seus próprios termos e circunstâncias, o que não significa estar de acordo com eles. A compreensão foi a marca da nossa mesa feita de jesuítas e professores. É para isso que as universidades existem.
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Enquanto isso, no “mundo real” assistimos a futebol e rola o Rock in Rio.
Roberto DaMatta
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