Num quadro ainda tão embrionário, parece lirismo pensar num caminho para o Brasil pós-2022. Não se trata de um programa, muito menos de um projeto de país, como muitos não cessam de cobrar. É pretensão tratar de ambos, sobretudo porque a ideia de projeto de país pode lembrar de algo que se formule numa prancheta, quando na verdade há diante de nós uma sociedade viva e complexa. Mas também não é proibido pensar um pouco adiante. Lembro-me do passado, quando as convenções partidárias analisavam teses. Hoje, isso parece um escândalo.
Um dos grandes problemas do Iluminismo foi o projeto radical moderno de subjugar a natureza, por meio da tecnologia, para os propósitos humanos. Esse projeto desembocou numa crise profunda, com a necessidade urgente de atenuar suas trágicas consequências, como o aquecimento global.
Da mesma forma que isso está em crise, também entrou em crise a concepção cristã sobre a superioridade ou privilégio dos humanos sobre todas as outras formas de vida.
O avanço tecnológico cego pressupunha, também, que todas as culturas convergissem para uma só visão. Um projeto para o futuro precisa alterar esses termos e, sobretudo, fundar a relação com a natureza em outra base, inclusive fortalecendo as culturas que já a veem de uma forma não destrutiva.
Depreende-se daí que as fontes de inspiração para o futuro são a sustentabilidade, no campo econômico, e a diversidade, no campo cultural.
Isso não significa desprezar a tecnologia. Ao contrário, a tecnologia de informação é outra dimensão do presente e do futuro que tem de estar no centro de um projeto, ou algo parecido, para o País.
Em primeiro lugar, é por meio da tecnologia da informação que se vai avançar na produção das riquezas. Também por meio dela o Estado brasileiro pode se tornar mais barato e, simultaneamente, mais eficaz. Por meio dela a própria democracia pode se ampliar, com um governo inteligente que saiba reunir a cooperação coletiva.
A pandemia de covid-19 impulsionou essa tecnologia e mudou o panorama das grandes cidades. Ela possibilita a recuperação dos grandes centros urbanos para a moradia, uma vez que tornou obsoletos os grandes prédios de escritórios.
Da mesma forma que a pandemia impulsionou tendências já existentes, a guerra na Ucrânia torna urgente a superação da era dos combustíveis fósseis, abrindo caminho para as energias solar, eólica e o hidrogênio verde.
A covid-19 representou um trauma no processo de educação brasileiro. Ele é fundamental em qualquer projeto de país. A extrema-direita descartou o avanço digital. Por meio dele, é mais fácil transformar a educação num processo em que as pessoas consigam constantemente definir as habilidades para a realização de uma tarefa, encontrar os meios de acesso a essas habilidades. É o oposto da concepção militarizada de educação da extrema-direita.
Esses tópicos são interessantes porque mostram algo que relativiza a ideia de um projeto subjetivo. Basta apenas analisar o curso dos acontecimentos e avançar com eles. O fracasso do projeto iluminista de domar a natureza e transformá-la de acordo com a vontade humana transcende à polarização esquerda-direita. É um fenômeno praticamente universal. Um projeto brasileiro que estabeleça uma nova relação entre natureza e tecnologia pode ser a mensagem mais importante na nossa política externa.
Em primeiro lugar, é uma forma de se associar aos esforços planetários para atenuar a crise, estabelecer vínculos com os projetos de algumas grandes democracias ocidentais, como Estados Unidos e França, onde Biden e Macron parecem ver essa tarefa como central.
Pelas características brasileiras, pela riqueza de sua biodiversidade, o País teria condições de canalizar um grande investimento global. Isso é decisivo num momento em que se coloca em debate, também, a ideia de que o valor se resume à atividade humana.
De posse de seu grande tesouro, o País, com a maior biodiversidade do planeta, teria condições de iniciar um ciclo sustentável e direcionado para o futuro.
Isso não é um programa nem projeto de país. Mas tem uma ponta de ambição na medida em que trabalha com uma crítica civilizatória.
A ideia de Darcy Ribeiro de uma civilização dos trópicos sempre me pareceu um pouco romântica. No entanto, a preservação de culturas que rejeitam a destruição tecnológica ocidental e as mudanças na relação com a natureza, que, ao invés de ser violentada, é respeitada no seu curso, podem ser elementos de um pós-iluminismo, do início de uma nova era.
No entanto, mesmo sem formular um ambicioso projeto de país, é possível conversar um pouco sobre as possibilidades que se abrem.
São conversas preliminares. De nada adianta, também, formular um programa com a perspectiva apenas de tapar buracos, corrigir erros mais gritantes. É uma iniciativa respeitável, mas limitada.
São conversas vistas com ironia na política brasileira. Mas podem ser uma espécie de mensagem na garrafa quando o pragmatismo esbarrar em seus limites.
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