segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Vale a pena roubar no Brasil. Vale a pena roubar o Brasil

Como publicamos, em entrevista ao programa Canal Livre, da Rede Bandeirantes, Sergio Moro comentou a anulação das condenações de Lula e todo o desmonte das conquistas na luta contra a corrupção. Ele afirmou: “A grande verdade é que o recado que está sendo dado hoje em dia no Brasil, não estou dizendo pelo Supremo, mas pelo contexto, é ‘vale a pena roubar’, ‘o crime compensa’. Eu não concordo com isso.”

Sergio Moro pode não concordar, eu também discordo e imagino que você, leitor deste site, também fique contrariado com tudo a que estamos assistindo, mas a verdade mais evidente que pode ser dita sobre o país é que, sim, no Brasil vale a pena roubar. Mais do que valer a pena, o crime compensa, e como compensa. A realidade é incontornável. Pior: os desonestos são aplaudidos e invejados. Admirados, mesmo.


Boa parte dos logradouros públicos brasileiros tem nome de ladrão — seja ladrão político ou ladrão que comprou político. Todos devidamente homenageados. Tem ladrão de esquerda, tem ladrão de direita, tem ladrão de centro e tem ladrão de muito pelo contrário: roubam os cidadãos de tudo o que é lado, em raro espetáculo de democracia absoluta. Roubam no pequeno dinheiro das verbas de gabinete, nas emendas parlamentares e nos gigantescos contratos governamentais. A Lava Jato foi um ponto tão extraordinariamente fora da curva no caso brasileiro que chamou a atenção do mundo — e sofreu a reação em curso.

A ladroagem é tão explícita que ninguém mais enxerga a ladroagem. Veja-se, por exemplo, as mansões do Lago Sul, em Brasília. Quem com o teto de salário de político, juiz ou funcionário público pode ter uma casa daquelas? Ah, é que o sujeito já tinha patrimônio antes. Uma ova. São muito poucos os que eram ricos antes de se lambuzar com dinheiro público. Ah, mas o dinheiro é da mulher ou do marido, profissionais de sucesso, ou dos filhos, que se provaram gênios da raça. Vão à merda.

Um romano de 2 mil anos atrás, não lembro o nome, disse: “Nenhum homem de bem se torna rico de repente”. O problema não é ser rico, é a locução adverbial. Há muitos “ricos de repente” no Brasil, e não só no meio político. Uma penca de malandros da iniciativa vaso sanitário, também conhecida como privada, aprendeu a fazer ótimos negócios em Brasília e adjacências estaduais ou municipais. Além de abrigar advogados especializados em embargos auriculares, esse ecossistema conta com gafanhotos conhecidos como consultores ou mediadores de crises, cuja tarefa consiste em tirar ladrão dos holofotes da imprensa. Outra chusma especula no mercado financeiro em cima da desgraça alheia. Somos o país da locupletação adverbial.

Sim, vale a pena roubar no Brasil, sempre valeu. Sim, o crime compensa no Brasil, sempre compensou. Mas tudo bem: depois eles, do esgoto público ou da iniciativa vaso sanitário, devolvem uma parte ínfima do que embolsaram, aprovando esmolas assistenciais, promovendo circos para o povo ou patrocinando ações caritativas com o dinheiro do pagador de impostos que surrupiaram. O quadro é emoldurado por aqueles que choram lágrimas de crocodilo em vídeos na internet ou passeiam de helicóptero para ver pobre se ferrando em enchentes que não são desastres naturais, mas desastres de desumanidade em cidades precárias e horrendas. Ah, mas nos Estados Unidos também havia os robber barons, é uma etapa necessária. Vão à merda.

Eu os mando à merda, mas a merda é nossa. Vale a pena roubar no Brasil. Vale a pena roubar o Brasil.

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