Vacinas e campanhas de vacinação não deveriam, a rigor, ser objeto de discussão, salvo evidentemente as científicas, segundo seus critérios e protocolos. Aliás, o ambiente da sociedade é particularmente propício para que isto aconteça, visto que há adesão maciça da população à vacina, apesar de todas as tentativas governamentais para desacreditá-la. Vacinar não é um problema, salvo para pessoas em postos de comando que tergiversam sobre tudo, inclusive sobre a verdade. Mentiras ganham corpo no espaço público, produzindo o estilhaçamento do bem coletivo. O presidente empenha-se contra a vacinação de crianças, chegando inclusive a dizer que crianças não morreram devido à covid, quando os números oficiais remontam a mais de 300, uma enormidade. Isto é insano!
O ministro da Saúde, obediente, não segue os critérios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), empenhando-se em criar audiências públicas inúteis para retardar esse processo. Seu ministério chega a divulgar documento declarando que a vacina não está cientificamente comprovada, enquanto a hidroxicloroquina teria passado por todos os testes, como se fosse comprovadamente eficaz no combate a essa doença. É melhor dizer com todas as letras: trata-se de um crime contra a saúde pública, que deveria ser devidamente julgado. Um ministro médico não honra o seu título. Ciência e saúde não podem ser objeto de politicagem.
A aprovação do Orçamento da União é mais uma amostra do apodrecimento da política. Preliminarmente, em sua elaboração, houve o calote dos precatórios para supostamente haver atendimento de necessidades sociais, sobretudo em tempos de pandemia. O que se viu, no entanto? A abertura de espaço orçamentário para novas emendas parlamentares, o tal do orçamento secreto que, de tão sigiloso, não pode nem ser visto pela sociedade e pelos órgãos de controle. Bilhões faltam para a saúde e a educação, mas os parlamentares amigos têm todos os seus apetites saciados. Chegam a babar de tão satisfeitos, enquanto imensa parte da população vive de migalhas. Claro, nem poderia faltar o atendimento de interesses corporativos caros ao presidente, como os policiais federais, aos quais aumento de salários foi prometido. Condizente com tal postura, novas categorias da elite do funcionalismo pedem isonomicamente o mesmo tratamento, deixando ao léu os estratos inferiores. O País vive no teatro do horror.
A tradução de uma política capenga é sua progressiva judicialização. Ou seja, como o governo e autores e partidos políticos não conseguem negociar entre si, incapazes que são de equacionarem os seus próprios problemas e, ainda pior, os do País, recorrem incessantemente às instâncias jurídicas, em particular ao Supremo. Na verdade, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi politizado pelos próprios políticos. Resultado: os ministros tomaram gosto de ser provocados, passando a se manifestar sobre qualquer assunto, muitos deles agindo nos bastidores, externando suas preferências partidárias e atuando publicamente como se políticos fossem. O círculo tornou-se propriamente vicioso. De última instância constitucional, o STF veio a ser uma espécie de outra instância da luta política. Discute-se quem será um novo ministro, não em virtude de sua competência, de sua probidade, de seu saber, mas em função de a quais interesses estaria disposto a atender. E tudo isto em conivência com o Senado, que se mostra incapaz de atuar conforme a sua missão.
Talvez um dos piores legados do atual governo seja este empobrecimento da política, a sua completa evacuação das noções de bem coletivo, de equacionamento de conflitos, de colocação dos verdadeiros problemas do País. Tudo é motivo de tergiversação, de criação de bolhas digitais, de invenção de falsos problemas. A articulação política tornou-se meramente uma negociação de cargos, emendas e outras coisinhas mais. Se isto ainda se fizesse visando à aprovação de projetos importantes para o País, seria uma contribuição que o vício pagaria à virtude. Mas não! Servem apenas para projetos eleitorais, tendo como único mote a manutenção do status quo, com a garantia de que nada mude. Ministros se honra tivessem já deveriam ter abandonado os seus cargos, como alguns fizeram, dando o exemplo de que as coisas podem ser diferentes, sempre e quando haja vontade de mudar.
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