Mas ela já renasceu adulta, depois do vinteno da ditadura militar, tanto que o primeiro presidente escolhido em eleição direta foi obrigado a renunciar quando o Congresso aceitou abrir um processo de impeachment contra ele, atendendo a uma representação da sociedade civil, assinada pela OAB e a ABI.
Os tempos mudaram: a ABI hoje cede a sua casa para manifestações partidárias de quem está no poder, e o presidente da OAB se transformou em comensal do poder em jantares palacianos onde o establishment troca rapapés com a presidente da República, açoitada pela popularidade mais baixa da história e acossada pelo TCU e pelo TSE por contas mal explicadas.
Os que protestam, que ontem representavam a consciência cívica da Nação, hoje são os golpistas fascistas que não se conformam com o resultado das urnas.
A democracia retrocedeu ou retrocederam os “democratas”?
A negação nunca esteve ausente de sua agenda: desde o Plano Real, passando pela Lei de Responsabilidade Fiscal ou por qualquer coisa que não tivesse saído do embornal ideológico próprio, sem contar a chuva de pedidos de impeachment contra tudo e contra todos, a oposição “a tudo que aí está” agora se transformou em sustentação a tudo que aí está-desde trampas fiscais até assalto aos cofres públicos.
Tanto que os neo-democratas sequer esboçam um sorriso de constrangimento quando escolhem, ao sabor de seus interesses imediatos, o amigo e o inimigo do momento. Renan Calheiros, tão citado na Lava Jato quando Eduardo Cunha, atirou em direção ao governo à deriva, uma boia salva- vidas chamada Agenda Brasil. Renan virou o amigo e Cunha o inimigo, e isso não tem nada a ver com moralidade.
E o ex-presidente Lula, flagelado em sua dúvida existencial entre renegar a criatura que inventou e tentar tangê-la de volta ao seu rebanho, para que não atrapalhe os seus planos para 2018, não se envergonha de infantilizar a política com outra de suas pedestres metáforas, em defesa (?) de Dilma:
"É lógico que ela pode errar, como eu errei e como qualquer um erra enquanto mãe. Nem sempre a gente faz as coisas que são 100% aceitas pelos filhos. Mas quando ela errar, ela é nossa mãe e temos de ajudá-la a consertar”.
Nem nos momentos mais caricaturais do populismo explícito que assola o subcontinente desde sempre vai ser fácil achar uma frase tão estupidificante. A última “madre de los pobres” tratada de maneira tão mistificadora foi Eva Perón, com resultados de que a decadente Argentina padece até hoje.
Lula disse isso a uma plateia de “margaridas”, trabalhadoras rurais recrutadas com o patrocínio estatal da Caixa Econômica, do BNDES e da Itaipu Binacional, que investiram 855 mil reais no convescote “espontâneo” no estádio Mané Garrincha, elefante branco herdado da Copa de 2004.
As “margaridas”, que formam um movimento social devidamente instrumentalizado pelo PT, repetiram no estádio palavras de ordem contra o “golpe" e contra Eduardo Cunha, eleito inimigo público número um do governo pelo trabalho de trituramento da base aliada que vem promovendo dentro do Congresso Nacional.
Não importa se os métodos usados, como a manipulação grotesca das palavras e a instrumentalização descarada de um “movimento social”, signifiquem, no fundo, uma regressão à primeira infância da demagogia populista.
Quando a democracia deixa de ser um fim e passa a ser um meio de agarrar-se ao poder para desfrutá-lo sem medidas e sem limites, estamos diante de uma farsa. Uma perigosa farsa.
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